Sem nenhum respaldo legal, Inmetro aplica taxas e multas absurdas

Raul Haidar
Raul Haidar

Parece brincadeira, mas não é! O comerciante que causar prejuízo de R$ 0,007 ao consumidor pode ser multado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). A multa poderá variar de R$ 100 até R$ 1,5 milhão de reais. Ou seja: a multa mínima é de mais de 10 mil vezes o valor do suposto prejuízo! Tal notícia está na revista IstoÉ Dinheiro, edição desta semana.
O fato é o seguinte: agentes do órgão público exigem que supermercados ao cobrar pela venda de melões descontem o peso da embalagem, aquela rendinha de plástico que envolve a fruta. Como a embalagem pesa duas gramas e o quilo do melão custa R$ 3,56 no supermercado, o prejuízo causado ao consumidor é mesmo a insignificante quantia citada. Se a conta não está certa é porque foi feita por advogado.
Pois bem. Taxas são tributos definidos nos artigos 77/80 do Código Tributário Nacional e devem observar as normas do artigo 37 da Constituição Federal. Exatamente por isso, as taxas e as obrigações que delas decorram não podem ser ilegais, imorais ou ineficazes. Se assim forem, violam-se os princípios constitucionais e impedem que saibamos o que seja Justiça Tributária.
A Lei 5.966/1973 instituiu o “Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, com a finalidade de formular e executar a política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais”.
Por outro lado, a Lei 12.545/2011 prevê no artigo 4º que o Inmetro (“autarquia federal a quem compete colocar em prática as diretrizes da lei”) poderá delegar a execução de atividades de sua competência. Tal delegação é confusa, incoerente e imprecisa, dando margem a interpretações subjetivas e viabilizando a prática de atos ilícitos (leia-se corrupção) se por acaso algum dos seus agentes ou dos que o sejam por delegação não observar as normas éticas a que se sujeita o serviço público.
O mesmo artigo diz que as atividades materiais do órgão, inclusive as de caráter técnico, poderão ser realizadas por terceiros mediante delegação, contratação, convênio, parceria ou instrumento congênere etc. Mas tudo isso submete-se a controle, supervisão e/ou registro administrativo pelo Inmetro. Ora, se tudo o que os tais delegados fizerem precisa ser controlado, supervisionado e registrado, parece-nos que estas últimas atividades poderiam ou deveriam ser executadas diretamente, sem que novos gastos fossem realizados com as demais.
Veja-se, ainda, que o exercício de poder de polícia administrativa somente pode ser delegado a órgãos ou entidades de direito público, como a própria ele explicita.
O artigo 5º da Lei 12.545/2011 especifica quem está sujeito às normas que regulam o tal sistema. Diz que: “as pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que atuem no mercado para prestar serviços ou para fabricar, importar, instalar, utilizar, reparar, processar, fiscalizar, montar, distribuir, armazenar, transportar, acondicionar ou comercializar bens são obrigadas ao cumprimento dos deveres instituídos por esta Lei e pelos atos normativos expedidos pelo Conmetro e pelo Inmetro, inclusive regulamentos técnicos e administrativos”.

Ao dizer que todas as pessoas citadas devem obedecer atos normativos e administrativos, a malsinada norma ignora que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
A Lei 12.545 resulta da Medida Provisória 1.929/1999 que também instituiu a Taxa de Serviços Metrológicos. A Constituição no artigo 62 admite Medidas Provisórias com força de lei quando houver relevância e urgência. Não é preciso estudar muito para saber que a medida provisória mencionada não preenche a última dessas condições. A questão deveria ter sido discutida no Congresso. Não é assim que se cria tributo.
Esse tributo tem como fato gerador “o exercício do poder de polícia administrativa na área da avaliação da conformidade compulsória, nos termos dos regulamentos emitidos pelo Conmetro e pelo Inmetro”. A base de cálculo da taxa é “a apropriação dos custos diretos e indiretos inerentes ao exercício do poder de polícia administrativa da atividade” e para que seja determinada existe uma tabela anexa à lei.
Os contribuintes são “as pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que estejam no exercício das atividades previstas no art. 5º”, acima transcrito. Taxas não podem ser confundidas com impostos. Se é calculada conforme os “custos diretos e indiretos inerentes ao exercício do poder de polícia administrativa da atividade”, por certo engloba despesas que vão além do que é razoável para o exercício daquele poder. Assim, a taxa pode onerar de forma ilegal os contribuintes.
Note-se, ademais, que já existe uma taxa de licença e funcionamento para qualquer estabelecimento. Nesse local se alguma coisa deva ser medida ou pesada, essas funções presumem-se alcançadas pela taxa de aferição dos instrumentos a isso destinados. Trata-se da “taxa de balança”, paga de tempos em tempos quando um chamado “fiscal de pesos e medidas” afere sua precisão.
Eis um novo ramo de atividade econômica: serviço de fiscalização para fiscalizar o fiscal. Multar alguém, seja produtor, atacadista ou varejista, por suposta cobrança indevida de algo que representa duas gramas de melão cujo preço por quilo é inferior a quatro reais, não é só ilegal por basear-se em simples ato administrativo: é ridículo!
Parece-nos que são raríssimos os casos em que duas gramas possam interferir no custo de inúmeras mercadorias. A não ser, é claro, que se tratem de pedras e metais preciosos ou, ainda, entorpecentes.
Assinale-se que balanças utilizadas em supermercados não precisam ter precisão absoluta, a ponto de registrar duas gramas, seja de melão ou de ouro. Para o peso deste metal, e mesmo das drogas, as balanças são outras.
Não há dúvida sobre a necessidade de que sejam protegidos os direitos de consumidores e fiscalizados com rigor os pesos, medidas, qualidade e comercialização de quaisquer mercadorias. Tudo isso, porém, há de ser feito sob o abrigo da legislação, que se submete às normas constitucionais, dentre estas as de moralidade e eficiência. Não existe eficiência alguma nas multas aqui examinadas. Por isso elas se nos afiguram como totalmente absurdas.
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Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

 

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