MILTON CORRÊA

Estudo inédito revela impactos da caça comercial na Amazônia no século XX  

APPROACH 

Comunicação Marcelle Ribeiro

A prestigiada revista científica Science Advances acaba de publicar estudo inédito que revela os impactos da caça comercial na Amazônia no século XX. A pesquisa, que foi liderada pelo especialista em fauna da ONG de conservação ambiental WCS Brasil André Antunes, mostra, por exemplo, que as principais espécies caçadas geraram US$ 500 milhões de 1930 a 1960. E faz alertas sobre a garantia da conservação da fauna na região para o futuro.

Pesquisa revela que principais espécies exploradas na região geraram US$ 500 milhões em quatro décadas e sugere maior vulnerabilidade da fauna aquática à caça em relação à fauna terrestre

A caça comercial durante o século XX deixou profundos impactos na Floresta Amazônica, mas também deixou uma verdadeira “mina de ouro” em documentação histórica, apontando direcionamentos para o manejo de fauna na região nos dias atuais. Estudo de pesquisador brasileiro da WCS Brasil (Wildlife Conservation Society Brasil ou Associação Conservação da Vida Silvestre, em português) que acaba de ser publicado na prestigiada revista Science Advances, mostra os resultados deste comércio.

 Ele revela que apenas entre as décadas de 1930 a 1960, as 11 principais espécies exploradas comercialmente nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima geraram cerca de 500 milhões de dólares (reajustados para o ano base de 2015). E mostra que enquanto a caça comercial causou o colapso das populações de espécies aquáticas, a maioria das espécies terrestres manteve extrações relativamente consistentes ao longo do tempo.

A pesquisa avalia pela primeira vez a capacidade de recuperação da fauna amazônica sob a perspectiva do comércio internacional de peles e couros silvestres.

O levantamento foi liderado pelo especialista em fauna da WCS Brasil André Antunes, durante seu Doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e Universidade de Auckland (Nova Zelândia), e feito em parceria com os pesquisadores Rachel Fewster, Eduardo Venticinque, Carlos Peres, Taal Levi, Fábio Rohe e Glenn Shepard.

O estudo estima que, entre 1904 e 1969, 23,3 milhões de animais, representando 20 espécies de mamíferos e répteis selvagens, foram caçados para a extração de suas peles no Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Os autores afirmam que esses números são subestimados. “É impossível contabilizar os animais mortos em decorrência de ferimentos graves, ou mesmo as peles contrabandeadas ou não aproveitadas devido ao mal estado de conservação”, afirma o estudo.

Segundo o levantamento de fontes históricas, entre as peles e couros mais comercializados em Manaus estavam as de espécies como onça-pintada, maracajá-açu, maracajá-peludo, ariranha, lontra, queixada, caititu, veado-vermelho, capivara, peixe-boi, anta, cutia, jacaré-açu, jacaré-tinga, iguana, sucuri, jibóia, jacuraru e jacuruxi.

“O comércio de peles em Manaus, previamente mínimo e focado no veado-vermelho, se diversificou e intensificou logo após a crise nos preços da borracha em 1912 e atingiu um pico inicial nas décadas de 1930 e 1940 e um segundo pico durante a década de 1960, ambos impulsionados pela aceleração nos preços das peles devido à demanda crescente pelos mercados dos Estados Unidos e Europa” afirma o levantamento.

 Apesar de, no Brasil, a caça ter sido oficialmente proibida em 1967, brechas permitindo o comércio de peles armazenadas e a baixa fiscalização facilitaram a caça ilegal até a ratificação da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), em 1975.

O comércio clandestino de peles silvestres persistiu até os anos 1980, quando a demanda internacional começou a diminuir em resposta à intensificação da CITES e ao declínio da popularidade de peles na indústria da moda. Finalmente, a ECO 92 consolidou a consciência ambiental internacional.

Os autores discutem a diferença que espécies terrestres e aquáticas tiveram de se recuperar dos impactos da caça comercial, analisando o acesso à fauna nesses dois ambientes. Segundo o levantamento, espécies aquáticas eram mais vulneráveis que as terrestres.

Em geral, as extrações de peles de espécies aquáticas no segundo pico foram muitos menores do que no primeiro, apesar do alto preço das peles e população humana maior nas áreas de caça.

“As áreas alagáveis representam cerca de 12% da Amazônia centro-ocidental brasileira e a grande maioria das habitações humanas são estabelecidas ali. Além disso, o acesso é facilitado pelo uso de embarcações, o principal meio de transporte na região, aonde não há estradas. Em contraposição, as florestas de terra firme, além de muito mais extensas, têm   acesso espacialmente limitado por meio de caminhadas, garantindo extensos refúgios para a fauna. Os refúgios mantêm populações íntegras e, neles, as espécies podem se reproduzir livremente da caça, e, através da migração, podem repor os indivíduos caçados nas áreas mais próximas das habitações humana”.

Os autores alertam que os fatores que deram suportes à capacidade de recuperação das espécies terrestres até mesmo durante o apogeu da era das peles na Amazônia devem entrar em colapso quando a floresta é desmatada ou fragmentada, diminuindo o número de animais, devido à perda de hábitat e ao aumento do acesso às áreas que até então serviam como refúgios.

“Se quisermos garantir a conservação da fauna e a soberania alimentar das centenas de povos tradicionais amazônicos será necessária a manutenção da interconectividade da floresta e dos rios para além dos limites de unidades de conservação e territórios indígenas”, alerta a pesquisa.

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