ASSIM CAMINHA A CIDADE

Do alto do telhado do antigo hotel, apoiado na parede da enorme caixa de água, Fred deslumbrava-se com a visão única que o deixava extasiado. Os telhados amarelados e sujos, uns na maioria carregados de imperfeições, alguns até com coberturas mistas. Realmente, quem circula lá embaixo sob a sombra das marquises dos altos prédios comerciais que alongam-se e misturam-se de esquina à esquina, nem sequer imagina o quanto é aterrador as diversas coberturas dos erguidos na imensa selva de pedra. Antenas de televisão misturam-se com outras de internet, TV a cabo, além de uma parafernália de outras ligações que entrelaçam-se num universo que mais parece terra do absurdo. Pombos, muitos deles sobre as lajes, misturavam-se aos urubus. O que mais chamava sua atenção, era a visão privilegiada lá do alto; o encontro das águas dos rios Tapajós e Amazonas, confundindo-se com a margem da ilhota que desponta num verde musgo ao cair da tarde. E lá de cima dava pra imaginar a vida que escorregava lá embaixo entre vias e ruas que cortam-se e desembocam em outras, e prosseguem com suas emendas e costuram-se apenas demarcando o mapa, formando o desenho que separam as diversas lojas que divergem-se entre si.

Naquela noite, Fred entusiasmado decidiu ir em ire si. – pensava. em busca de mais informações que pudesse dar sentido àquilo que o fez sentir ao observar lá de cima a vida que movimentava-se lá embaixo – dirigiu-se para a orla da cidade onde sim, poderia misturar-se com as demais pessoas e sentir-se parte daquela onda de expressões que por sua vez nada demonstrava, a não ser,  rostos e rostos.

Pessoas indo e vindo sem destino algum, apenas dando pernadas no estirão da orla, como que num desfile para uma platéia cega, que olha e não vê. Mas mesmo assim desfilam como se estivessem sendo observadas em cada detalhe de seus movimentos, pois foram ali para ver gente e serem vistas, contudo, no auge do orgulho caracterizado, imaginam ser peça fundamental e parte daquele desfile que segue sob os olhares furtivos que erram e disfarçam suas intenções.

Ao longo da orla, à beira da calçada, muitos vendedores com seus carrinhos repletos de latinhas de cerveja e refrigerantes, outros com lanches diversos ao gosto do freguês, além dos artesãos e suas jóias e trabalhos artesanais que chamam a atenção dos interessados pela arte minuciosa e bela, fazem daquele momento um nicho para ganharem algum e ao mesmo tempo completar a orgia de desconhecidos que ora param para comprar alguma coisa e prosseguem misturando-se aos demais, que olham sem vê e perdem-se invisíveis por outros cegos que vagam apenas pelo prazer de suas mentes dentro de uma liberdade sentida por estarem ali, sentido a brisa que açoita os cabelos das mulheres e resfria a cabeça dos carecas. Mas não esquecendo os pescadores habituais que enfileiram-se com suas varas e linhas, lançando-as à maior distância possível para alcançar o pescado e na medida da sorte ou o que chamam de pescadores veteranos, disputam cada centímetro do local onde há mais concentração do cardume a fim de içarem os prêmios que são erguidos como troféus e, brilham na ponta da linha ao serem puxados para o calçadão. As pessoas que por ali desfilam, não deixam de apreciar aquele momento e assistirem a euforia dos premiados com o pescado e a satisfação que estampa-se no rosto dos sortudos.

Nos bancos de concreto ali dispostos para os que desejam apenas sentar e observar a demanda de pessoas, vê-se casais sentados lado a lado num bate-papo sem fim. Mas não pensem que conversam entre si – estão desligados um do outro, pois estão obcecados e escravizados em trocar mensagens com os que estão distante, como se nada mais existisse ao redor, e permanecem absortas em teclar e teclar sem ao menos perceberem que ao tempo em que dividem o mesmo assento, estão bem distantes um do outro. Não é raro ver casais de namorados em que a garota não pára de teclar mesmo estando com o rapaz do lado. Francamente no auge dos tempos atuais, namorar e paquerar não é mais como antigamente. Isso sem mencionar as tantas pessoas que circulam ali mesmo, na maioria das vezes adolescentes, andando com os olhos grudados em seus celulares sem prestarem atenção à frente, não percebem o perigo que correm de tropeçar ou até mesmo caírem num buraco.

Na linha do horizonte, onde cores misturam-se feito grande tela, borram um céu que muda de cor no fim de uma tarde que deixa-se engolir junto a luz de um astro que lentamente mergulha na imensidão, tornando seus admiradores absorvidos com tamanha beleza e procurando apreciar o máximo possível de um espetáculo único que repete-se todos os dias. Silhuetas de embarcações pequenas e grandes fazem parte do quadro quase que, apenas pintado ou tingido com carvão, mas lentamente movem-se dando vida a uma pintura natural, deixando quem está ali maravilhado com tamanha imagem, registre e guarde para sempre em sua mente e alma.

Mas o tablado do grande desfile continua. Pois por ali, parece engrossar cada vez mais com a penumbra noturna. Pessoas vão surgindo de todos os lados. Uns exercitando-se, outros no Cooper num vai-e-vem sem cessar, grupos de jovens conversando descontraidamente e alguns solitários apenas curtindo o momento prazeroso que é passear na orla. Sem falar nos carros que param e deixam seus caronas para também subirem no palco. Policiais em dupla caminham tranqüilos e atentos ao grande movimento.

Aquela tarde foi-se mais uma vez como todas as outras passadas. O mesmo quadro vivido, os passos, o movimento das pessoas, os restaurantes à beira esvaziando-se. As horas de uma noite suprema eram as responsáveis pelo esvaziamento da grande passarela. O vento médio açoitava tudo o que estava à sua mercê.

O dia nasce brilhante, ensolarado, convidativo. Os passarinhos fazem a festa, voam sobre os telhados dos prédios e perseguem-se desaparecendo entre outros.  No centro comercial, o Belo Centro, as pessoas começam a circular. A vida parece encontrar-se num universo onde todos têm um objetivo em suas mentes. Funcionários com suas respectivas fardas, ligeiros, dirigem-se para o local de trabalho – mais um dia de dura rotina.

Fred desce do hotel onde ora reside, localizado praticamente no coração do comercio, no Belo Centro e, após olhar em volta e ver-se diante da matéria-prima principal para sua pesquisa, que são as pessoas que ali vão e que durante todo horário comercial completam e fazem parte da onda humana, num banzeiro ininterrupto, dá um breve sorriso e sai caminhando despretensiosamente misturando-se aos demais passantes. Logo, Fred vê-se confrontando-se com pessoas que nunca viu e não sabe se ainda as verá, mas que se cruzam sem prestar atenção uns aos outros e seguem em direção diversas. Cada um no seu mundo, com suas preocupações e objetivos. São muitos rostos; bonitos e simpáticos. Gente de todas as cores; brancas, pardas, negras, amarelas, gordas, magras, esquisitas, de todo o tipo. Vendedores de mingaus, salgadinhos, pupunhas e frutas de vários tipos e que são consumidas pelas pessoas da maresia que vai-e-vem. É comum vermos pessoas ou grupos reunidos, cantando ou tocando flautas no sentido de angariar fundos para seu sustento – são andarilhos do mundo, que percorrem cidades e vivem de suas produções individuais. Uns sentados nos bancos, observam com o olhar sem rumo e sem objetivos, aguardam algo que não se tem idéia do que. Os quiosques intercalados plantados no Belo Centro, ficam cercados de pessoas lanchando. Mas apesar de haver lixeiras espalhadas em pontos estratégicos da rua, os transeuntes não se importam em jogar o lixo no local apropriado, mas sim, no chão – o que vai emporcalhando e causando o acúmulo de lixo de toda espécie – parece que não há o mínimo de critério, consciência, sociabilidade e tampouco educação por parte das pessoas que cometem essa ação. Esse fato, também não passa despercebido pelo nosso observador.

Um fato impressionante que não podemos deixa de comentar, é o uso do aparelhinho que veio para facilitar ou complicar a vida de muita gente, principalmente se utilizado em momentos inadequados – o celular. O que se vê nas idas e vindas das pessoas, mas na maioria entre as mulheres, é o uso constante durante o que podemos chamar de passeio pelo centro comercial. As mocinhas não desgrudam de seus celulares. Mesmo andando, o aparelhinho está em pleno vapor à sua frente, como se fosse um retrovisor, e os dedinhos não param de teclar. Algumas chegam a tropeçar ou mesmo meter o pé em buracos, fora os encontrões que em certas ocasiões tornam-se inevitáveis – mas mesmo assim o hábito febril da comunicação resiste a todos os obstáculos. Nas lojas, na maioria, é normal ver funcionários teclando suas maquinetas em pleno expediente sem nenhuma restrição. Até mesmo em locais em que o cliente merece toda a atenção, a atendente não se retrai, e o aparelho encontra-se entre os ombros e o ouvido, o que acaba causando interferência no serviço e aborrecimento a quem está sendo atendido.

Contudo, o relato acima não condiz e nem reflete exatamente o teor da pesquisa de Fred, podemos dizer que foi apenas uma observação sem nenhuma importância, mas que de qualquer forma, não deve ser descartada, merece reflexão.

Tudo o que foi colocado e narrado como forma de expressar em palavras o dia-a-dia daqueles que usualmente ou por necessidade dirigem-se para o centro comercial ou simplesmente caminhar ou sentar nos bancos da orla e apreciar a vida em movimento; teve como objetivo não apenas retratar o comportamento das pessoas quando em circulação por ali, mas de um modo geral mostrar o quanto nós seres humanos, por fazermos parte desse universo, somos sujeitos a essa trajetória automática. Já nascemos com esse chip implantado naturalmente, além de nossa personalidade. Ele é o responsável por cada passo que damos dentro dessa cadeia de integração social.

Artigo de Carlos Henrique N. Maria (Turismólogo e Escritor).

 

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