A liberação de mercadorias importadas em procedimento especial de fiscalização peca

A retenção de mercadorias em razão de instauração de procedimento especial de controle aduaneiro (PECA)  causa diversos prejuízos aos importadores brasileiros, em evidente atentado contra o comércio internacional e contra a Carta Magna no que se refere aos direitos individuais, que determina que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.

A Receita Federal, em conformidade com a IN 1169/2011, artigo 5o, retém mercadorias durante o procedimento de despacho aduaneiro sob a justificativa de suspeitas de ocorrência de fraude que ensejariam a aplicação da pena de perdimento, instaurando procedimento especial de controle aduaneiro, que pode ultrapassar 6 meses de duração.

Atentamos, em primeiro lugar, para a desproporcionalidade na medida aplicada, tendo em vista que muitas vezes estão baseadas apenas em meros e frágeis indícios, suspeitas ou presunções. Em segundo lugar, atentamos para o fato de que por diversas vezes não estão explícitas as reais razões que levaram à retenção, carecendo o ato administrativo de motivação.

A retenção de mercadorias acarreta diversos prejuízos de ordem financeira ao importador, que se vê obrigado a despender exorbitantes valores com armazenagem, demurrage, entre vários outros.

Assim, quando da edição da Instrução Normativa RFB n.o 1678/2016 que dispõe acerca do combate à interposição fraudulenta de pessoas e sobre procedimentos a serem adotados quando da suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento, foi acrescentado o artigo 5o-A na IN 1169/2011, que assim prescreve: “(…) Caso as irregularidades que motivaram a retenção de que trata o art. 5o sejam exclusivamente as elencadas nos incisos IV e V do caput do art. 2o, a mercadoria poderá ser desembaraçada ou entregue antes do término do procedimento especial de controle mediante a prestação de garantia(…)”.

Depreende-se, portanto, que é possível que a mercadoria retida seja entregue ao importador antes da conclusão do procedimento especial de controle aduaneiro, “minimizando” o prejuízo do importador, desde que, mediante a prestação de garantia e que as suspeitas indicadas pela Receita Federal sejam aquelas elencadas nos incisos IV e V do artigo 2o da IN 1169/2011, quanto à ocultação de sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive interposição fraudulenta de terceiros e existência de fato do estabelecimento importador, exportador ou de qualquer pessoa envolvida na transação comercial.

Com efeito, não é raro nos depararmos com casos em que a Receita Federal não procede a liberação das mercadorias mediante a prestação de garantia até o final do procedimento, configurando ilegalidade do ato passível de reforma através da atividade jurisdicional.

Entretanto, fato que causa preocupação aos operadores do direito aduaneiro se refere à retenção de mercadorias sob fundamentos que não ensejam a aplicação da pena de perdimento, e sim multa, como é o caso do subfaturamento.

O subfaturamento consiste na diferença entre o preço declarado pelo importador e o efetivamente praticado na importação, com o objetivo de diminuir a base de cálculo dos tributos devidos. A diferença havida configura falsidade ideológica, uma vez que consiste na declaração de valores que não condizem com a realidade. Entretanto, não configura falsidade material, razão pela qual é aplicada a pena de multa e não a de perdimento das mercadorias.

A pena de perdimento deve ser aplicada nos casos de subfaturamento procedido mediante falsidade material devidamente comprovado e não limitado a meras suspeitas ou indícios.

Nesse sentido, tem-se que o subfaturamento, por si só, apenas enseja o lançamento da diferença dos tributos e aplicação de multa, não o perdimento da mercadoria.

Ainda, de acordo com o inciso I do artigo 633 do Regulamento Aduaneiro, se a suspeita só envolve preço ou valoração do produto importado, estará o importador sujeito à aplicação de multa em 100% da diferença constatada.

Seguindo esta linha de raciocínio, depreende-se que o procedimento previsto pela Instrução Normativa n.º 1169/2011 não abarca o caso de subfaturamento por suspeitas quanto ao preço ou valoração, porém, inobstante tudo o quanto acima exposto, a Receita Federal tem procedido a retenção dessas mercadorias em evidente afronta à princípios constitucionais e normas legais.

A jurisprudência pátria, inclusive, compartilha o entendimento aqui explanado, assim dispondo:

TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. SUSPEITA DE SUBFATURAMENTO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE CONTROLE ADUANEIRO. NÃO CONCLUSÃO. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA MEDIANTE PRESTAÇÃO DE GARANTIA. 1. O subfaturamento, como infração administrativa isolada, e pelo critério da especialidade, sujeita o importador à pena de multa prevista no art. 633 , I , do Decreto nº 4.543 /02, mostrando-se desproporcional a aplicação da pena de perdimento da mercadoria importada. Logo, revela-se inadmissível tomar a apreensão da mercadoria como medida acautelatória dos interesses da Fazenda Nacional nesse sentido. 2. Caso no qual, ademais, há mera suspeita de subfaturamento, sendo que o procedimento especial de fiscalização aduaneira não foi finalizado – mostrando-se inadequado penalizar judicialmente o contribuinte por motivo de conduta ainda não suficientemente apurada pela fiscalização. 3. Reconhecido o direito à liberação das mercadorias mediante prestação de garantia, nos termos do pedido. (TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50074524320144047208 SC 5007452-43.2014.404.7208, data de publicação: 24/02/2016).

Vejamos ainda recentes julgados do TRF-3 quanto a impossibilidade de retenção e aplicação do PECA em casos de Subfaturamento:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SUSPEITA DE SUBFATURMAENTO DE PREÇOS. CASO DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 108, DO DECRETO-LEI 37/66. RETENÇÃO DE MERCADORIAS. DESCABIMENTO.

1. No caso concreto, a impetrante importou 160 canetas e diversos acessórios, conforme Declaração de Importação 15/1299365-6, encaminhada para a Seção de Procedimentos Especiais Aduaneiros da Alfândega, para avaliação da pertinência de aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, nos termos do art. 23 da IN SRF 680/2006.

2. Diante da suspeita da ocorrência de subfaturamento, procedeu-se, ainda, a retenção das mercadorias, objeto de análise do presente feito.

3. A autoridade alfandegária verificou, por meio de pesquisas realizadas na internet e em sistemas da RFB, a declaração de valores extremamente baixos das mercadorias, quando comparados com os preços de revenda no mercado interno.

4. A eventual comprovação de que os preços apresentados na Declaração de Importação não refletem a realidade, não configura situação que dê ensejo, após o devido processo administrativo, à aplicação da pena de perdimento.

5. Com efeito, nos casos de declaração inexata em seu valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada, mostra-se cabível tão somente a aplicação da multa prevista no art. 108, do Decreto-Lei 37/66.

6. De outra banda, a pena de perdimento, conforme prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei 37/66, incide nos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, o que não se discute na espécie, não tendo sido apontados nestes autos, quaisquer provas, sequer indícios ou argumentos que indicam a efetiva ocorrência de tais irregularidades. Precedentes jurisprudenciais.

7. Reconhecida, destarte, a procedência do pedido, para determinar o regular prosseguimento do desembaraço aduaneiro das mercadorias, com sua consequente liberação, desde que não haja outro óbice para a retenção, além da questão objeto do presente feito.

8. Rejeitado o pedido de condicionamento da liberação das mercadorias à prestação de garantia, formulado em contrarrazões, não se aplicando à espécie, o art. 775 do Decreto 6.759/2009, na forma do art. 165 do Decreto-Lei 37/66, por não se tratar de retenção de bens em processo administrativo fiscal instaurado.

9. Apelação provida.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA,  AMS – APELAÇÃO CÍVEL – 364797 – 0009465-62.2015.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 16/02/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2017 ).

E mais, é vedado inclusive o inicio do PECA e retenção de mercadorias, sendo de rigor a imediata liberação das mercadorias e continuidade da fiscalização após a devida liberação, senão vejamos:

DIREITO ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. FRAUDE. SUBFATURAMENTO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO. ILEGALIDADE. FALSIDADE IDEOLÓGICA (VALOR, QUANTIDADE OU NATUREZA DA MERCADORIA). MULTA. ARTIGOS 105 E 108 DO DECRETO 37/1966. INCIDÊNCIA. SUCUMBÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO INEXISTENTE.

1. São manifestamente improcedentes os presentes embargos de declaração, pois não se verifica qualquer omissão no julgamento impugnado, mas mera contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma, que, à luz da legislação aplicável e com respaldo na jurisprudência, consignou expressamente que “a hipótese de ilícito sustentada pela autoridade alfandegária se subsume, a princípio, ao tipo geral de fraude, na forma em que definido pela Lei 4.502/1964”, e que “o dolo é elemento subjetivo do tipo infracional. Significa dizer que, na hipótese de mero erro material que importe recolhimento a menor de tributo, não se está diante de fraude, mas de mera declaração inexata ou indevida de mercadoria (apenada nos termos do artigo 108, caput, do Decreto-Lei 37/1966, pela incorreção da informação prestada à Administração, sem prejuízo da incidência do artigo 44, I, da Lei 9.430/1996, se ocorrido lançamento de ofício). Contudo, diferentemente do que concluiu a autoridade alfandegária, disto não deriva a conclusão de que materializadas as hipóteses de dano ao erário (artigo 23, § 1º, do Decreto-lei 1.455/76), previstas no artigo 105, inciso VI, do Decreto-lei 37/1966, cabível a aplicação da pena de perdimento”.

2. Asseverou o acórdão que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça adota interpretação legal no sentido de “afastar a aplicação do perdimento, sem prejuízo da incidência da multa”, e que “O exame acurado da legislação ratifica a conclusão jurisprudencial. Neste sentido, observem-se os termos do artigo 88 da Medida Provisória 2158-35/2001”.

3. Concluiu-se que “a análise do acervo probatório não se observa qualquer apuração de falsidade material das DI’s ou das faturas comerciais que a instruíram. Desta forma, o caso é de imputação de fraude por meio de declaração ideologicamente falsa, sujeita à aplicação de multa, e não de perdimento – a teor do raciocínio desenvolvido acima -, bem como multa por lançamento de ofício, se cabível, admitindo a liberação da mercadoria mediante prestação de caução, após submissão aos procedimentos especiais de controle aduaneiro para valoração aduaneira, nos termos dos artigos 76 a 83 do Decreto 4.543/2002, vigente à época dos fatos, e segundo o Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), Decreto 1.355/1994”.

4. Não houve qualquer omissão no julgamento impugnado, revelando, na realidade, a articulação de verdadeira imputação de erro no julgamento, e contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma, o que, por certo e evidente, não é compatível com a via dos embargos de declaração. Assim, se o acórdão violou os artigos 94, §§1º e 2º, 96, I, II, III, IV, 105, VI, XI, XII do Decreto-lei 37/66; 23, IV, parágrafo único, do Decreto-lei 1.455/76; 72 da Lei 4.502/64; 618,VI, 704, 705, parágrafo único, 706 do Decreto 4.543/02; 65, parágrafo único do IN/SRF 206/2002, como mencionado, caso seria de discutir a matéria em via própria e não em embargos declaratórios.

5. Para corrigir suposto error in judicando, o remédio cabível não é, por evidente, o dos embargos de declaração, cuja impropriedade é manifesta, de forma que a sua utilização para mero reexame do feito, motivado por inconformismo com a interpretação e solução adotadas, revela-se imprópria à configuração de vício sanável na via eleita.

6. Embargos de declaração rejeitados.

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA,  AC – APELAÇÃO CÍVEL – 2143375 – 0009254-13.2011.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 21/07/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/07/2016 )

Assim, o importador deve buscar a devida tutela jurisdicional visando a anulação do procedimento com a consequente liberação das mercadorias retidas, tendo em vista não ser possível dar inicio ao procedimento de fiscalização previsto pela IN 1169/2011 para apurar eventual suspeita de subfaturamento, uma vez que, mesmo que comprovado, não enseja a aplicação da pena de perdimento.

 Augusto Fauvel de Moraes é advogado, sócio do escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados. Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP.

Heloisa Santoro de Castro é advogada, integrante da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP.

FFonte: Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *