A arte vai aonde o povo está

Zona de Guerra

Quinhentos quilos de equipamentos, cenário adaptado para o transporte e uma vontade enorme de levar o teatro as regiões mais distantes do Brasil. Esses são os componentes que motivaram a premiada Cia Triptal de teatro a desenvolver o projeto “Homens ao mar” que, com o apoio de empresas privadas, está levando cultura da mais alta qualidade para a população amazônica.

A companhia elegeu sete cidades do Norte do país para desenvolver o projeto. O critério de escolha foi o pouco acesso ao teatro e, ainda, a relação de suas populações com os rios – uma forma de gerar identificação do público com a montagem produzida pela companhia, o espetáculo “Zona de Guerra”.

O ciclo de viagens pelo Norte está na reta final. Nos próximos dias 22 e 23 a montagem chegará ao cine Teatro de Porto Trombetas e nos dias 26 e 27 no auditório Felisberto Jaguar Sussuarana, em Santarém, no oeste paraense. O circuito termina no dia 2 de novembro, em Belém, com a apresentação também gratuita da montagem no teatro Cláudio Barradas, às 20h.

O espetáculo é uma adaptação realista da obra do dramaturgo Eugene O’Neill, expoente do drama moderno americano, a qual expõe a expressão de sentimentos e comportamentos humanos. “O O’Neill, como autor realista, mexe com questões muito nossas, a exemplo do medo, usado como ferramenta de poder. A história conta a viagem de marinheiros mercantes durante a I Guerra Mundial. Eles transportam munição num cargueiro. Lá, existe um personagem, considerado suspeito, por trazer consigo uma caixa misteriosa. Essa desconfiança é suficiente para a tripulação julgar e condenar o homem”, adianta o diretor da Cia Triptal, André Garolli.

A obra, à primeira vista complexa, é garantidamente compreensível mesmo para o público que conhece pouco da I Guerra, garante o diretor. “Há um dramaturgo que diz que o teatro é feito para um e para todos. O teatro do O’Neill também é feito para quem nunca foi ao teatro, porque todos somos capazes de captar emoções e relacionamentos humanos”, afirma.

A receptividade da peça pelos espectadores da Amazônia foi a grande surpresa da Cia Triptal nos últimos 19 dias, desde que o grupo começou a circular pela região. “No sudeste do País, onde existem inúmeras produções e para públicos segmentados, o espectador vai ao teatro já com uma ideia preconcebida do espetáculo, por isso, não se desprende. Do palco vemos ‘seres azuis’. É a luz do celular e pessoas passando mensagem. Elas querem estar em todos os lugares e não entram no universo do teatro. Aqui, encontramos o encantamento. Você vê a platéia se debruçar juntamente com os atores, para ver o que tem na caixa do marinheiro. Aí, você já sabe que o público está dentro da peça”, comemora.

A montagem já foi apresentada numa aldeia indígena, na Serra do Mar, e no circuito atual, que tem patrocínio da Petrobras, já encantou públicos em Boa Vista e Caracaraí (RR); e Manaus e Itacoatiara (AM). Nesta última cidade, o público não tinha acesso ao teatro havia 30 anos.

Após o espetáculo, a platéia ainda tem a oportunidade de comentar a peça. “Nós abrimos para discussão e invertemos a lógica; viramos espectadores e expectadores, assim, com as duas grafias, porque assistimos o público e esperamos algo. Esse retorno nos possibilita a fazer releituras do nosso espetáculo. Já tivemos muitas surpresas com o que ouvimos deles. Um espectador de Roraima pontuou várias situações em que aparecia a semente do preconceito, coisa que eu nunca havia observado”, conta Garolli.

A peça, sucesso de crítica especializada, já recebeu o prêmio APCA de melhor espetáculo em 2006.

A Cia Triptal foi fundada em 1990 e desde 2004 trabalha com textos de O’Neill. O grupo traz na bagagem mais de 200 apresentações pelo país, viagens pelo exterior e ainda a conquista do prêmio Shell de melhor preparação de atores.

Interação – Em sua passagem pelas cidades, o grupo paulista também vem promovendo oficinas gratuitas de teatro. Objetivo é trocar experiências com profissionais não só das artes cênicas, mas de áreas diversas, conhecendo ainda o universo das produções amazônicas. Nos dias 18 e 19, em Oriximiná, a Cia Triptal se reuniu com 30 atores do município na sede da Secretaria de Cultura. A iniciativa teve patrocínio da Mineração Rio do Norte.

Fonte: Érica Bernardo/MRN

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