De Nova Déli à Angola

O saudoso Juvêncio Arruda nos legou, entre as várias pérolas metafóricas, o rebatismo de Belém: seu humor cáustico fustigava diariamente o arteiro Duciomar Costa chamando Belém como a cidade que ele transformou em Nova Déli, retratando o efeito do agente; neste Espaço Aberto, Paulo Bemerguy define o responsável pela causa: chama-o de huno, pela devastação à coisa pública.

A OAB requisitou – sua condição de autarquia federal especial com poderes oriundos da Constituição conferem-lhe esse poder – à SEMA informações sobre o uso da água (recursos hídricos) no mineroduto de 244 km de extensão que vai de Paragominas a Barcarena. Na condição de presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB encaminhei o ofício, para poder trabalhar com dados precisos, mas já sabia a resposta para uma das indagações: as mineradoras, multinacionais que lucram centenas de bilhões de dólares com a exploração dos minérios no Pará, nada pagam pelo uso da água, somando-se à gratuidade tributária total e à inexpressiva quantidade de postos de trabalho que oferecem se comparado se produzissem aqui componentes e manufaturas. O resultado é que somos exauridos e sem quaisquer perspectivas de algum dia fazer parte da festa com motivos para comemorar os resultados do Anuário Mineral.

Quando descobrimos que os responsáveis por cobrar cerca de 5 bilhões ao ano dos grandes grupos econômicos pelo uso dos bens públicos em favor da sociedade não o fazem, e ainda mais sequer se constrangem em aparecer em público festejando o enriquecimento deles em contraste com a galopante miserabilização da grande maioria do povo que vive por onde passam as riquezas, temos todos os motivos para nos sentirmos numa reles república africana, com os típicos deslumbrados aqui e ali.

Já há muito, pela atuação dos diversos governos, deveríamos ter resultados sociais dos direitos ora exigidos pela OAB: que as autoridades estaduais cobrem e arrecadem das mineradoras pelo uso dos recursos hídricos – dos corpos subterrâneos e dos mananciais superficiais – e invistam como possam para reduzir as grandes carências das regiões onde estão as bacias hidrográficas exploradas, algumas delas mazelas das instalações dos empreendimentos minerais.

A extensão do prejuízo do Estado pode ser maior do que possa pensar e atinge outras pessoas públicas: os municípios cortados pelos projetos minerais e em cujos territórios são extraídas as águas tem direitos vários; entre eles há direitos a royalties pelo uso da água, assim como tem e recebem da Eletronorte aqueles do entorno do lago da UH de Tucuruí. Assim, o Estado, por não estar recolhendo e repassando a parte dos municípios pode ser demandado em juízo por sua incúria em fazer o que lhe cabia. Quantos bilhões?

Quais as perspectivas que temos de receber alguma compensação das mineradoras? Ainda que seja dedicado à advocacia publicista, mas sem ser tributarista, uma coisa me é clara e simples: a total impossibilidade de a produção ou a renda serem tributadas por meio de taxa. Esta é tributo próprio pela contraprestação funcional da Administração a serviço específico; nunca fonte de receita para sustentação do Estado. A Constituição Federal reservou aos impostos por ela definidos como os meios de gerar receitas incidindo naqueles produtos econômicos, produção e renda. Como uma taxa poderia assumir a feição e a função de imposto, mormente quando outra figura contributivo-compensatória de esfera própria já recai sobre a mesma hipótese de incidência? Torço em estar errado e alvitro por um bom resultado ao Pará.

Face à força do setor primário que aqui prevalece, toda a estruturação do Estado do Pará para obter novas receitas das atividades produtivas em seu território, regulando-as e transformando-as de poluidoras a sustentáveis, deve ter em mira as figuras do poluidor pagador e do usuário pagador, previstas na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal nº6839/81), sendo que quanto aos recursos hídricos precisa haver mera organização administrativa para tornar efetiva a cobrança pelo seu uso.

Temos muitos direitos. Faltam vontade política e competência de quem esperávamos ter. Caso permaneçam omissos ou colaboracionistas, semelhantes ao atual prefeito de Belém – hipótese que não acredito ocorrer de agora em diante – teremos que fustigar os impatrióticos. Chamaremos o Pará de Angola ou vamos apelidar os figurões do Estado?

Por: Ismael de Moraes – Advogado

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