Morre presidente da Venezuela, Hugo Chaves

Chávez voltou a trabalhar em 1º de agosto, com cabelo raspado por causa do tratamento de quimioterapia
Chávez voltou a trabalhar em 1º de agosto, com cabelo raspado por causa do tratamento de quimioterapia

O presidente Hugo Chávez morreu na terça-feira, em Caracas, aos 58 anos, vítima de complicações de um câncer na região pélvica. O anúncio foi feito pelo vice-presidente Nicolás Maduro, em pronunciamento na TV venezuelana. “É um momento de profunda dor”, disse.

O venezuelano ocupava o cargo desde 1999 e era o líder democrático mais longevo da história recente da América Latina, tendo sido reeleito para o quarto mandato consecutivo no último mês de outubro. O período terminaria em 2019.

Conforme anúncio do vice e herdeiro político de Chávez, Nicolás Maduro, o presidente morreu às 16h25 desta terça. Ele estava internado no Hospital Militar de Caracas, na frente do qual centenas de pessoas se reuniam para fazer vigília, desde a manhã.

Logo após o anúncio, líderes venezuelanos também começaram a se dirigir ao hospital, e a bandeira do prédio foi colocada a meio mastro.

O vice emendou a confirmação no anúncio de que mobilizava as Forças Armadas do país “para garantir a paz”. Na sequência, os chefes das Forças Armadas da Venezuela apareceram ao vivo na TV estatal para prometer sua lealdade ao vice-presidente Nicolás Maduro após a morte do presidente.

Mais cedo, Maduro deu uma entrevista à mídia na qual acusou “inimigos históricos” do país, em uma insinuação de que seriam EUA e a oposição direitista, de planejar sabotar a democracia venezuelana.

Com a morte do líder venezuelano e o fato de ele não ter tomado posse, de acordo com a Constituição, o presidente da Assembleia Nacional, o chavista Diosdado Cabello deve assumir a presidência e convocar novas eleições em 30 dias.

Entretanto, uma vez que o TSJ avaliou que, ainda que sem posse, já há um novo mandato em vigor, poderia haver uma manobra política para que Maduro assuma e convoque novas eleições.

Chávez beija um crucifixo durante pronunciamento em que anunciou nova cirurgia contra câncer
Chávez beija um crucifixo durante pronunciamento em que anunciou nova cirurgia contra câncer

HISTÓRICO

Em 2009, o presidente promoveu um referendo sobre o fim da limitação ao número de mandatos políticos, e chegou a falar sobre se manter no governo até 2021, ou mesmo 2030. Em 2012, ele foi eleito pela terceira vez para um mandato com duração de seis anos, regra criada pela nova Constituição, aprovada em 1999, um ano após a chegada ao poder. Na última votação, o venezuelano teve 55% dos votos, com comparecimento de 81% do eleitorado. Ele venceu em 22 dos 24 Estados.

Sob Chávez, a Venezuela teve uma redução da pobreza de 49,4% para 27,8%. A redução da desigualdade foi maior que a dos anos Lula no Brasil. Mas o mandatário também sofreu críticas por má gestão e pela violência.

Um dos maiores trunfos de Chávez na última eleição era o programa “Gran Misión Vivienda”, uma espécie de versão custo zero (sem financiamentos) do programa brasileiro Minha Casa, Minha Vida que conta com, segundo números do governo da Venezuela, 272 mil beneficiários.

O programa gerou imensa esperança –mais de um terço do eleitorado diz estar na fila para receber a casa.

Chávez concorreu contra Henrique Capriles, 40, o ex-governador do populoso Estado de Miranda que representava uma mudança geracional no antichavismo e comandava as maiores reuniões populares opositoras desde 2004 com discurso centrista e de críticas à gestão do governo.

VIDA

Chávez era o segundo de oito irmãos e sonhou ser jogador profissional de beisebol antes de tornar-se cadete nas Forças Armadas. Em 1992, liderou colegas numa tentativa fracassada de golpe militar. Passou dois anos preso, antes de ser perdoado e libertado.

Segundo filho de professores de ensino básico, Chávez, se nascesse menina ganharia o nome de Eva, para complementar o nome de seu irmão, Adán. Em lugar disso, recebeu o nome de seu pai. Com a chegada de mais filhos (seis, todos meninos), os dois mais velhos foram morar com a avó, Rosa, uma mulher gentil e trabalhadora que os mimava muito.

Por volta dos anos 60, a Venezuela, antes um canto sonolento da América do Sul, governada por sucessivos ditadores, havia se tornado uma democracia incipiente, com crescentes receitas petroleiras e fome de modernidade.

Uma nova elite e classe média cresciam entre os arranha-céus em construção, mas a maioria dos migrantes rurais terminava vivendo em barracos construídos nos morros em torno das grandes cidades.

Ele tornou-se cadete nas Forças Armadas na expectativa de saltar da academia militar para os clubes profissionais de beisebol de Caracas. Mas, em lugar disso, se apaixonou pela vida militar.

Enquanto Chávez subia na hierarquia, estudava os escritos de Simón Bolívar, o libertador que expulsou os espanhóis da Venezuela no século 19, e os de filósofos como Nietzsche e Plekhanov.

Também começou a prestar atenção à extrema pobreza e desigualdade no país, em meio ao “boom” petroleiro. Inspirado pelos líderes militares revolucionários do Panamá e Peru e por intelectuais de esquerda venezuelanos, Chávez começou a desenvolver a ideia da revolta.

Ao longo de uma década, ele organizou os colegas militares em uma conspiração para substituir o que viam como falsa e venal democracia por uma democracia progressista e real. O golpe de fevereiro de 1992 foi um fiasco militar, permitindo que o impopular governo sobrevivesse, mas Chávez transformou seu discurso de rendição, televisado em rede nacional, em triunfo político.

Eloquente e elegante em sua boina vermelha, ele se apresentou a um país atônito –“ouçam ao comandante Chávez”– e declarou que seus objetivos não haviam sido realizados “por ahora”. A piada que se ouvia então dizia que ele merecia 30 anos de prisão –um pelo golpe, 29 pelo insucesso.

Perdoado e libertado depois de dois anos, foi adotado como líder nominal por uma coalizão de movimentos de base e partidos de esquerda que conquistou a vitória na eleição de 1998, com apoio não apenas dos pobres mas de classe média saturada dos partidos políticos tradicionais. Com o petróleo cotado a apenas US$ 8 por barril, o Estado petroleiro estava quase falido.

Pouca gente fora da Venezuela, até então conhecida apenas por misses e pelo petróleo, sabia como avaliar a chegada ao poder de um líder temperamental que elogiava Fidel Castro mas dizia não ser nem de direita nem de esquerda, mas sim adepto de uma “terceira via” à moda do britânico Tony Blair.

Em poucos anos, Chávez se tornou uma das figuras mais reconhecíveis, e polarizadoras, do planeta.

Chávez segura espada de Simón Bolívar antes de ir a Cuba para ser submetido a uma nova cirurgia
Chávez segura espada de Simón Bolívar antes de ir a Cuba para ser submetido a uma nova cirurgia

NOVA ORDEM

Conquistou a vitória na eleição de 1998, com apoio não apenas dos pobres mas de classe média saturada dos partidos políticos tradicionais. Era o insurgente, o excluído, um político jovem e atlético que prometia derrubar a ordem estabelecida e “refundar” a Venezuela.

Com o tempo, a retórica –ele definiu ricos como “vampiros” que saqueavam a riqueza petroleira do país– o fez querido dos pobres, mas alienou a classe média e a elite tradicional.

Em abril de 2002, as elites o derrubaram brevemente em um golpe de Estado apoiado pelo governo de George W. Bush (2001-2009). Chávez sobreviveu e se radicalizou, declarando-se socialista e estatizando grandes porções da economia. Com a disparada nos preços do petróleo, custeou a abertura de clínicas de saúde equipadas com pessoal cubano e outros programas sociais, aliviando a pobreza.

Chávez criou um império de mídia estatal que promoveu um culto de personalidade e reforçou o controle do Executivo sobre as Forças Armadas, o Judiciário e o Legislativo.

Ele chamou Bush de “jumento”, “Mr. Danger” e “uma besta”, e, em memorável discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), o definiu como “o diabo”. Entre os seus simpatizantes estão Ken Livingstone, Sean Penn, Danny Glover e Noam Chomsky.

Centralizador, Chávez deixa país polarizado

Amado e odiado em igual medida, carismático e autoritário, Hugo Rafael Chávez Frías governou a Venezuela pelo voto por 14 anos.

Entre os 45 presidentes da história republicana do país, só foi superado pelo ditador Juan Vicente Goméz, que ficou 27 anos no poder no início do século 20.

Tenente-coronel reformado que ascendeu depois de comandar uma tentativa de golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992, Chávez personificou a reação mais aguda na América Latina à década perdida (1980) e às receitas liberais para a recuperação econômica, nos 1990.

Seu governo forjou dois neologismos: chavismo, com forte intervenção do Estado na economia e sistema político plebiscitário –com pouco apreço por normas de equilíbrio democrático–; e bolivarianismo, fruto da apropriação da herança do libertador da América espanhola Simón Bolívar (1783-1830), significando nacionalismo, regionalismo e anti-imperialismo.

Jacobino, Chávez conduziu sua Revolução Bolivariana como se encarnasse a vontade geral. Centralizador, alijou do governo, por vezes em processos judiciais duvidosos, todos os que ameaçavam lhe fazer sombra, como seu ex-ministro da Defesa e antigo aliado Raúl Baduel.

Lega uma Venezuela menos desigual, de economia mais estatizada e tão dependente do petróleo como a que encontrou ao assumir, em 1999.

Deixa também um país polarizado, no qual seus opositores e apoiadores –estes raras vezes menos do que 50% da população de 29 milhões, 6 milhões dos quais nunca viveram sob outro presidente– jamais conseguiram encontrar pontos de consenso.

Na América Latina, Chávez inaugurou uma sucessão de líderes que se propuseram a “refundar” seus países com Assembleias Constituintes: o boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa.

Criou a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), que, apesar de ser uma suposta competição por liderança regional com o Brasil, o Planalto sempre viu como algo de fôlego curto.

A despeito de desavenças com Chávez –a mais notória quando ele supostamente incentivou Morales a ocupar a refinaria da Petrobras na Bolívia–, o Brasil foi beneficiado pela intensificação da relação bilateral, que aumentou seu superavit comercial e a penetração de empresas nacionais na Venezuela.

A relação de Chávez com os EUA se tornou mais conflituosa depois que a Casa Branca apoiou a tentativa de golpe contra ele, em 2002. Para os EUA, pesou muito a condenação quase isolada de Chávez à invasão do Afeganistão, depois do 11 de Setembro, e a sobrevida que ele proporcionou ao regime dos Castro em Cuba.

“ALÔ, PRESIDENTE”

A história dos últimos 14 anos mostra que a popularidade de Chávez não flutuou exatamente com os indicadores econômicos –para a parte mais pobre da população, a identificação com o mestiço que ascendeu fora das elites tradicionais prescindiu de ganhos concretos.

Com esse núcleo de partidários fiéis, ele estabeleceu ligação sem intermediários, por meio de cadeias nacionais de rádio e TV e do programa “Alô, Presidente”, que podia durar todo o domingo.

Nessas ocasiões, contava piadas, anunciava planos, inaugurava obras, mandava recados para os amigos, atacava os inimigos, demitia e nomeava ministros.

Seu governo foi favorecido pelo aumento do preço do petróleo, do qual a Venezuela tem a maior reserva mundial, segundo a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O barril, que estava em US$ 12 quando ele foi eleito, em 1998, chegou ao ápice de US$ 140. Ontem, ele fechou em quase US$ 91.

Chávez aumentou de início os royalties cobrados de empresas estrangeiras, que depois seriam obrigadas a se associar como minoritárias à PDVSA. Também houve aumento de 315% no valor em dólar das exportações petrolíferas venezuelanas entre 1999 e 2011. Os EUA continuam sendo o maior comprador.

Mesmo assim, o crescimento econômico foi irregular sob Chávez. Houve queda do PIB nos anos iniciais, devido a conflitos com a direção da PDVSA, recuperação a partir de 2004 e nova queda em 2008.

Com aumento de gastos sociais –que passaram de 9,45% para 13,44% do PIB, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina)–, Chávez recompensou seu eleitorado. O índice de Gini, que mede a desigualdade, é o menor na região.

Chávez nasceu em 1954, em Sabaneta, no Estado de Barinas –o segundo de seis filhos de um casal de professores primários. Para aliviar as finanças parcas da família, ele foi criado pela avó, Rosa Inés, na capital regional.

Contava ter sido influenciado por um historiador local, José Estebán Ruiz Guevara, que o teria introduzido a Bolívar e a Karl Marx.

“POR ENQUANTO”

Em 1992, Chávez liderou uma tentativa de golpe. Concordou em se render com a condição de falar aos golpistas em cadeia nacional de TV.

Seu discurso o catapultou à política. “Por enquanto”, disse, em expressão que ficou famosa, seu objetivo de tomar o poder não dera certo. Anistiado em 1994, seria eleito em 1998, com 56% dos votos.

É frequente a confusão entre gestos autoritários de Chávez e a Constituição Bolivariana, aprovada em referendo em 1999. Analistas a consideram a Carta mais democrática do país, que descentralizou a administração e criou a possibilidade de convocar referendos revogatórios de mandatos.

Em 2001, com a aprovação da Lei Habilitante, Chávez baixou 49 decretos de reformas econômicas. A Lei de Terras permitia a desapropriação e a redistribuição de terras. Empresários, com apoio da classe média, denunciaram a “cubanização” do país.

No total, 12 eleições nacionais ou regionais foram realizadas sob Chávez. Ele ou seus apoiadores venceram dez.

O mandato iniciado em 2007 marcou uma radicalização das políticas. Ao ser empossado pela terceira vez, prometeu “socialismo ou morte”.

Nacionalizou empresas de comunicação e eletricidade e não renovou a licença de um dos principais canais privados de TV, a RCTV. Em 2009, conseguiu, em referendo, aprovar a reeleição ilimitada.

Acostumado a avançar e recuar quando julgava que sua sobrevivência estava em risco, Chávez vinha enfrentando surtos de baixa popularidade desde 2008, quando o crescimento econômico começou a ratear e apagões puseram em evidência a má gestão. A violência urbana também afetou o humor popular.

As últimas pesquisas Datanálisis, no entanto, mostravam uma aprovação superior a 60% em 2012, e ele conseguiu se reeleger em outubro com mais de 54% dos votos.

As relações com a vizinha Colômbia e com os EUA exemplificam a capacidade de Chávez de se reinventar. Refez os laços com o sucessor de Álvaro Uribe, Juan Manuel Santos, e tentou a seu modo uma reaproximação com Obama, sob a insistência de Lula.

Deixar ataques sem resposta não fazia parte de seu dicionário político. Certa vez, respondeu ao bispo Roberto Lücker, que o criticara: “Ele não irá ao céu, vai para o inferno. É um oligarca, que atropela o chefe de Estado. Que Deus o perdoe, ele não sabe o que faz”.

Claudia Antunes é editora da revista “piauí” e foi editora de “Mundo” da Folha

 

Chávez vai ter velório público; enterro será na sexta-feira

O chanceler da Venezuela, Elías Jaua, disse, em pronunciamento transmitido pela TV, que as homenagens póstumas ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, começam nesta quarta-feira (6).

O corpo de Chávez será levado na quarta-feira à Academia Militar e será exposto a seus simpatizantes.

Segundo Jaua, na próxima sexta-feira (8), às 10 horas (11h30 horário de Brasília) está marcada uma cerimônia fúnebre oficial, à qual deverão comparecer autoridades. O local do enterro ainda não foi divulgado.

O chanceler informou ainda que a Venezuela decretou sete dias de luto oficial e que, além da suspensão das atividades do setor público, as atividades escolares em todos os níveis em instituições públicas e privadas ficam suspensas até o final desta semana.

Chávez

ELEIÇÕES

Com a morte do líder venezuelano e o fato de ele não ter tomado posse, de acordo com a Constituição, o presidente da Assembleia Nacional, o chavista Diosdado Cabello deve assumir a presidência e convocar novas eleições em 30 dias.

Entretanto, uma vez que o Tribunal Supremo de Justiça avaliou que, ainda que sem posse, já há um novo mandato em vigor, poderia haver uma manobra política para que Maduro assuma e convoque novas eleições.

Se Chávez tivesse tomado posse, caberia a Maduro, de acordo com a Constituição, assumir a presidência e convocar novas eleições em até 30 dias.

Jaua afirmou que os procedimentos constitucionais de sucessão serão anunciados posteriormente, mas garantiu que as instruções deixadas por Chávez em dezembro serão seguidas ao pé da letra.

Fonte: Folha de São Paulo

 

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