Delimitação de território quilombola no Pará é oficializada após trabalho conjunto do MPF, MPPA e Incra

Gervásio Oliveira, liderança de Ariramba. Quilombolas fazem uso sustentável da floresta.  

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por meio da superintendência da instituição no oeste do Pará, publicou nesta segunda-feira, 3 de abril, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola Ariramba, localizado no município de Óbidos. A área delimitada é de 12,4 mil hectares, onde foram identificadas 27 famílias remanescentes de quilombos.

A publicação só foi possível porque o Incra, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) fizeram um trabalho conjunto para corrigir erro de georreferenciamento que sobrepôs outro território quilombola ao território do Ariramba.

O erro na realização do georreferenciamento havia incluído a área do Ariramba no território quilombola do Erepecuru, e as informações irregulares foram registradas no título concedido ao Erepecuru, limítrofe ao Ariramba.

Para que essa irregularidade não atrasasse ainda mais o processo de regularização do Ariramba — já bastante lento por ter tido áreas afetas às florestas estaduais (Flotas) Trombetas e Faro —, o MPF, Incra e MPPA conseguiram a correção do título do território quilombola do Erepecuru no cartório de registro de imóveis de Oriximiná, tendo sido expedida a certidão de retificação. Com a área retificada, foi possível concluir o RTID publicado esta semana.

A área delimitada, conforme os dados apresentados nas peças técnicas que compõem o processo, propõe a demarcação do território com base nas áreas de moradia; nas terras reservadas à execução das atividades produtivas; e nos espaços de uso comum, deslocamentos, lazer, manifestações religiosas e culturais tradicionais.

Desafetação das Flotas – “Ainda resta pendente a desafetação das flotas para finalização do processo de demarcação do território quilombola do Ariramba”, alerta a procuradora da República Fabiana Schneider.

Esse tema foi abordado em recomendação conjunta do MPF e MPPA publicada no final de março. O documento recomenda ao Estado do Pará que sejam anuladas as autorizações para exploração florestal e atividade rural em áreas que se sobreponham à Flota Trombetas e ao território quilombola Ariramba, incluindo as concedidas à empresa Nobre Serviços e Logística, referente à fazenda Murta I, cuja área se sobrepõe em grande parte às terras quilombolas.

Em junho de 2015, a Associação dos Remanescentes de Quilombo Ariramba (Acorqa) pediu providências ao Ministério Público após a comunidade perceber a abertura de picadas na floresta, plaqueamento de árvores e presença de não quilombolas transitando pelos rios e áreas de caça da comunidade. Foi instaurado inquérito civil, que resultou na recomendação assinada pela titular da Promotoria de Justiça Agrária de Santarém, Ione Missae Nakamura, e pela procuradora da República Fabiana Schneider.

O Ministério Público recomendou ao Estado do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que cancele, de imediato, as autorizações concedidas em fevereiro deste ano em favor da empresa Nobre Serviços, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) registrado em 2015, e qualquer outra autorização ambiental para exploração florestal sobreposta ao território quilombola.

Ao Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do estado do Pará (Ideflor-Bio), MPF e MPPA recomendaram que seja vistoriada a área para avaliar a existência de exploração florestal e possível dano ambiental em área da Flota Trombetas sobreposta ao território Ariramba.

Ao Estado do Pará foi recomendada a adoção de esforços para titulação definitiva do território quilombola Ariramba na área sob a gestão estadual, cujo processo de reconhecimento está concluído pelo Instituto de Terras do Estado do Pará (Iterpa), aguardando a desafetação da área sobreposta à Flota Trombetas e assinatura da titulação pelo governador do Estado.

Danos e agravamento de conflitos – Os documentos fundiários que justificaram as autorizações concedidas para exploração pela Nobre Serviços apresentam inconsistência de informações, conforme demonstrou a apuração do MPPA e MPF, com explorações em áreas externas ao perímetro indicado no título.

Informações do setor de cartografia do Incra indicam sobreposição de grande parte dos imóveis Fazenda Murta I e Fazenda Murta II com o território Ariramba. Tramita na Justiça Federal de Santarém uma ação civil ajuizada pela Defensoria Pública que requer o cancelamento das matrículas imobiliárias das duas fazendas, no cartório de Óbidos, por “flagrantes violações” das normas no registro.

A recomendação ressalta que a identidade das comunidades quilombolas está atrelada à posse dos territórios tradicionalmente ocupados. O MP considera que “a continuidade da exploração econômica que utilize os recursos naturais do território quilombola Ariramba, pautados em documentos fundiários duvidosos, causam prejuízos à posse tradicional dos quilombolas e contribuem para o agravamento dos conflitos agrários e socioambientais na região”.

O que é o RTID? – A produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que tem por finalidade caracterizar o território reivindicado pelos remanescentes de quilombos, é uma das fases mais complexas do processo de regularização dessas áreas – ação sob a responsabilidade do Incra desde 2003, por força do decreto nº 4.887, daquele ano.

É um relatório técnico produzido por uma equipe multidisciplinar do Incra. Sua finalidade é identificar e delimitar o território reivindicado pelos remanescentes de quilombos.

O documento aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e perante a instituições públicas e privadas.

O RTID deve ser publicado por duas vezes nos Diários Oficiais da União e do Estado.

Próxima etapa – Concluído e publicado o RTID, o Incra notifica pessoas não pertencentes às comunidades quilombolas, compreendidas no perímetro ou na área de fronteira.

Além de ocupantes e confinantes, o instituto encaminha notificação para órgãos ligados ao patrimônio público, cultural e meio ambiente, entre outros, a fim de verificar se há sobreposição de interesses nas áreas.

Em cada processo, é aberto um prazo de 90 dias para a recepção de eventuais contestações ao relatório, a contar da notificação dos interessados. Caso sejam apresentadas, as contestações são avaliadas do ponto de vista técnico e jurídico. O julgamento cabe ao Comitê de Decisão Regional (CDR) – instância administrativa máxima das superintendências regionais do Incra.

Após a conciliação de interesses públicos e o julgamento de eventuais recursos e contestações de particulares, o Incra passa à etapa seguinte: a publicação da portaria de reconhecimento do território, a ser assinada pelo presidente da autarquia.

A etapa final do processo é a titulação do território, mediante a outorga de um título coletivo, sem ônus financeiro, em nome da respectiva associação legalmente constituída.

O território Ariramba – O principal acesso se dá apenas por meio fluvial. O território possui uma grande rede de igarapés, que servem para deslocamentos internos, o desenvolvimento de atividades produtivas e o bem-estar das famílias.

As principais fontes de renda das famílias quilombolas podem ser agrupadas em cinco categorias: pesca, agricultura, extração vegetal, benefícios públicos e caça.

A pesca e a agricultura são as principais atividades praticadas na comunidade. Na agricultura, destaca-se o cultivo de mandioca, banana, milho e cará. A produção de banana é voltada para a comercialização. Já a mandioca e o cará, em sua maioria, são destinados para o consumo familiar.

A pesca nos rios e lagos da região abrange espécies como tucunaré, pacu, pirarucu, tambaqui e surubim.

A atividade extrativista compreende, essencialmente, a coleta do açaí e da castanha do pará, utilizados para o consumo familiar e a comercialização na área urbana de Oriximiná.

Histórico – A fixação do casal Joaquim e Tereza dos Santos Oliveira nas margens do igarapé Ariramba, na década de 1970, foi o marco inicial de formação do território Ariramba, onde ainda vivem. Antes de estabelecerem moradia, eles já realizavam atividades na região, ao longo da floresta, do rio Cuminá, de lagos e igarapés, dentre os quais, o Ariramba, que dá nome ao território.

Os moradores do Ariramba são, em grande parte, descendentes de famílias de comunidades do Rio Cuminá, que foram integradas ao território quilombola do Erepecuru quando da demarcação e titulação do mesmo (em 1998, pelo Incra e em 2000, pelo Iterpa).

O padrão ocupacional das populações quilombolas da região baseou-se na dispersão de famílias por vastas extensões de terras, com a fixação das mesmas em áreas preferenciais de beiras de rios, lagos e igarapés. E, dentro dos atuais limites reconhecidos como o território do Ariramba, dois cursos d’água foram privilegiados pelos negros para se estabelecerem: os igarapés Murta e Ariramba.

“Sobressai nos comunitários a vontade de contar e guardar sua história, de se conectar com o passado e buscar nele entendimento e força para a luta no presente. A negritude e a ascendência quilombola/mocambeira são requalificadas e apartadas da condição de escravo; de marcas negativas passam, gradativamente, a fundamento da existência coletiva”, diz um trecho do relatório antropológico. Com informações do Incra e do MPPA.

Fonte: Ministério Público Federal no Pará

 

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