MILTON CORRÊA Ed. 1158

ESTUDO INÉDITO DESVENDA OS USOS E APROPRIAÇÕES DA TERRA PRETA ARQUEOLÓGICA EM SANTARÉM

Talita Baena – Comunicação/Ufopa
Famosa desde o período colonial por sua fertilidade, a terra preta arqueológica é abordada pelo estudo enquanto cultura material, tanto contemporânea quanto no passado distante, revelando implicações e intercessões a partir das relações sociais e econômicas da população local.
Alguns podem ainda não saber, mas a cidade de Santarém do século XXI está crescendo sobre uma extensa malha de sítios arqueológicos pré-históricos, alguns já registrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e outros ainda a serem cadastrados. Neles, é possível encontrar uma terra muito fértil, de coloração escura e com intensa atividade biológica, rica em carbono, cálcio, nitrogênio, fósforo, manganês e zinco, também conhecida como terra preta de índio (TPI) ou terra preta arqueológica (TPA). Investigar como se dá a relação da população de Santarém quanto a esse recurso arqueológico foi o objetivo de estudo do concluinte do curso de arqueologia da Ufopa Edvaldo Pereira, or ientado pela Profa. Dra. Lilian Rebellato, intitulado “Terra Preta em Santarém (PA): Usos, Percepções e Apropriações”.
“A terra preta, que vem chamando a atenção dos santarenos há muito tempo por sua fertilidade inigualável, se constitui num importante marcador arqueológico, formado a partir do acúmulo contínuo e de longo termo de resíduos orgânicos, fragmentos cerâmicos, lascas de rochas e carvão, que hoje sabemos serem decorrentes da intensificação das atividades de subsistência e do crescimento populacional humano na região”, destaca o pesquisador.
O problema analisado na pesquisa centrou-se na maneira como os cidadãos e o poder público municipal encaram esse patrimônio arqueológico e como se relacionam com ele, estabelecendo em seu uso e apropriação de vínculos de reconhecimento que demonstram ou não a compreensão deste fenômeno enquanto patrimônio cultural da população de Santarém. “Se, no passado, o patrimônio arqueológico da cidade tem uma triste história de depredação de sítios, saques e tráfico de peças por colecionadores nativos e estrangeiros, ainda hoje esse mesmo patrimônio encontrado na terra preta sofre com a falta de instrumentos de gestão e políticas públicas de planejamento urbano”, revela o autor do estudo.
Por meio de pesquisa documental, o estudo apresenta a história das primeiras menções à terra preta ainda no século XVIII, passando pelos primeiros estudos científicos e descobertas, até chegar aos dias atuais, com a captura e o registro de depoimentos individuais de cidadãos santarenos que no cotidiano manipulam esse solo. “Registramos as interpretações particulares para esse vestígio arqueológico, em um trabalho específico com trabalhadores da construção civil, que escavam diariamente em TPA; com trabalhadores e proprietários de floricultores, que transformam esse recurso em adubo; com agricultores familiares, que cultivam em TP e com mineradores, que extraem e comercializam a TPA”, conta.
CONSTATAÇÕES
Segundo a pesquisa, apesar de ser internacionalmente reconhecida como fundamental nos estudos sobre a origem e a história da ocupação humana na Amazônia, a cidade de Santarém demonstra pouco reconhecimento e identificação com sua pré-história, o que fica evidenciado no descaso e na ausência de ferramentas de gestão do patrimônio arqueológico, que é invisível nas legislações de âmbito municipal. “A lei que cria o sistema municipal de cultura nem sequer reconhece o conselho do patrimônio cultural como um componente desse sistema. Para a legislação santarena o patrimônio arqueológico não existe, e isso é assustador”, avalia.
Edvaldo destaca a necessidade de empreender esforços para o aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão, sejam eles urbanísticos, jurídicos e/ou tributários, dentre outros, de forma a concebê-los como parte de uma proposta democrática, cidadã e holística, capaz de reconhecer o patrimônio histórico e arqueológico de Santarém dentro de suas reais dimensões.
Como consequência da ausência de políticas públicas e no contexto de conflitos entre o crescimento e desenvolvimento urbano e a preservação dos recursos arqueológicos, segundo o pesquisador, a cidade de Santarém tem perdido nas duas pontas. “É possível perceber as perdas tanto no que diz respeito aos problemas oriundos do processo de expansão desordenada, quanto em relação aos prejuízos inestimáveis ao patrimônio arqueológico, seja nas áreas urbanas ou rurais. O mais grave é que no caso da terra preta é sempre importante ressaltar que se trata de um bem único, finito e não renovável”, argumenta.
“Também não podemos fechar os olhos para a disputa ideológica e os interesses econômicos que envolvem a questão do patrimônio cultural. A ideia de desenvolvimento econômico hegemônica na sociedade capitalista sempre opôs preservação à exploração e os recursos arqueológicos são sempre vistos apenas como entraves a serem superados na consecução dos empreendimentos e na obtenção de lucros”, destaca. O pesquisador também defende a participação de toda a sociedade como um caminho necessário para a proteção da terra preta, enquanto componente imprescindível da biodiversidade regional. “O que está em jogo não é apenas a compreensão do passado, mas a construção de um futuro melhor, ecol ogicamente equilibrado e sustentável”, conclui.

Pesquisadora da Ufopa desenvolve batom de bacuri com pigmento de jambo
Renata Dantas – Comunicação/Ufopa

Cosméticos fazem parte da rotina de todas as mulheres, mas já pensou poder andar na rua com um batom natural da Amazônia? Essa é a ideia por trás do batom que está sendo desenvolvido em Santarém, no Oeste do Pará, com formulação a base de duas matérias-primas regionais: bacuri e jambo-vermelho. A manteiga de bacuri, utilizada no lugar da cera de abelha, empresta emoliência à fórmula e o extrato de jambo serve como pigmento natural para o produto.
Desenvolvido pela professora Kariane Nunes, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o batom usa como insumo o caroço do bacuri, que costuma ser descartado pela indústria alimentícia. “A principal matéria-prima dos batons é a cera de carnaúba, que dá a dureza, e a cera de abelha, que dá emoliência. Mas a cera de abelha, além de não ser típica da Amazônia, é muito cara. Então substituímos pela manteiga de bacuri, que apresenta alto valor do ácido graxo palmitoleico: 5% em comparação com outros óleos que não possuem mais que 1,5%, qualificando a manteiga do bacuri como um emoliente fantástico. E ela também pode ser usada como umectante”, explica a pesquisadora.
Além de agregar valor comercial ao produto, por utilizarem matéria-prima mais acessível e barata, a manteiga de bacuri também proporcionou maior funcionalidade. “Conseguimos provar que nossos batons são muito mais hidratantes que os produzidos com cera de abelha”, ressalta Kariane.
Mesmo mais emoliente, o batom continuava sendo produzido com pigmentos sintéticos, que contém alto teor de cádmio e chumbo, metais pesados e tóxicos, que representam um grande gargalo para a indústria cosmética em geral. “São esses componentes que proporcionam cores ao batom e permitem uma fixação prolongada nos lábios. Quanto mais cor, mais metal pesado e, portanto, mais tóxico o batom”, detalha Kariane.
No Brasil, a indústria cosmética é regulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A legislação possui algumas brechas, o que facilita a produção de cosméticos faciais contendo pigmentos sintéticos com altos teores de metais pesados”, avisa a professora. A longo prazo, a exposição diária a essas substâncias pode causar doenças como câncer, perturbações neurológicas e desordens no aparelho reprodutor, por exemplo.
Partindo da intenção de tornar o batom amazônico o mais natural possível, Kariane começou a pensar na linha dos biocosméticos ou cosméticos verdes. Em parceria com o professor Leopoldo Barato, atualmente trabalhando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consideraram a possibilidade de trabalhar com pigmentos naturais, partindo do uso de frutas locais. Foi quando surgiu a ideia do jambo-vermelho, muito frequente em quintais e ruas de Santarém.

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