Ítalo Melo: “Burocratização do poder público atrapalha setor imobiliário”

Segundo o Conselheiro da OAB, em Santarém, na maior parte da área urbana, não há segurança jurídica

Advogado fala da necessidade da Reforma Urbano-Imobiliária em Santarém

O advogado Ítalo Melo, conselheiro estadual da OAB, esteve em nossa redação para falar sobre um assunto bastante comentado nos últimos tempos, a moradia, mais precisamente sobre o sistema imobiliário de Santarém e sobre a Reforma Urbano-imobiliária que está prestes a acontecer. Veja a entrevista:

Jornal O Impacto: Do que se trata a Reforma Urbano-imobiliária?

Dr. Ítalo Melo: A Reforma urbano-imobiliária é todo o conjunto de medidas que o poder público, cidadão, tem à disposição para tornar o ambiente urbano mais saudável, um ambiente mais voltado ao exercício de direitos fundamentais. Nesse sentido nós temos no Brasil uma preocupação, que é da própria Constituição de 88, que inova no nosso constitucionalismo, porque ela é uma Constituição que tem uma clara preocupação com os direitos sociais. Ela não é uma Constituição pensada apenas no aspecto individual, ela é uma Constituição forjada para refletir um aspecto coletivo. Neste sentido, nossa Constituição é preocupada com os direitos ambientais, com o direito dos trabalhadores, com o direito ao lazer, à moradia. Todos esses são aspectos fundamentais do nosso texto constitucional. Então, quando a gente fala em Reforma Urbano-imobiliária, a gente fala de uma preocupação que é de todos, de uma discussão que é de todos, do poder público e também dos particulares, no sentido da gente mudar o espaço público, que é o espaço onde de fato as pessoas convivem.

Jornal O Impacto: Isso é uma forma de desburocratização?

Dr. Ítalo Melo: Exatamente. A desburocratização é uma das medidas que o poder público tem em mãos para tornar esse ambiente mais sustentável. Por exemplo, em Santarém a gente tem um grave problema, que é a legalização dos imóveis urbanos. A maior parte dos nossos imóveis aqui está alocada em zonas que são invasões, que foram invasões, então, paira sobre esses imóveis uma situação de insegurança jurídica, porque a propriedade imobiliária para que fique comprovada a necessidade de uma solenidade de todos os procedimentos, ou seja, um título, que tem de estar registrado no cartório para poder haver segurança jurídica. Em Santarém, na maior parte da nossa área urbana, não há essa segurança jurídica. Desburocratização é quando o Estado facilita esse processo de legalização, isso é uma coisa que infelizmente na nossa cidade não acontece. Com certeza, se Santarém discutir esse tema trará um benefício muito grande para a população. A princípio, será a questão da segurança jurídica. Se eu tenho meu imóvel documentado, eu não tenho mais dúvida de quem é o proprietário e isso reduz a litigiosidade que envolve a situação, eu vou reduzir a possibilidade de invasões, ao mesmo tempo o imóvel documentando é uma garantia de crédito, pois isso vai dar acesso ao crédito às pessoas, que vão poder reformar os imóveis, vão poder realizar relações comerciais de maneira mais segura. Então, isso envolve o exercício de outros direitos também.

“O Estado muito ajuda quando ele apenas não atrapalha”

Jornal O Impacto: E as imobiliárias têm um papel fundamental nessa situação?

Dr. Ítalo Melo: Eu penso que sim. Eu penso que o setor imobiliário, como o setor que detém esse conhecimento sobre a parte de legalização, precisa dessa desburocratização para que possa atuar. Hoje, infelizmente quando a gente procura a Prefeitura, mais precisamente a Secretaria, nós não encontramos esse apoio lá. Eu também sou advogado no ramo imobiliário, eu vivencio essa situação que a gente encontra uma série de exigências, é todo um sistema burocrático que atrapalha o processo de legalização. Eu costumo dizer o seguinte: O Estado muito ajuda quando ele apenas não atrapalha. Então, é muito simples o Estado atuar de uma maneira positiva para o restante da comunidade, isso não envolve custo, porque isso só envolve reduzir a burocracia.

Jornal O Impacto: Qual o conceito de direito à cidade?

Dr. Ítalo Melo: O direito à cidade é uma forma de pensamento que vem lá da Europa, que vem sendo discutido há muito tempo e que no Brasil também é objeto de debate, objeto de discussão. Isso envolve um conceito muito complexo, porque viver em uma cidade é viver no espaço urbano, envolve meio ambiente equilibrado, envolve a mobilidade urbana, envolve o direito à locomoção, utilização do transporte público, envolve o direito à saúde. Por exemplo, a questão do recolhimento do lixo, do tratamento do lixo que a gente chama de gestão dos resíduos sólidos, então, viver em cidade envolve diversos aspectos da vida urbana, com qualidade. Essa é a preocupação do direito à cidade, todas as preocupações sociais que a nossa Constituição tem e que vão ocasionar uma preocupação com a qualidade de vida do cidadão no espaço urbano.

Jornal O Impacto: Quais são as vantagens da população discutir essa pauta hoje nesse sentido?

Dr. Ítalo Melo: Eu penso que em um espaço como o nosso, em Santarém, que é muito carente desse tipo de discussão, é fundamental, porque basta a gente sair à rua para a gente ver a carência de infraestrutura que nós temos na nossa cidade, ruas não pavimentadas, espaços públicos sem o cuidado da questão do lixo, a dificuldade na mobilidade urbana com transporte público precário, poucas opções de transporte público, a não gestão adequada desse resíduo sólido, os esgotos a céu aberto que proliferam doenças; a gente tem periodicamente aqui casos de virose, problemas de dengue, isso tudo tem a ver com a saúde no espaço urbano, porque não há saneamento. Então, esses aspectos são fundamentais para a qualidade de vida da população. A gente precisa reformar, fazer com que a cidade seja devolvida ao cidadão. Essa é uma questão fundamental, o espaço urbano é voltado para o exercício da cidadania; não somos nós que temos de nos adequar, é a cidade que tem de estar adequada para nossa vida ter uma forma melhor de qualidade.

Jornal O Impacto: Quando o cidadão da região, tem possibilidade de viajar para um grande centro, como Curitiba ou Porto Alegre, é uma coisa boa, e quando você volta para Santarém você sente o choque, o impacto muito grande, é uma cultura completamente diferente.

Dr. Ítalo Melo: Eu penso que é necessário o poder público tomar o protagonismo dessa discussão. São necessárias políticas públicas nesse sentido. O que o poder público tem que fazer, é trazer à discussão a questão da gestão desses espaços do nosso transporte, da gestão do lixo, fazer com que essas discussões possam acontecer e alternativas que possam ser dadas à população.

Jornal O Impacto: Nós sabemos que em Santarém o cidadão pode correr atrás dos seus direitos, ele pode exigir isso da administração pública, mas, com toda certeza terá mais eficácia se tiver alguém que tem esse poder para intervir. A OAB Santarém pode atuar nesse sentido, em defesa da nossa cidade?

Dr. Ítalo Melo: Com certeza. A Ordem dos Advogados do Brasil hoje é uma das principais instituições da sociedade civil organizada, e a Ordem dos Advogados não é meramente uma instituição de defesa de interesses de Classe, a Ordem dos Advogados cumpriu um mandamento constitucional relacionado à essencialidade da advocacia, que é um dos pilares no nosso sistema jurídico. Então, a Ordem dos Advogados cumpre, também, esse papel institucional de defesa da Justiça, de defesa da Constituição e por consequente, defesa da Cidadania. Ela pode atuar nessa discussão, é um desses atores responsáveis. Com certeza nós estamos de portas abertas para receber as demandas que acontecem, principalmente nos bairros da nossa cidade. Nós já visitamos alguns bairros, nós temos ouvido as pessoas. Recentemente, nós estivermos no bairro do Santarenzinho, numa discussão relacionada à administração da Associação do Bairro do Santarenzinho. Nós, enquanto instituição, estivemos lá, fizemos a sugestão de alternativas. Isso tem sido algo muito produtivo. Da mesma forma a Ordem está aberta para esse tipo de diálogo com a sociedade, porque esse é um dever da Instituição.

Jornal O Impacto: As pessoas dos bairros da cidade, principalmente aquelas mais prejudicadas, como devem proceder?

Dr. Ítalo Melo: A Ordem dos Advogados aqui em Santarém é gerida pelo Doutor Ubirajara Bentes, nosso presidente no terceiro mandato. Desde que assumiu em 2012 ele tem feito essa virada, na forma como a Ordem é gerida, como é feito esse diálogo com a sociedade. Desde 2012 a Ordem tem abraçado diversas causas sociais e as pessoas podem continuar procurando a OAB para levar os problemas que acontecem em seus bairros. Nós temos equipes e comissões de advogados que discutem temas, nós temos comissão voltada ao meio ambiente, comissão voltada à questão da saúde, dos idosos; nós temos diversas comissões temáticas que trabalham esses assuntos e que vão poder dar encaminhamento para as pessoas, para as associações, para todos que nos procurarem.

Por: Jefferson Miranda

Fonte: RG 15/O Impacto

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