Militares aumentam a pressão sobre o governo após a saída de generais

A saída do general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo da Presidência da República deixou uma ferida aberta no núcleo militar do Planalto. A ordem tácita de comando é uma espécie de recuo estratégico no grupo que mais acumula poder desde a posse do capitão reformado, em 1º de janeiro. Um “meia volta, volver” cuidadoso para buscar avanços nos próximos capítulos. Não há qualquer sinal de debandada ou insatisfação pública dos integrantes da Esplanada. Mas, nos bastidores, há uma irritação com o processo de fritura de Santos Cruz, um dos homens mais bem preparados do Exército e vítima de ataques internos no Planalto e externos, ao considerar as mensagens disparadas por Olavo de Carvalho, guru de uma ala desassisada do Planalto e do Congresso.

A demissão de Santos Cruz ocorreu uma semana antes de uma nova troca de cadeiras na Esplanada. Nesta quinta-feira (20/6), Bolsonaro decidiu exonerar mais um general do primeiro escalão do governo. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Floriano Peixoto — que está na reserva desde 2014 —, deixou o cargo. Em troca, vai assumir a presidência dos Correios no lugar do também general Juarez Cunha, demitido em público pelo presidente na semana passada. O cargo na estatal havia sido oferecido a Santos Cruz, que não o aceitou.

A saída de Santos Cruz representa, por um lado, a reacomodação do grupo militar, principalmente com a entrada do general Luiz Eduardo Ramos, ligado a Bolsonaro e cotado desde o primeiro momento para ocupar um cargo na Esplanada por dois motivos: as quatro estrelas, a mais alta graduação do comando, e a relação direta com o presidente. Mas, aliada com o enfraquecimento de militares da reserva — como o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas e o próprio ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno —, a desenvoltura da caserna é posta em xeque, pelo menos por ora. “Tudo vai depender de como Ramos vai remar a partir de agora. Se for apenas para dizer ‘sim’ para o presidente e os olavetes, há um enfraquecimento do time militar”, disse um oficial com acesso à turma do andar superior do Planalto.

A frase é uma espécie de provocação com a atitude de Santos Cruz, tomada ainda no início de maio. O general, então um dos ministros mais fortes do governo, procurou Bolsonaro para pedir uma posição mais firme em relação a Olavo. O escritor, que mora nos Estados Unidos, havia acabado de atacar Villas Bôas: “Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas. Nem o Lula seria capaz de tamanha baixeza”, escreveu Olavo no Twitter. Repeitado pela tropa, Villas Bôas sofre de uma doença neuromotora degenerativa. “Santos Cruz foi o único que intercedeu a favor do comandante, até porque também havia sido atacado anteriormente por Olavo”, disse o oficial. Não adiantou, pois o presidente manteve uma imparcialidade olímpica em relação à disputa guru/militares.

Mesmo que neguem publicamente, havia uma expectativa dos militares em tutelar Bolsonaro, o que não se confirmou ao longo dos primeiros seis meses de mandato. Se não é possível cravar que o grupo dos olavetes — incluindo aí os filhos do presidente e os parlamentares do PSL — ganhou a queda de braço, os militares sentem o baque de decisões de Bolsonaro como o amplo decreto das armas e o projeto de lei com mudanças nas regras de trânsito, que favorece motoristas infratores. “Há um certo cansaço neste momento, basta ver o próprio general Heleno”, disse um político ligado ao Planalto. Heleno, primeiro comandante da Missão das Nações Unidas no Haiti — entre 2004 e 2005 —, buscou até o último momento contornar a crise entre Bolsonaro e Santos Cruz, que também chefiou as tropas no país caribenho.

Decretos

“Há uma espécie natural de troca de comando no governo, até porque a tropa obedece a oficiais da ativa, como os atuais comandantes das Forças e os ministros quatro estrelas, como o da Defesa (Fernando Azevedo e Silva)”, disse um outro militar em conversa com o Correio. Na prática, a força da caserna permaneceria independentemente do nome a ocupar algum posto estratégico — e, em caso de substituição, que ocorra dentro do grupo.

“Há um desenho concentrado nas mãos dos militares”, diz Piero Leirner, professor de antropologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O acadêmico cita dois decretos recentes que mudam parte do processo decisório. O primeiro deles é o de número 9.819, do último dia 3 de junho, que dispõe sobre a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo, que seria coordenado, nos casos de políticas que envolvam mais de um ministério, pelo secretário executivo do GSI, cargo hoje ocupado pelo general de divisão Marco Antonio Freire Gomes. O outro Decreto é o de número 9.830, de 10 de junho, que, na interpretação do professor, brindaria funcionários públicos, a partir de autorizações para atrasar procedimentos. A lógica é que, quando se observa o número de militares no governo, pode-se supor que o decreto pode beneficiar tal grupo de servidores. Hoje, há mais de 100 integrantes da caserna ocupando cargos importantes no governo Bolsonaro.

“É preciso perceber que há um avanço dos militares na estrutura administrativa, a partir de um verniz democrático. A parte racional do governo num primeiro momento parece estar com eles, mas há um controle enorme principalmente da máquina de informação”, afirma Leirner. “Daqui a pouco, não importará mais quem será o próximo presidente do Brasil, pois os militares sempre estarão muito fortes, algo como ocorre no Pentágono, nos Estados Unidos. Seja qual for o governo, democrata ou republicano, eles mantêm o poder.”

Fonte: Correio Braziliense

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