Artigo – Uruguai, um baixinho bom de briga

Por Oswaldo Bezerra

O povo paraense tem uma relação peculiar com o Uruguai. Uma de suas cidades deu nome a um time de futebol do Pará. Este time é ao mesmo tempo, amado pela metade do povo paraense e odiado pela outra metade. A origem do nome tem a ver com um conflito. Conflito é com o aguerrido povo uruguaio que não foge a luta.

Conflitos que se tornaram cruéis quando Dan Mitrione, em meados dos anos 1960, trabalhando para a CIA, treinou métodos de tortura que se disseminaram na ditadura do Brasil e Uruguai. Resultou em inúmeros casos de violações de direitos humanos e brutalidade policial naqueles países. Toda esta história foi divulgada pelo governo dos EUA nos arquivos do National Security Archive.

Diferente dos brasileiros, os uruguaios foram a luta contra Mitrioni. Em 1970, Dan Mitrioni foi sequestrado, interrogado sobre o sistema de ajuda dos EUA as ditaduras latino-americanas, e executadas pelo grupo Tupamaros de Pepe Mujica.

Este exemplo de embates contra os poderosos continuam até hoje no Uruguai. Na última década, o Estado uruguaio conquistou importantes vitórias em tribunais internacionais contra empresas gigantes em disputas históricas em tribunais internacionais. Assim o pequeno país conseguiu evitar o pagamento de indenizações bilionárias.

No último 6 de agosto, o Uruguai venceu outro julgamento internacional. O Tribunal Arbitral rejeitou reclamações apresentadas contra o Uruguai em relação ao projeto de mineração de Aratirí. O comunicado oficial incluía uma recente decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem, com sede em Haia, a favor do Uruguai em uma ação iniciada pelos empresários britânicos Ritika Mehta, Vinita Agarwal e Prenay Agarwal.

Os três nomes por trás da ação, contra o Uruguai, representavam os interesses da Zamin Ferrous, uma empresa multinacional com sede em Londres. Zamin Ferrous havia desembarcado no Uruguai em 2011 com seu projeto Aratirí, com o qual pretendia extrair ferro com um projeto de mineração a céu aberto.

O empreendimento, que prometia investir mais de 2 bilhões de dólares no país sul-americano, causou turbulência política no Uruguai na época, então presidido por Pepe Mujica. A queda do preço internacional do ferro acabou inviabilizando o projeto.

Em 2017, representantes da empresa anunciaram uma ação judicial contra o Uruguai por 3 bilhões de dólares, por entender que a empresa estava protegida por um tratado de Proteção ao Investimento de Capital, assinado entre o Uruguai e o Reino Unido em 1991. O tribunal demorou três anos para proferir sentença, nem sequer considerou a questão, pois entendeu que o os requerentes não tinham o direito de levar o caso a esse tribunal.

Antes de considerar as questões jurídicas, reivindicadas pela empresa, o tribunal aceitou uma objeção do Uruguai, alegando que os reclamantes eram de fato “não proprietários” do projeto, apenas “beneficiários discricionários” do trust que administrava indiretamente o empreendimento. O tribunal também ordenou que os demandantes pagassem 4 milhões de dólares, ao país sul-americano, pelas custas do processo judicial.

Outra retumbante vitória do Uruguai, nos tribunais internacionais, foi a ação que a empresa de tabaco Philip Morris apresentou em 2010. Foi por causa das medidas anti-fumo aplicadas pelo presidente Tabaré Vázquez, durante seu primeiro mandato de governo (2005-2010).

A ação da suíça Philip Morris indicava que as regulamentações aplicadas pelo Uruguai, como a proibição de fumar em espaços fechados e a restrição progressiva da publicidade de produtos do tabaco, ameaçavam a atividade comercial da empresa. Assim teria violado o tratado de investimentos assinado entre o Uruguai e a Suíça em 1988.

O caso ganhou relevância internacional e a Organização Mundial da Saúde (OMS), que apoiou o Uruguai como “caso testemunha”, no contexto da luta contra o tabagismo no mundo. O fato de que a disputa colocou a maior empresa de tabaco do mundo contra um pequeno país de pouco mais de 3 milhões de habitantes adicionou uma epopéia ao julgamento. Era a luta de Davi contra Golias.

O Uruguai conseguiu provar, durante o julgamento, que as medidas adotadas foram eficazes na redução do consumo de tabaco, e eram exercícios ​​do direito soberano do Uruguai de proteger a saúde pública. A vitória veio em 2016, com a obrigação da Philip Morris de pagar 7 milhões ao Uruguai.

O Uruguai também sabe brigar com os vizinhos. Em 2006, a Argentina abriu denúncia para o Tribunal Internacional de Justiça de Haia pela instalação de uma fábrica de celulose na cidade de Fray Bentos, às margens do rio Uruguai.

A Argentina alegou que a fábrica contaminou o rio Uruguai, cuja administração é compartilhada entre a Argentina e o Uruguai. Após quatro anos de julgamento, tensões políticas com pontes entre os dois territórios bloqueados pelos manifestantes argentinos, o tribunal internacional emitiu sua decisão final em 20 de abril de 2010.

O tribunal entendeu que o país violou a norma binacional ao não consultar a Argentina a respeito da instalação. Em todo caso, a Corte não determinou que a usina poluísse de fato, como assinalou a Argentina, mas determinou que o Uruguai indenizasse o Estado argentino e que este reabrisse as fronteiras.

A fama do Uruguai nos tribunais internacionais não termina com esse processo. Em 2019, o governo presidido por Tabaré Vázquez anunciou duas vitórias em outros dois julgamentos internacionais iniciados há anos.

O primeiro foi o apresentado pela empresa americana de telecomunicações Italba Corporations, que em 2016 exigiu que o Uruguai pagasse 100 milhões de dólares por ter violado um tratado de investimentos com os Estados Unidos. O Uruguai conseguiu garantir a vitória alegando que a Italba não era a real proprietária da Trigosul S.A., empresa licenciada.

A segunda vitória anunciada pelo Uruguai, em 2019, foi contra a empresa Conecta, subsidiária da brasileira Petrobras, na prestação de serviços de gás canalizado em Montevidéu. A empresa acusa o Uruguai de não ter garantido o “equilíbrio econômico-financeiro” e exigiu 57 milhões de dólares em indenização.

A defesa na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, foi feita pelo advogado uruguaio, ex-Ministro do Interior, reitor da Faculdade de Direito e líder político Juan Andrés Ramírez.

O tribunal negou provimento aos processos contra o Uruguai, embora tenha concordado que o país sul-americano deveria renegociar com a empresa dado a situação crítica do setor de gás natural. Em todo caso, a decisão foi interpretada como uma vitória do Governo uruguaio, uma vez que não teve que pagar indenização.

O Uruguai é como aquele baixinho bom de briga. Mas acima de tudo, o país de Mujica, prova que o ditado “quem tem um bom amigo tem um tesouro”, pode ser substituído pelo “quem tem um bom advogado mantém seus tesouros”.

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