Artigo – Chile dá um pontapé na constituição de Pinochet, mas por quê?

Por Oswaldo Bezerra

Depois de 40 anos o Chile resolveu não ser mais regido pela constituição de Pinochet. Fez de maneira retumbante. A notícia agradou a muitos, mas desagradou a outros também. Muitos dirão que é falso que esta constituição seja de Pinochet. Outros perguntarão qual motivo para mudar, uma vez que o Chile é o país mais avançado da região. Para todas estas dúvidas o Jornal O impacto preparou este artigo para vocês.

Milhões de pessoas comemoravam pelas ruas das cidades chilenas o resultado de um plebiscito. Nas ruas pessoas falavam que o Chile merecia a mudança, pois o país era muito desigual. Outros diziam que era uma tremenda realização para o povo e para a sociedade.

O Chile aprovou, através de plebiscito, dar um basta na constituição criada durante a ditadura de Pinochet. Foi de lavada a votação para criar uma constituição inteiramente nova. A aprovação teve quase 79% dos votos. A desaprovação só venceu em 5 cidades do Chile, justo onde mora a classe média alta do país, como por exemplo Las Condes, onde fica a mansão de Sebastian Pinñera, presidente do país.

Foi a maior presença de eleitores nas urnas do país, desde que foi instalado o voto voluntário em 2012. E olha que a pandemia prejudicou muito a presença das pessoas frente às urnas.

O plebiscito também demonstrou a desconfiança com os políticos. Além das opções “Aprovo” e “Desaprovo” uma nova constituição, era perguntado aos eleitores qual o modo de como se deveria criar o texto, caso aprovado. Questionava-se se deveria haver uma comissão mista com 50% de políticos do atual parlamento com outros 50% por cidadãos comuns eleitos. Outra opção era que 100% dos integrantes deveriam ser eleitos por voto popular, garantindo a igualdade de gênero.

A última opção era a defendida pelos movimentos e organizações sociais do país. Esta última opção venceu com 80% dos votos, mais até que a aprovação.

O resultado acachapante fez muita gente se pergunta: como? Como os chilenos votaram por eliminar a constituição que elevou o país a maior renda per capita da América Latina. A que despertou a inveja dos países vizinhos e serviu de exemplo de desenvolvimento sustentável. Os chilenos ficaram loucos?

Para entender a esmagadora votação é preciso observar as origens da constituição e o que ela contém. O texto foi escrito em 1980, em plena ditadura de Pinochet. A legitimidade do plebiscito, daquele ano, se desfaz ao lembrarmos que foi feita sob a supervisão da junta militar mais sanguinária da América do Sul.

O fim da ditadura ocorreu dez anos depois. A continuidade daquela Constituição foi um lembrete de que a ditadura se foi, mas nem tanto. O texto constitucional foi reformado 31 vezes, principalmente em 1989 e 2005. Contudo, as modificações apenas alteraram critérios básicos.

Foram ajustes para que a Constituição de período militar pudesse funcionar em uma democracia. Acabaram os “estados de exceção”, criaram meios para que o congresso criasse Leis, forças armadas deixaram de ser reguladas por elas mesmas, foi permitida a participação política de entidades ligadas aos trabalhadores, e se criou uma maior separação de poderes institucionais.

Contudo, o cerne da Constituição não foi alterado. A Constituição seguiu tão impregnada da ditadura que, para fazer uma alteração tal qual exige a população chilena, sem criar uma totalmente nova do zero, seria como fazer a torcida do São Francisco usar a camisa do São Raimundo.

A população jovem chilena, a grande protagonista desta mudança, não viveu as frustrações de uma ditadura. Veio agora a mim a lembrança de um grande amigo chileno, que teve que fugir de seu país para a Argentina por conta da ditadura, no caminho toda vez que deparava com comida fechava os olhos da filha. A população chilena sabe hoje que a perpetuação da Constituição de Pinochet deixa a sociedade muito injusta.

Como a desigualdade chilena se explica? Por exemplo, em média, o consumo per capita é de meio frango por dia, o mesmo de um país desenvolvido. Só que lá uma pessoa come 5 frangos por dia, enquanto as outras 4 não comem nenhum, mas a média continua 1 por dia. Essa é a desigualdade, essa é a injustiça social. Claro, assim alguns um dia queixas surgiriam.

No artigo 1, inciso 3 da Constituição chilena, mesmo com as reformas, que não mudaram isso, transforma o Estado em um “intermediário” entre a cidadania e as empresas privadas. Na maioria das Constituições, os deveres que o Estado deve garantir são, no caso chileno, serviços prestados por empresas privadas. Na constituição chilena cabe ao Estado apenas ser mediador entre a população e as empresas.

Um jovem chileno quer estudar em uma Universidade? Terá que ir para a Argentina, pois lá o ensino superior é grátis. No Chile, a Constituição no seu artigo 1º, inciso 19, garante que o Estado apenas irá facilitar o desenvolvimento de Universidades privadas. O preço das Universidades será gerido apenas pelas próprias instituições. Falta de recurso obrigará ao aluno fazer um empréstimo bancário. É vedado ao Estado criar Universidades públicas, muito menos gratuitas.

E se um chileno quiser se aposentar com uma pensão digna? O artigo 19, inciso 18, faz o Estado garantir que haja recursos da iniciativa privada sob o gerenciamento das próprias instituições. Os detalhes deste gerenciamento só são conhecidos quando as pessoas realmente se aposentam. O Estado chileno só está obrigado a garantir aposentadoria, com dinheiro estatal, para militares, juízes e políticos.

Os exemplos apresentados aqui, com educação e previdência, também se repetem nos campos da saúde, moradia e transporte. O Estado chileno não está obrigado nem sequer a dar água para seus habitantes. É o único país do mundo em que a água é propriedade privada.

O Chile criou um sistema que deixa a maioria de sua população endividada para cobrir gastos básicos. Ficam endividados por causa de uma moradia, para estudar uma carreira profissional, endividados para ir ao médico, etc. O endividamento para maioria da população chilena, por falta de opção pública, é um pântano que é impossível não entrar, pelos altos custos, é impossível de sair.

Para sair desta situação a população chilena deverá percorrer ainda um longo caminho. Passará por uma eleição dos constituintes em abril de 2021. Entre os diversos processos, a promulgação da nova Constituição só deverá sair em 2022. A parte mais difícil para as pessoas que votaram “Aprovo” vem agora.

A grande união demonstrada para sepultar a velha Constituição pode perder a força na hora de redigir a nova. Será o grande desafio para o povo que saiu às ruas há um ano. No mais, estas pessoas serão reconhecidas como os heróis que acabaram com a Constituição da ditadura de Pinochet, que os sucessivos governos de Direita e de Esquerda não souberam, não puderam ou não quiseram acabar.

RG 15 / O Impacto

Um comentário em “Artigo – Chile dá um pontapé na constituição de Pinochet, mas por quê?

  • 28 de outubro de 2020 em 17:19
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    AGORA BASTA COPIAR A CONSTITUIÇÃO VENEZUELANA OU CUBANA, EXCELENTES, JÁ QUE PROMETERAM “ACABAR COM AS INJUSTIÇAS SOCIAIS”; COMECEM EXPULSANDO AS EMPRESAS ESTRANGEIRAS, ESTATIZANDO AS QUE FICAREM E ESCANCAREM OS CABIDES DE EMPREGO. E SEM ESQUECER, ÓBVIO, DE PRENDER OS INSATISFEITOS E AS FORÇAS DE SEGURANÇA TOCAR TIROS NO POVO QUE SE MANIFESTAR CONTRA O DESABASTECIMENTO, A FOME, DOENÇAS, ARBITRARIEDADES POLICIAIS E DESEMPREGO. DEPOIS, OS VIZINHOS QUE REFORCEM SUAS FRONTEIRAS !

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