A baixa popularidade dos livros no Brasil – o que nos leva a ser um país de pessoas que não costumam ler?

Por Thays Cunha

Em abril deste ano, a Receita Federal e o Governo se envolveram em uma peculiar polêmica quando anunciaram a possibilidade de acabar com a isenção de impostos sobre os livros no Brasil em sua nova proposta de reforma tributária. O estranhamento maior talvez nem tenha sido causado pela notícia em si, mas pela motivação dada para tal decisão: a de que este seria um tipo de produto não costumeiramente consumido por aqueles que são mais pobres.

A determinação teria sido baseada na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF), que indica que famílias com renda de até dois salários mínimos não são consumidoras de livros não didáticos, sendo a maior parte desses livros consumida pelas famílias que alcançam renda superior a dez salários mínimos. Assim sendo, a tributação de livros permitiria maior arrecadação, gerando um aumento para os recursos públicos, que no momento andam bastante escassos. Para a Receita Federal, como os pobres não compram os livros, isentá-los de seus tributos não faria mais sentido, pois essa ação estaria sendo benéfica apenas para os seus reais consumidores: os mais ricos.

Em caso de validação, a cobrança passaria a ser de 12%. Isso teria um impacto ainda maior na questão já internalizada pela população, e agora corroborada pelo próprio governo, de que os pobres não leem. A reforma tributária faria então com que um produto que já não chega às mãos das classes mais baixas da população, por conta do seu elevado valor, se torne ainda mais inacessível, uma vez que com os novos tributos os preços dos livros ficariam ainda mais altos.

Livros no Brasil são isentos de impostos por conta da lei Nº 10.865/2004, que indica que “ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno”. Porém, apesar da não cobrança de impostos, livros ainda são um produto cujo valor é alto demais para que as famílias possam arcar sem comprometer o orçamento.

Isso significa que ao invés de criar novas táticas para tornar os livros mais acessíveis à população menos favorecida, o governo prefere dificultar de vez o acesso à eles, pois simplesmente os vê como um produto que não faz parte da realidade dessas pessoas. A ideia de que a leitura no país não é valorizada não é uma coisa nova, pois já perdura há bastante tempo. Então, no lugar de criar estratégias que levam os livros para ainda mais distantes da população, encarecendo-os, algo deveria ser feito para que a leitura fosse valorizada, respeitada e principalmente acessível.

Com o avanço do acesso à internet, as obras virtuais estão se tornando uma saída para aqueles que precisam e querem ler algo, mas não dispõe de meios financeiros para arcar com as despesas. Assim o mercado editorial já está tendo muitas perdas com o baixo consumo de livros físicos. Aumentar o preço dos livros impressos seria então o golpe final para que eles se tornem algo ainda mais caro e elitizado.

É importante diminuir os impostos sobre os mais pobres, mas deveria ser escolhida uma desculpa melhor do que somente o fato de que supostamente não consomem determinado produto para justificar uma cobrança de 12%. Portanto, a questão deveria ser descobrir o porquê dessa rejeição ao livro e à leitura por parte da população, e assim fazer algo para torná-los mais disponíveis a todos. Ver os livros dessa forma, como uma mercadoria que pertence somente aos núcleos da alta sociedade, é distanciá-los ainda mais daqueles que, por algum motivo, não possuem meios para adquiri-los. Se somente os que ganham acima de dez salários mínimos têm condições para adquirir livros, o correto seria ou aumentar o salário dos que ganham pouco, ou diminuir os preços dos livros para que caibam nesse apertado orçamento, ao invés de simplesmente eliminar as poucas chances que essas pessoas podem ter de ter acesso à leitura.

A sensação que temos é a de que o Brasil vive um momento em que a cultura está sendo totalmente desvalorizada e vista por muitos até como algo fútil. Assim a literatura e outros setores culturais parecem ter se tornado algo que ao mesmo tempo em que faz parte da vida somente das classes dominantes também representa um risco a ela se difundida entre as classes “inferiores”, pois dar conhecimento ao povo o torna menos “manipulável” por aqueles que detêm ou querem se manter no poder. Se a questão fosse somente cobrar impostos em relação aos produtos de alto valor, o governo deveria começar então pelos iates, aviões particulares e, claro, as próprias grandes fortunas.

MÉDIA DE LEITURA NO BRASIL E OS LEITORES POBRES

O pretexto de que os “pobres não leem”, baseada na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF) é muito raso, uma vez que a 5º da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em setembro de 2020, e que traz dados de 2019, afirma que no Brasil haveria cerca de 100 milhões de leitores, sendo que a maioria é não estudante (61,2 milhões), pertenceria as classes C, D e E (70 milhões), com renda familiar entre um e cinco salários mínimos (76,3 milhões). Isso significa que grande parcela da população considerada classe baixa consome sim livros, apesar de todas as dificuldades. O aumento no preço das obras tornará esses números menores, uma vez que o que pode ser visto como desinteresse na verdade é uma escolha movida pela dificuldade, pois uma família com pouco dinheiro preferirá se alimentar a gastar os seus ganhos com livros.

Contudo, sabemos que os índices de leitura no Brasil são baixos se comparados a outros países. Por exemplo, segundo o Centro Nacional do Livro (CNL), na França 88% da população se declara leitora e teriam lido, em média, 21 livros em um ano. Já em nosso país, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, os brasileiros lêem, em média, 05 livros por ano, sendo que apenas 2,5 desses livros são lidos inteiros.

Um dos motivos que contribuem para essa baixa quantidade de leitura seria ocasionado por conta de todo o tempo livre que agora as pessoas preferem gastar utilizando as redes sociais (66% disseram usar a internet no tempo livre). Outro fator apontado seria também as dificuldades em dar prosseguimento à leitura, pois entre os entrevistados 19% afirmaram ler muito devagar, 13% afirmou não ter concentração para ler e 9% não compreendem a maior parte daquilo que está lendo. Além disso, o acesso aos livros também é colocado como causa, visto que 5% dos leitores disseram não ter lido mais por causa dos altos preços e 7% afirmam não ler pelo fato de não haver bibliotecas perto.

INCENTIVOS

Isso mostra que o brasileiro necessita de mais incentivo para ler, e não o contrário. Seria interessante que o governo, a invés de criar novas taxas, impostos e tributos, fizesse ações que tornassem o livro mais acessível e presente nos lares do Brasil. Ler é um ato importante para a construção do senso crítico de um indivíduo e o ajudará a entender e compreender o que acontece não só em sua época, como também no decorrer da história. No momento vivemos em uma era em que as pessoas acreditam em tudo o que veem pelo fato de não se darem ao trabalho, ou não saberem mesmo, como analisar as situações. Não há aprofundamento nos assuntos porque esses indivíduos não leem, ou até leem, mas não conseguem interpretar corretamente o conteúdo. Desse modo se espalham de forma alarmante as “fake news”, que tornam a vida da população ainda mais difícil.

Mudanças precisam ser feitas urgentemente, então. Por exemplo, nas escolas, pois na grande maioria delas o ensino da leitura é feito de forma maçante, através de leituras “obrigatórias” e não condizentes com a realidade do aluno, tornando o ato de ler tedioso e sem função. Em muitos educandários o livro serve apenas como suporte para as atividades, não propiciando ao aluno o hábito da leitura, tornando a relação dele com o livro distante e sem prazer. Isso acaba acompanhando o aluno em todas as fases escolares e por fim perdura até a vida adulta.

Assim, é fundamental investir na formação de professores, para que se tornem mediadores desse conhecimento. Aumentar o número de bibliotecas e de acesso aos livros, não importando a classe social, também seria um grande incentivo. Pais, mães e responsáveis também exercem um papel importante, pois crianças que veem os pais lendo e que recebem incentivos para ler se tornarão pessoas que terão gosto pela leitura. No entanto, se os pais não têm o hábito de ler e não apresentam livros aos filhos eles acabarão por reproduzir o mesmo tipo de comportamento. Além disso, o governo deveria realizar uma reforma tributária que realmente trouxesse benefícios para toda a população em geral e não que amplie ainda mais as diferenças sociais já tão exacerbadas que existem no Brasil.

RG 15 / O Impacto

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