Artigo – Escalpelamento em barcos – uma tragédia amazônica

Por Thays Cunha

Quem mora na região amazônica costuma ouvir quase todos os dias que os nossos rios são como as nossas ruas. De fato, embora tenhamos inúmeras áreas urbanas, grande parte da população nortista costuma viajar em barcos, navios ou lanchas quando querem percorrer grandes distâncias dentro do território. Além disso, as “beiras” dos rios são bastante povoadas, fazendo com que o deslocamento entre essas áreas também necessite do uso de um transporte aquático.

Antes feito somente a remo, os caminhos agora são alcançados mais rapidamente graças a inserção do uso de pequenas canoas e barcos a motor, um trânsito que ocorre nas águas durante dia e noite. Cada família geralmente possui o seu transporte, e depende dele não só para a pesca, como também para comprar alimentos, ir à outras comunidades, à escola, à igreja, etc.

Porém, apesar de fazer parte do cotidiano amazônico, algumas dessas viagens acabam terminando de forma trágica para algumas mulheres, situação que deixa um rastro de morte e mutilações.

Muitos desses barcos não possuem proteção no eixo de seus motores, que assim fica girando livremente em um espaço estreito e apertado. É aí que mora o perigo, pois muitas mulheres ribeirinhas correm o risco de ter os cabelos puxados pela rotação da hélice, que possui tal força ao ponto de lhes arrancar parcial ou completamente o couro cabeludo.

Esse tipo de tragédia, conhecido como escalpelamento, infelizmente é comum e deixa marcas irreparáveis tanto no físico quanto no psicológico das vítimas. Cirurgias reparadoras geralmente são feitas na tentativa de minimizar o sofrimento, porém o cabelo acaba não nascendo mais.

Além disso, por conta das distâncias as vítimas de escalpelamento geralmente têm que esperar por muitas horas até conseguirem socorro, o que não lhes garante que serão eficazmente atendidas, uma vez que hospitais e pronto-socorros dessas regiões podem não contar com o aparato necessário para tratá-las.

O fator que leva as pessoas a não protegerem os eixos é por medo de terem seu único meio de transporte e sobrevivência levado. Na maioria das vezes, ao terminarem de utilizar o barco, o motor é retirado e guardado dentro de casa para que não corra o risco de ser furtado. Caso haja a cobertura é impossível realizar essa retirada do motor.

TRAGÉDIAS

Casos de escalpelamento não afetam somente a questão estética, pois além da perda dos cabelos podem ocorrer também lesões nas sobrancelhas, orelhas e até mesmo em toda a extensão do rosto. Isso leva as vítimas a terem muitas dificuldades na sua qualidade de vida, pois quando não há o óbito as sequelas são graves e irreparáveis. Muitas dessas mulheres passam então o restante da vida se escondendo atrás de toucas, chapéus ou mesmo ficam o dia inteiro sem sair de casa e socializar. Elas sofrem também com infecções frequentes no couro cabeludo, dores crônicas e problemas de saúde, além de terem que lidar com o preconceito e a falta de políticas públicas que assegurem um tratamento adequado.

CASOS

Somente neste ano de 2021 já foram contabilizados pelo menos 9 casos de escalpelamento na região amazônica. Segundo a FIOCRUZ, “Estima-se que haja na Amazônia cerca de 100 mil barcos em condições de navegação. Destes, somente cerca de um terço possui registro na Capitania dos Portos. A Marinha do Brasil alega que seus recursos permitem fiscalizar apenas uma pequena parcela destas embarcações, propiciando, assim, que grande parte dos barqueiros continue a realizar o transporte de pessoas sem mínimas condições de navegação ou segurança de seus passageiros”.

O caso mais recente que ocorreu em nossa região foi com uma menina de apenas 10 anos, que infelizmente veio a óbito na manhã do dia 24 de agosto, no rio Pracuúba, arquipélago do Marajó, após ficar com os cabelos presos no eixo do motor de uma rabeta (tipo de embarcação).

Segundo informações, a menina escorreu na embarcação e foi então puxada pelo motor. As lesões foram gravíssimas, desse modo ela não resistiu.

28 DE AGOSTO

Anualmente, o dia 28 de agosto é marcado por campanhas que objetivam destacar o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento. A data,  criada pelo Ministério da Saúde através da LEI Nº 12.199, DE 14 DE JANEIRO DE 2010, tem o intuito de lembrar e prevenir sobre os perigos desse terrível tipo de acidente, tão comum para a população amazônica, mas desconhecida em outras partes do Brasil.

São realizadas então campanhas para a conscientização do uso de proteção nos eixos dos motores dos barcos, pois, por conta do isolamento, existem pessoas que não se dão conta do perigo que estão correndo. Essas pessoas então precisam ser sensibilizadas a diminuir os riscos para si e suas famílias, sendo as mulheres orientadas também a manter os cabelos sempre presos e cobertos durante as viagens.

RG 15 / O Impacto

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