‘Gravidez não é doença’, diz desembargador ao negar pedido de adiamento de julgamento à advogada prestes a dar à luz

Uma advogada que estava no final da gravidez e precisou faltar a uma audiência porque ia dar à luz teve o pedido para adiar o julgamento de seu cliente negado pela 4ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), que abrange os estados do Pará e Amapá. Durante a audiência, realizada em Belém, o presidente do colegiado, Georgenor de Sousa Franco Filho, chegou a afirmar que “gravidez não é doença, adquire-se por gosto”, gerando revolta nas redes sociais. A Ordem dos Advogados do Brasil – seção Pará (OAB-PA) repudiou a atitude do magistrado.

Na sessão, realizada nesta terça-feira (10), a desembargadora Sulamir Palmeira Monassa de Almeida informou que a advogada, que estava gestante, pediu que o julgamento do processo de seu cliente fosse adiado, porque ela queria fazer a sustentação oral, mas o parto poderia ocorrer no mesmo dia. “Eu defiro o pedido”, disse a magistrada.

Porém, Franco Filho não aceitou o pedido: “Já dizia Magalhães Barata, que foi governador do Pará: gravidez não é doença, adquire-se por gosto”, declarou. Sulamir Palmeira Monassa de Almeida ainda tentou argumentar com o colega, afirmando que gravidez “não é doença, mas é um direito”.

O magistrado, porém, respondeu: “Mas ela não é parte do processo, é apenas advogada”.

Segundo ele, a profissional poderia mandar um substituto. “É a coisa mais simples que tem. São mais de 10 mil advogados em Belém e acho que todos têm as mesmas qualidades e qualificações que a doutora Suzane Teixeira. Mas a senhora vota… aliás, eu nem voto nesse processo, portanto tudo o que eu falar aqui, esqueçam o que eu falei. Vossas excelências que decidam”.

O julgamento, então, continuou.

Em nota, o Sistema Estadual de Defesa das Prerrogativas (SEDP), juntamente com a Coordenadoria de Defesa da Mulher Advogada (CDMA) e a Comissão das Mulheres e Advogadas (CMA) da OAB Pará, repudiou o episódio. De acordo com o comunicado, a advogada puérpera teve bebê no último dia 06 de outubro e encontra-se hospitalizada, por isso, pediu o adiamento do julgamento de processo que tramita sob sua condução e responsabilidade através de petição protocolada antes da realização da sessão. Ela também informou em reunião presencial com a relatora do processo que seu parto estava previsto para ocorrer no mesmo dia da referida sessão de julgamento, tendo inclusive ocorrido de forma antecipada.

“A situação é de severa violação das prerrogativas da mulher advogada, previstas em Lei Federal, conforme preceitua o Art. 7ª, inciso IV, do Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906/94. E, ainda, o lamentável episódio evidencia a banalização da discriminação de gênero, inclusive no âmbito do Sistema de Justiça”, diz a OAB.

“As falas do desembargador federal do Trabalho são preocupantes, ao desprezar o contexto de puerpério na atuação de uma colega mulher, desconsiderando que mulheres são maioria na advocacia no estado e no país, além de maioria da população e do eleitorado, além de eivadas de estereótipos de gênero prejudiciais que desqualificam a mulher”, continuou a entidade.

“Revendo novamente a filmagem, verifiquei que minha manifestação foi profundamente indelicada e infeliz, e gostaria de oferecer minhas mais sinceras desculpas não somente à Dra. Suzane Odane Teixeira Guimarães, mas a todas as sras. advogadas que tenham se sentido ofendidas com minhas palavras”, disse o magistrado. “Em mais de quarenta anos de magistratura e com a dedicação de outros mais de quarenta anos também ao magistério superior, impossível não cometer erros, mas imprescindível reconhecê-los para podermos seguir a eterna estrada do aprendizado. Até mesmo em respeito às mulheres de minha vida (minha falecida mãe, minha mulher, minha filha, minha nora e minha neta), lamento profunda e sinceramente pelo ocorrido e reitero meu respeito a todas as mulheres profissionais que não medem esforços a cumprir com a difícil missão de observarem suas jornadas múltiplas”, completou.

 

Fonte: O Liberal
Imagem: Reprodução

Um comentário em “‘Gravidez não é doença’, diz desembargador ao negar pedido de adiamento de julgamento à advogada prestes a dar à luz

  • 11 de outubro de 2023 em 15:15
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    O fato, muito constrangedor para o TRT/8ª, não me surpreende, em se tratando do juiz envolvido. Há mais de 25 anos, para ajudá-lo, lhe disse “que prestigio e admiração não são coisas passíveis de serem exigidas, mas sim conquistadas”, arrematando com a seguinte citação: “Um ser humano é uma parte do todo que nós chamamos de universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele sente a si mesmo, a seus pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto, um tipo de ilusão de ótica da consciência. Essa ilusão representa para nós uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos particulares e à afeição de algumas pessoas próximas. Nossa tarefa deve ser a de libertar-nos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão até que abarque todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza” (Albert Einstein).
    Infelizmente, passadas duas décadas e diante desta situação que a todos comove (maternidade), constato que o juiz Georgenor não assimilou a lição que com ele compartilhei.

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