Licenciamentos de portos e hidrovias em Santarém são alvos de ação judicial

O cenário de gradual incorporação de Santarém ao Corredor Logístico Tapajós-Xingu pela construção de novas obras portuárias despertou junto às comunidades tradicionais e povos ribeirinhos a preocupação quanto aos potenciais impactos ambientais na região do lago do Maicá. Diante disso, o Ministério Público Federal (MPF), através do Procurador da república Vitor Vieira Alves, entrou com ação civil pública junto à Justiça Federal contra o estado do Pará e o município de Santarém para que adequem seus processos de licenciamento ambiental de obras portuárias no município.

O Corredor Logístico Tapajós-Xingu é um conjunto de empreendimentos voltados à infraestrutura (rodovias, ferrovias, terminais de transbordo de cargas) com o objetivo de escoar de forma mais rápida os grãos produzidos no centro-oeste do Brasil e faz parte da iniciativa chamada Arco Norte, que inclui corredores de exportação através dos rios Madeira e Tocantins.

A ação, em caráter de tutela de urgência, exige que o governo do Pará e o município de Santarém incluam nos licenciamentos ambientais concedidos para portos e hidrovias itens obrigatórios como a realização de estudo prévio que analise o impacto ambiental, abrangendo a análise desse impacto sobre as comunidades indígenas e quilombolas, solicitando a manifestação de órgãos como a Funai e o Incra no início desse processo para que informem a potencialidade de impacto sobre outros territórios. Também foi pedido estudo sobre o impacto climático com a intenção de estabelecer condições que evitem, minimizem ou compensem os danos desses empreendimentos sobre a área, além do estudo de impacto climático antes da renovação da licença de operação de cada porto já em funcionamento.

Do Brasil é exigido, como Estado e signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Acordo de Paris, a adoção de medidas que mitiguem as mudanças climáticas e as emissões de gases de efeito estufa, portanto a inclusão de estudos de impacto climático no licenciamento ambiental de portos e hidrovias operando no país vai ao encontro das obrigações internacionais assumidas.

Os impactos ambientais da operação de vários portos em uma mesma região como o Corredor Tapajós-Xingu são cumulativos e seus efeitos já são sentidos como o aumento da grilagem de terras públicas, a especulação fundiária, extração ilegal de madeira, desmatamentos e queimadas ilegais, além de ameaças a lideranças que atuam na defesa dos direitos humanos e da natureza. Para o MPF, essas políticas de desenvolvimento equivocadas refletem a omissão do Estado em favor dos interesses de determinados grupos privados.

Na ação, o MPF também pede que a realização da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) dos povos e comunidades potencialmente afetados, seja feita por órgão ou entidade estatal e não pela empresa interessada, antes da autorização da licença prévia, da licença de instalação, da licença de operação e da renovação da licença de operação, seja obrigatória.

No caso do não cumprimento dessas obrigações, o MPF pede que todos os licenciamentos sejam anulados e multas diárias aplicadas.

Os itens exigidos na ação do MPF ganham caráter de urgência porque o município de Santarém possui um histórico de obras portuárias irregulares que atendem às vontades de empresas interessadas na instalação de portos.

Histórico de irregularidades e ameaças ao meio ambiente

Nos últimos dez anos o número de portos construídos no rio Tapajós dobrou. Os dados, da organização de defesa dos direitos humanos Terra de Direitos, demonstram que pelo menos metade dos portos em operação (são 27 atualmente) cometeu algum tipo de irregularidade no processo de licenciamento ambiental causando danos graves às comunidades tradicionais da região.

Os portos e hidrovias, como obras de infraestrutura logística, incentivam a expansão do agronegócio na região, com a supressão da vegetação nativa para uso alternativo do solo. Diante desse quadro, a lógica do estado, no licenciamento ambiental de obras portuárias, deve alinhar-se aos princípios do desenvolvimento sustentável, da ubiquidade, da prevenção, da precaução e pela legislação de regência.

O procurador da República Vítor Vieira Alves, na ação do MPF, mostra um histórico recorrente de descumprimentos, tanto pelo estado do Pará quanto pelo município de Santarém, da exigência de estudos dos impactos ambientais sobre a região e da consulta prévia junto aos povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados. Ele cita como exemplos os casos da empresas Cargill, Embraps e Atem’s. Especificamente sobre a Atem’s, o MPF aponta fraude no licenciamento quando a empresa requereu e obteve licença ambiental em dois processos de licenciamento diferentes para acelerar a análise, o que gerou a omissão em um dos requerimentos do caráter perigoso da carga operada nas atividades. A mesma Atem’s tem contra si mais uma ação civil pública por causa da ampliação das atividades de seu porto novamente sem consulta prévia aos povos tradicionais a serem afetados. A nova atividade, que torna o porto um escoador de soja, resultará no aumento significativo no fluxo de carretas e embarcações na região, o que prejudicará as atividades de pesca e navegação realizadas pelos povos e comunidades tradicionais. Além disso, haverá uma expansão do agronegócio sobre os territórios reivindicados por indígenas e quilombolas no Planalto Santareno, intensificando a pressão imobiliária e os conflitos fundiários na região. Essa ação civil pública também é direcionada ao estado do Pará.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) alerta que outras grandes empresas como a Cevital e a Ceagro possuem interesse na construção e instalação de portos graneleiros na área do Maicá, em Santarém. Segundo o instituto, a instalação desses portos sem a devida responsabilidade, trará “sérias ameaças à qualidade de vida dos sujeitos que têm suas vidas ligadas ao rio, como os ribeirinhos, pescadores, indígenas, quilombolas que residem próximos aos locais onde se pretende a instalação destes portos”.

Esse interesse, aliado ao histórico de irregularidades e a aquisição de áreas estratégicas por empresas do agronegócio para construção de mais portos, configura ao MPF risco concreto de novas violações e a implantação do Corredor Logístico Tapajós-Xingu é outro ponto de agravo, principalmente porque o atual Plano Diretor do município de Santarém designou o Lago do Maicá – o principal corpo hídrico pesqueiro de Santarém – como área portuária, contrariando a vontade manifestada por indígenas, quilombolas e pescadores artesanais na audiência pública realizada durante o processo legislativo. Essa decisão levou a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS a propor ação judicial contra o município de Santarém.

A degradação ambiental dessas áreas põe em risco o modo de vida dos povos tradicionais e comunidades, o perigo de desaparecimento de suas culturas é iminente e a proteção desses patrimônios, vital.

A tutela de urgência antecipada concedida pela Justiça permite ao judiciário abordar o problema a partir de uma visão macro da situação evitando outras ações civis públicas sobre obras individualizadas e já em instalação ou operação, o que trará uma maior economia processual. Além disso, proporciona maior segurança jurídica aos povos e comunidades através da cobrança de uma gestão mais responsável dos recursos públicos e das próprias empresas. A tutela de urgência não é apenas necessária, mas imperativa para evitar danos irreparáveis, proteger as culturas e direitos dos povos tradicionais e promover uma justiça socioambiental eficaz e econômica.

Por Rodrigo Neves

O Impacto

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