O retorno do Senador Eucolunbre para a presidência do Senado expõe a falta de compromisso do Congresso com a Democracia e a necessidade de uma reforma política urgente
A vitória de Eucolunbre para a presidência do Senado expõe a falta de compromisso dos parlamentares com a democracia e a necessidade urgente de uma reforma política.
A média de permanência de um senador ou deputado federal no Congresso Nacional do Brasil varia bastante, mas é comum que grande parte dos parlamentares permaneça no cargo por muitos anos. O mandato de um deputado federal dura quatro anos, sem limite de reeleições. Em média, um deputado se reelege duas vezes, permanecendo cerca de 8 a 12 anos no cargo. Entretanto, há casos de políticos que se reelegem por diversas legislaturas consecutivas, ultrapassando 20 ou até 30 anos de atuação. Já o mandato de um senador dura oito anos, e a taxa de reeleição no Senado é menor que na Câmara, com a maioria dos senadores não conseguindo mais de um mandato consecutivo.
O poder econômico e político dos parlamentares com forte base eleitoral e acesso a financiamento de campanha lhes confere maiores chances de permanência no cargo. Muitos, uma vez eleitos, utilizam o Parlamento como meio de enriquecimento ilícito, aproveitando-se das regalias do cargo. Além dos altos salários, desfrutam de mordomias como a nomeação de até 25 assessores divididos entre os gabinetes em Brasília e seus estados de origem, todos pagos com dinheiro público.
À medida que desenvolvem suas atividades parlamentares, esses políticos ganham experiência e são cooptados pelas chamadas “oligarquias políticas” a aderirem a práticas que, em muitos casos, não estão alinhadas com as premissas do partido ao qual pertencem. Com o tempo, aprendem os caminhos da corrupção, especialmente o acesso irrestrito aos recursos públicos, que servem de moeda de troca para atender aos interesses do governo federal e outros grupos políticos. O esquema das emendas parlamentares, hoje conhecidas como “emendas PIX”, configura um dos maiores escândalos políticos da história do Brasil.
O desvio de recursos públicos fortalece o caixa desses parlamentares, que se deslumbram com a facilidade para enriquecer e acumular fortuna. Como consequência, os interesses do Estado e dos eleitores ficam em segundo plano, enquanto a prioridade passa a ser a perpetuação no poder, a qualquer custo. Além disso, essa estrutura financeira garantida por emendas e pelo fundo partidário permite que políticos corruptos se reelejam sucessivamente, consolidando um jogo de poder vicioso e danoso à democracia.
Um exemplo recente desse ciclo vicioso é a volta do senador Eucolunbre à presidência do Senado Federal. Todos sabem das graves acusações que pesam contra ele, inclusive processos em curso no estado do Amapá, que envolvem, entre outras coisas, suspeitas de corrupção. Qualquer outro candidato a cargo público sob as mesmas acusações seria execrado, mas, no Parlamento, tudo é possível, desde que se esteja no lado certo do tabuleiro político. Esse conluio nas eleições internas do Congresso afeta a moralidade e a credibilidade da Casa Legislativa, especialmente em um período de instabilidade institucional, em que o Parlamento tem perdido prestígio e protagonismo, muitas vezes subordinando-se ao STF.
Como resolver esse problema?
A solução não é simples, pois os próprios parlamentares resistem a mudanças que possam limitar seus privilégios. No entanto, uma reforma política abrangente é necessária e urgente. Algumas medidas essenciais seriam:
Limitação a uma única reeleição para deputados, senadores e presidente da República no mesmo cargo.
Redução do mandato dos senadores para quatro anos, sem suplentes assumindo o cargo na ausência do titular.
Fim do fundo partidário, que atualmente financia campanhas políticas com dinheiro público.
Redução das verbas de gabinete e do número de assessores parlamentares.
Extinção das “emendas PIX”, que facilitam a barganha política e o desvio de recursos.
Redução do número de senadores e deputados federais, tornando o Legislativo mais enxuto e eficiente.
Exigência de nível superior para candidatos a senador e presidente da República e nível médio para deputados em todos os entes federados, incluindo os vereadores
Fim das votações secretas no Congresso, garantindo transparência nas decisões.
Reformulação dos regimentos internos para evitar manobras políticas, como a substituição arbitrária de membros de comissões parlamentares como aconteceu na CPMI do 08 de janeiro.
Facultatividade do voto, eliminando punições para quem optar por não votar.
Prestação obrigatória de contas de todas as verbas destinadas pelos parlamentares, com rigoroso controle do TCU.
Redução do número de partidos políticos, com regras rígidas para a criação de novas legendas.
Aplicação rigorosa da Lei da Ficha Limpa, impedindo a candidatura de políticos condenados.
Extinção da Justiça Eleitoral, transferindo suas funções para a Justiça comum com a criação de varas especializadas para eleições, já que às eleições são realizadas pela justiça estadual.
Transferência da competência para julgamento de parlamentares do STF para outra instância, evitando dependência política entre os Poderes.
Fim da propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio, que se tornou obsoleta diante do avanço das redes sociais.
Implementação do voto distrital, tornando os parlamentares mais próximos de seus eleitores.
Cobrança de aluguel para parlamentares que utilizam imóveis públicos em Brasília e rigoroso controle de gastos com material de expediente e combustível.
Proibição do voto para beneficiários de programas sociais do governo federal, evitando a manipulação eleitoral por meio da concessão de auxílios com fins políticos.
Essas mudanças devem ser aplicadas em todos os níveis da federação. A reforma política é o único instrumento capaz de evitar que o Congresso continue sendo um espaço para atender aos interesses de grupos políticos e do chefe do Executivo, sem compromisso com o povo brasileiro e a democracia.
O recente resultado da CPMI do 8 de janeiro expôs, mais uma vez, as entranhas desse sistema corrompido. O relatório da comissão ignorou fatos relevantes, enquanto o governo federal se recusou a liberar imagens cruciais, levantando suspeitas de ocultação da verdade. Entretanto, os mais prejudicados foram os cidadãos comuns, que enfrentaram prisões arbitrárias em um episódio sem precedentes na história democrática mundial.
Se conseguirmos evoluir nesse debate e implementar uma reforma política profunda, talvez possamos alcançar eleições mais justas e evitar episódios vergonhosos como a recondução de Eucolunbre à presidência do Senado. A escolha desse parlamentar, praticamente por aclamação, revela o verdadeiro funcionamento do Congresso: não importam os princípios morais ou a probidade administrativa, mas sim os conchavos e os interesses de quem domina os bastidores do poder.
A pergunta que fica é: o que foi acertado nas negociações políticas para essa eleição? O que está escondido por trás dessa quase unanimidade?
O que sabemos com certeza é que os parlamentares ficaram radiantes com a vitória de Eucolunbre. Afinal, para eles, o que está em jogo não é o futuro do Brasil, mas a perpetuação de seus próprios privilégios. Enquanto isso, nós, os pagadores de impostos, continuamos sendo os verdadeiros escravos do século XXI.
Por Carlos Augusto Mota Lima
Advogado