COP 30: STF autoriza abertura de inquérito para investigar grupo suspeito de fraude milionária em licitação

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de um inquérito para investigar uma suposta organização criminosa no Pará que teria arregimentado policiais para fazer saques milionários, cometido crimes eleitorais e praticado corrupção envolvendo uma licitação de R$ 142 milhões da COP 30, a conferência do clima que será realizada em Belém.

Posteriormente, diante das denúncias, a licitação foi suspensa. O governo do Pará, que licitou a obra, afirmou que não houve crime (veja mais abaixo).

O pedido de investigação foi feito pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, em 26 de fevereiro deste ano. O inquérito foi aberto em março. Gonet apontou indícios de que o deputado Antônio Doido (MDB-PA), que tem prerrogativa de foro perante o STF, comanda o esquema.

Além do deputado, são investigadas outras 11 pessoas, incluindo o secretário de Obras Públicas do Pará, Ruy Cabral, e o policial militar Francisco de Assis Galhardo do Vale, apontado como segurança do parlamentar.

O inquérito está sob sigilo. O caso foi revelado pelo site “Metrópoles”. A reportagem teve acesso ao pedido de inquérito formulado pela PGR.

Segundo o órgão, o suposto esquema tem duas empresas centrais cujos donos são ligados ao deputado Antônio Doido:

  • a J. A Construcons Civil Ltda, registrada em nome de Andrea Dantas, esposa do parlamentar. Entre 2020 e 2024, o governo paraense pagou R$ 911 milhões para essa empresa em vários contratos;
  • e a JAC Engenharia Ltda, registrada em nome de Geremias Hungria, funcionário de uma fazenda do deputado localizada em Tomé-Açu, no interior do Pará.

Obra da COP e saque milionário

Em maio de 2024, a Secretaria de Obras Públicas do estado abriu licitação para execução da Perna Norte da rua da Marinha até o Canal do Bengui, em Belém, uma obra prevista, segundo documentos no site do governo, como parte das melhorias para a COP 30, que será realizada em novembro.

A J. A Construcons Civil Ltda e a JAC Engenharia Ltda formaram o Consórcio Perna Norte e apresentaram uma proposta de R$ 142,3 milhões, em 20 de setembro de 2024.

Além de as duas empresas “serem suspeitas de pertencer ao deputado federal”, de acordo com a PGR, na mesma data (20/09/2024) o coronel da PM Francisco de Assis Galhardo do Vale, segurança de Antônio Doido, sacou R$ 6 milhões em um banco na cidade de Castanhal (PA) e tentou se encontrar com o secretário estadual de Obras, Ruy Cabral.

A Polícia Federal só veio a descobrir esse saque e as mensagens trocadas entre o PM e o secretário ao prender o coronel Galhardo e apreender seu celular em uma ocasião posterior — quando o policial fez um outro saque milionário às vésperas das eleições municipais.

Flagrante eleitoral e corrupção

Em 4 de outubro de 2024, o coronel Galhardo e Geremias Hungria, o dono formal da JAC Engenharia, foram presos em flagrante ao sacarem quase R$ 5 milhões em um banco de Castanhal.

A PF chegou até eles por meio de uma denúncia anônima. Na ocasião, a suspeita era de que o dinheiro vivo sacado seria usado para comprar votos nas eleições que se aproximavam.

A investigação de crime eleitoral, contudo, foi ampliada quando os policiais analisaram as mensagens achadas no celular do coronel Galhardo.

A PGR relatou ao STF que, no mesmo dia que o Consório Perna Norte se habilitou para a licitação, o coronel Galhardo sacou R$ 6 milhões (em 20/09/2024), “conforme se extrai das comunicações interceptadas, [ele] efetuou chamada de voz para ‘Rui Secretário’ — aparentemente o Secretário Benedito Ruy Santos Cabral —, o qual consta como ordenador da licitação”.

“As mensagens interceptadas indicam a intenção de se encontrarem de forma presencial, pouco mais de duas horas após o consórcio ter sido declarado habilitado.”

Nas mensagens, o secretário de Obras, Ruy Cabral, escreveu para o coronel Galhardo: “Vem”. O policial respondeu com três mensagens, depois apagadas, e tentou fazer uma chamada de voz.

Quarenta minutos depois, o secretário estadual escreveu novamente para o PM: “Entra. Vem. Na minha porta atrás”.

Conforme a investigação, houve, porém, um desencontro naquele dia e os dois suspeitos só conseguiram se reunir quatro dias depois, em 24 de setembro.

Para a PGR, “as atividades detalhadas sugerem a ocorrência de crimes de corrupção passiva e ativa”, além de “violações das normas que regem a administração pública e o gerenciamento de recursos públicos no contexto de licitações e contratos administrativos”.

Nas mensagens de Galhardo, além dos contatos com o secretário de Obras, havia também mensagens com outros políticos, como prefeitos paraenses, e sobre uma reunião na Assembleia Legislativa do estado — elementos que sugerem corrupção, segundo as investigações.

Em 15 de janeiro de 2025, o governo estadual revogou a habilitação do Consórcio Perna Norte e desfez o negócio — “possivelmente em razão das sucessivas denúncias que questionavam a lisura do procedimento licitatório, bem como em decorrência da prisão em flagrante de seu sócio-administrador, Geremias Hungria, em outubro de 2024”, observou a PGR.

As empresas ligadas a Antônio Doido não ficaram com o contrato e acabaram não recebendo pela obra da Perna Norte.

A J. A Construcons Civil Ltda participa de outra obra da COP 30, essa com recursos federais, segundo relatório do governo estadual: a de infraestrutura dos canais do Bengui e Marambaia e de adequação viária da rua das Rosas, em Belém, a um custo de R$ 123,3 milhões.

Esse contrato não é citado como suspeito pela PGR, mas o órgão pediu ao STF o aprofundamento das investigações justamente para tentar descobrir se o dinheiro movimentado pelo grupo saiu de outras obras tocadas pelas empresas suspeitas.

Rede de PMs e lavagem

Um Relatório de Inteligência Financeira produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que consta do inquérito, mostra que o coronel Galhardo sacou dinheiro 15 vezes em 2023 e 2024, totalizando R$ 48,8 milhões.

Com base em mensagens, a investigação diz que o coronel e sua esposa, também suspeita, “manipulavam recursos financeiros oriundos da empresa J. A Construcons Ltda utilizando pessoas jurídicas intermediárias” — como, por exemplo, contas bancárias associadas a casas lotéricas, “de onde [os valores] eram fisicamente retirados em sacolas plásticas comuns ou sacos de lixo” pelo próprio Galhardo ou por outros policiais.

“[Galhardo] é responsável por selecionar, controlar e coordenar uma rede de agentes da Polícia Militar para desempenhar a função de segurança privada de Antônio Leocádio dos Santos [o deputado Antônio Doido]”, diz a PGR com base em mensagens de um grupo de WhatsApp chamado “Segurança AD”, em referência às iniciais do parlamentar.

“Um dos focos de atuação dos agentes consiste em prestar apoio operacional a Francisco Galhardo no saque de elevados numerários.”

A PGR destacou também uma mensagem enviada por Galhardo à sua mulher, na qual o PM diz que “o Antônio [Doido] pediu para pegar 600k [R$ 600 mil] com um cara aqui em Belém. Esperando o cara me informar o local”.

“Todas essas operações financeiras constituem parte do ciclo típico de lavagem de dinheiro […]. Os valores foram obtidos, possivelmente, mediante a prática de crimes de corrupção e fraude à licitação”, afirmou a PGR ao ministro Dino.

O que dizem os investigados

A reportagem procurou o gabinete do deputado Antônio Doido e a Polícia Militar do Pará para se manifestarem sobre o inquérito no STF e esclarecerem as relações entre os investigados. Não houve resposta até a última atualização desta reportagem.

  • Governo do Pará

O governo do Pará afirmou, por meio de nota da Secretaria de Obras Públicas, que não houve pagamentos para as empresas investigadas e que o secretário estadual não recebeu vantagens indevidas. Leia a nota na íntegra:

“Não houve quaisquer pagamentos do governo do Estado do Pará para as empresas J.A Construcons e JAC Engenharia relacionados à Concorrência 90014/2024. O referido certame foi formalmente revogado, por razões estritamente técnicas, em dezembro de 2024. Ou seja, a licitação citada pela reportagem foi encerrada antes mesmo de ser executada.

É importante destacar também que, no período noticiado pela imprensa de saques em dinheiro atribuídos a um oficial da PM, não havia nenhuma empresa declarada vencedora da concorrência posteriormente cancelada. Naquela ocasião, havia apenas um grupo habilitado a participar do certame, inclusive com abertura de prazo para recursos.

No exercício de suas funções, o Secretário-Executivo da SEOP, Benedito Ruy Cabral, jamais celebrou contratos ou manteve relações comerciais com integrantes da Polícia Militar do Pará, não participou de reuniões com o policial mencionado, não recebeu bens, valores ou benefícios e não foi notificado sobre investigação que o envolva. Sua interlocução com órgãos públicos e representantes da sociedade civil ocorre exclusivamente para atender ao interesse público, sem qualquer vínculo de natureza privada.

O Governo do Pará reitera que não foi acionado ou notificado sobre qualquer procedimento investigativo relacionado às contratações citadas e que, caso isso ocorra, adotará imediatamente as medidas cabíveis e apresentará todas as informações necessárias para a apuração dos fatos, reafirmando seu compromisso com a probidade e a transparência na gestão pública.”

Fonte: G1/Pará

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