O CICLO VICIOSO QUE BERNARDO CABRAL DENUNCIOU EM 1966
Há quase 60 anos, um deputado amazonense alertava sobre a internacionalização da Amazônia. Não ouvimos. Hoje vivemos as consequências.
Por Fábio Maia
Em 1966, um jovem deputado federal pelo Amazonas subiu à tribuna da Câmara dos Deputados para fazer um discurso que mudaria sua vida. Bernardo Cabral denunciou as tentativas de internacionalização da Amazônia por instituições estrangeiras, especificamente o Hudson Institute, uma organização de pesquisa norte-americana que promovia projetos polêmicos na região com o pretexto de “desenvolvimento”.
Aquele discurso lhe custou caro. Em 1968, teve seu mandato cassado pelo AI-5, seus direitos políticos suspensos por dez anos e sua carreira de professor universitário interrompida. Por quê? Porque denunciou o que não podia ser dito: a Amazônia era alvo de interesses internacionais disfarçados de boa vontade.
Quase sessenta anos depois, olhamos ao redor e percebemos algo perturbador: Bernardo Cabral estava absolutamente certo. E nós caímos na armadilha que ele tentou evitar.
A ARMADILHA QUE MUDOU DE NOME
O Hudson Institute havia lançado em 1967 o Projeto Grandes Lagos Amazônicos, um plano que propunha alagar vastas áreas da Amazônia para criar lagos artificiais gigantescos. Oficialmente tratava-se de “desenvolvimento sustentável da região”. Na prática, era controle territorial disfarçado de projeto científico, prevendo construção de mega-barragens, reassentamento de populações inteiras e controle sobre recursos hídricos e minerais.
Bernardo Cabral viu a armadilha e denunciou. Poucos acreditaram. Muitos o chamaram de paranoico nacionalista. A resistência que ele e outros ajudaram a construir conseguiu barrar aquela estratégia específica, mas o que aconteceu depois foi ainda mais sofisticado.
Nos anos 1960 e 70, a estratégia era vender “desenvolvimento” através de grandes projetos de infraestrutura e investimentos estrangeiros. Quando essa tática foi desmascarada e encontrou resistência, simplesmente mudaram o discurso. A partir dos anos 1980 e 90, a nova estratégia virou “preservação” – proteção ambiental, direitos de povos tradicionais, sustentabilidade. Mesma intenção de controle territorial, discurso diferente e muito mais palatável.
E funcionou perfeitamente. Porque agora quem questiona é rotulado de destruidor da floresta, negacionista climático ou inimigo dos povos tradicionais. A armadilha se fechou, e desta vez nós a aceitamos de braços abertos.
O CICLO QUE NOS APRISIONA
Desde que aceitamos a bandeira do ambientalismo destrutivo, vivemos presos em um ciclo infernal que se retroalimenta. ONGs e instituições internacionais barraram infraestrutura básica – rodovias, ferrovias, portos, energia, tudo travado. Sem infraestrutura não há desenvolvimento. Sem desenvolvimento, a pobreza aumenta inexoravelmente. Em Santarém vemos isso claramente: cinquenta mil pessoas no Bolsa Família, trinta e cinco por cento da população em estado de pobreza.
A população empobrecida torna-se dependente de programas sociais, de repasses estatais, ironicamente muitas vezes dos próprios projetos das ONGs que bloquearam o desenvolvimento. Uma geração inteira cresce sem perspectiva, jovens não veem futuro na região, os mais talentosos vão embora, quem fica desiste de empreender. O espírito empreendedor e produtivo que caracterizava nossa população simplesmente definha.
E então a pobreza resultante é usada como justificativa para ainda mais “proteção”. Mais ONGs chegam, mais recursos internacionais fluem, mais bloqueios são impostos. O ciclo recomeça, perpetuamente. Não é coincidência, não é paranoia – é uma estratégia documentada que opera há sessenta anos de forma coordenada, financiada e resiliente.
OS EXECUTORES ENTRE NÓS
O mais doloroso de tudo é perceber que muitos dos que executam essa agenda destrutiva são pessoas da nossa própria região. Existem fundamentalmente dois tipos. A grande maioria são o que poderíamos chamar de “escravos úteis” – professores universitários que repetem cartilhas prontas, estudantes doutrinados com “consciência ambiental”, lideranças comunitárias cooptadas por ONGs, servidores públicos que aplicam burocracias sem questionar, jornalistas que propagam a narrativa acriticamente. Essas pessoas acreditam genuinamente que estão salvando a Amazônia, não percebem que são instrumentos de agenda externa, atuam por ideologia e não por dinheiro. São bem-intencionados, mas funcionalmente destrutivos.
Depois existe a minoria que controla – dirigentes de ONGs com salário em dólar, coordenadores de redes ambientalistas, consultores internacionais baseados aqui, operadores políticos que articulam os bloqueios. Esses sabem exatamente o que estão fazendo, atuam conscientemente pela agenda externa e lucram pesadamente com a miséria regional, usando os primeiros como massa de manobra. Os idealistas executam por convicção, os mercenários comandam por interesse, mas ambos destroem nossa região com igual eficiência.
SANTARÉM: POTENCIAL ROUBADO
Nossa cidade exemplifica perfeitamente esse ciclo vicioso. Temos localização estratégica privilegiada onde o Tapajós encontra o Amazonas, um porto natural invejável, somos o centro logístico nato do Norte, possuímos belezas naturais como Alter do Chão e uma população trabalhadora. Deveríamos ser prósperos.
A realidade imposta é outra: cinquenta mil no Bolsa Família, trinta e cinco por cento em pobreza, noventa por cento do esgoto jogado no rio, infraestrutura precária, juventude sem perspectiva e dependência estatal crescente. Por quê? Porque cada tentativa de desenvolvimento é sistematicamente bloqueada por essa rede de controle que opera há seis décadas.
Quando a Repam pressiona o STF para barrar a Ferrogrão, quando o Ministério Público embarga portos licenciados, quando a UFOPA recomenda demarcar Alter do Chão, quando articulam a criação de comitês burocráticos para controlar usos da água – em todos esses casos o padrão é idêntico: bloqueio leva ao empobrecimento, que gera dependência, que justifica mais bloqueios.
A PERGUNTA QUE PERSISTE
Se realmente fosse sobre proteção ambiental, por que ignoram os noventa por cento do esgoto que Santarém despeja nos rios diariamente? Se fosse sobre povos tradicionais, por que só os consultam para barrar projetos, nunca sobre invasões ou poluição municipal? Se fosse sobre desenvolvimento sustentável, por que uma ferrovia que reduz setenta por cento das emissões é bloqueada?
A resposta é uma só: porque nunca foi sobre proteção, povos ou sustentabilidade. Sempre foi sobre controle territorial e domínio econômico. Bernardo Cabral sabia disso em 1966 e pagou caro por denunciar.
Hoje a armadilha está mais sofisticada, mais camuflada, mais eficiente. Trocaram “desenvolvimento” por “preservação”, mantiveram o controle territorial, aperfeiçoaram a dominação econômica. E nós? Aceitamos a narrativa, abraçamos a bandeira e caímos de cabeça no ciclo vicioso.
CONSEGUIREMOS ROMPER?
A pergunta que não quer calar é se algum dia conseguiremos sair desse ciclo. Algum dia teremos liberdade para decidir nosso próprio futuro? Ou estamos condenados a ser eternamente o quintal pobre do mundo, controlados por interesses externos, executados por nossos próprios vizinhos, sempre prometendo um futuro próspero que nunca se concretiza?
Para romper esse ciclo precisaríamos de consciência histórica – entender que isso não começou ontem, reconhecer o padrão de sessenta anos, conectar o Hudson Institute de 1967 com a Repam de 2025. Precisaríamos identificar claramente os atores locais, tanto os idealistas cegos quanto os mercenários conscientes. Precisaríamos rejeitar coletivamente a narrativa, questionar o ambientalismo destrutivo, expor a hipocrisia dos bloqueios seletivos, denunciar o uso de instituições respeitadas para agenda externa. E principalmente, precisaríamos exigir nossa liberdade – o direito de decidir nosso futuro, de desenvolver nossa região, de prosperar sem tutela externa.
Bernardo Cabral tentou nos avisar há sessenta anos. Foi silenciado pela ditadura do lobby ambiental da época. Hoje, quem tenta avisar é silenciado pela ditadura do politicamente correto ambientalista. Mesma estratégia, diferentes censores.
A pergunta permanece sem resposta: conseguiremos romper esse ciclo, ou continuaremos prisioneiros de uma armadilha armada há sessenta anos, executada por nossos próprios vizinhos, financiada por interesses externos, enquanto fingimos que é tudo “proteção ambiental”?
Quanto tempo mais vamos ignorar o óbvio? O futuro que nunca chega foi roubado há sessenta anos. E continua sendo roubado a até hoje.
Há 60 anos, Bernardo Cabral denunciou a armadilha. Foi silenciado. Hoje, vivemos prisioneiros do ciclo vicioso que ele tentou evitar. Até quando?
FONTES E REFERÊNCIAS
Bernardo Cabral: Biografia oficial – Senado Federal; “Bernardo Cabral, 70 anos de advocacia” – Editora JC (2025)
Hudson Institute: “Seria a Hileia uma arena de baixo custo na lógica de poder da Guerra Fria? O caso dos Grandes Lagos Amazônicos (1964-1968)” – ResearchGate (2014)
Dados de Santarém: IBGE/Cadastro Único – MDS; IBGE – Síntese de Indicadores Sociais; SNIS 2023
Fábio Maia é vice-diretor de Patrimônio da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (ACES), e autor do estudo “Relatório Analítico Regional: Crise da Autossuficiência Alimentar”.
Também é autor do livro “O Ambientalismo como Nova Forma de Colonialismo na Amazônia”, que você pode adquirir a versão impressa clicando aqui ou na imagem abaixo:



