O CÍRIO DE BELÉM E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Por Carlos Augusto Mota Lima – Advogado Criminalista
Conhecida por suas interpretações regionais, especialmente pela canção bastante tocada “No Meio do Pitiú”, Dona Onete costuma fazer uma curiosa “previsão do tempo” observando a movimentação dos urubus na feira do Ver-o-Peso, às margens da Baía do Guajará. Em um dos trechos da canção, ela diz: “Urubu sobrevoando / eu logo pude prever / parece que vai chover / parece que vai chover.”
Como todos sabem, amanhã é o Círio de Nazaré, a maior procissão religiosa do mundo. Quem conhece Belém sabe bem como as coisas funcionam por aqui: clima extremamente quente, alta umidade do ar e chuvas quase diárias. Embora exista uma tradição já incorporada à cultura paraense, e até motivo de memes, de que a chuva só cai depois do almoço, isso não deixa de ser, em parte, verdadeiro. Ainda assim, nada impede que chova em qualquer momento do dia.
Mas fica a curiosidade: será que, durante a procissão, já choveu alguma vez? Não há registros de que isso tenha acontecido. Na verdade, o que existe é um registro histórico de 1853, quando o Círio ainda ocorria à tarde, e uma forte chuva torrencial fez com que o evento fosse transferido para o período da manhã. Desde então, não há notícias de temporais ou imprevistos climáticos durante a procissão. Essa festa popular não tem data fixa, mas sempre ocorre no segundo domingo de outubro.
O Círio acontece sempre sob um sol escaldante, de quase 40 graus. É praticamente insuportável caminhar descalço durante toda a romaria. A única justificativa para que homens e mulheres enfrentem o asfalto ardente é a fé. Somente a fé ardente do povo paraense é capaz de sustentar tamanha devoção.
O Círio é um espetáculo à parte. A caminhada, embora exaustiva, é logo recompensada. Essa verdadeira gincana religiosa, que atrai milhões de pessoas, culmina em um momento memorável: os romeiros, exaustos, retornam às suas casas e são recebidos pelo aroma da maniçoba e do pato no tucupi, que despertam seus instintos mais primitivos de sobrevivência. É o instante sagrado do reencontro familiar. Reúnem-se para festejar, rir, contar histórias de calos nos pés, sandálias perdidas, sapatos esquecidos, desmaios e desistências, tudo entre risos, brincadeiras e muita comida. O Círio é, ao mesmo tempo, uma festa profano-religiosa, que une corações, reforça a fé e cultiva a solidariedade.
Você deve estar se perguntando: o que Dona Onete tem a ver com tudo isso? Na verdade, nada diretamente. É apenas uma referência bem-humorada à sabedoria popular de prever chuva observando urubus. Mas também serve para refletirmos sobre os exageros e distorções que envolvem o debate ambiental, muitas vezes manipulados por interesses políticos e econômicos pouco transparentes.
A COP 30, prestes a ocorrer aqui em Belém, é o locus perfeito para reparar essas distorções e injustiças. De pessoas com boas intenções, o inferno está cheio; precisamos de atitudes concretas para corrigir as injustiças sofridas pela população do Norte do país, especialmente em relação aos povos originários, povos indígenas que hoje são impedidos de promover sua autossustentabilidade, sendo obrigados, por organizações internacionais, a viver ainda como se estivessem no ano de 1500, data do descobrimento do Brasil.
Apesar de todas as previsões e discursos em torno do clima, o fato é que jamais choveu durante o Círio de Nazaré, uma coincidência curiosa que parece desafiar a lógica amazônica. Talvez seja apenas obra do acaso, ou talvez um lembrete simbólico de que há fenômenos que a ciência ainda não explica, mas que a fé compreende com naturalidade. O meio ambiente, sem dúvida, requer responsabilidade e ação concreta, mas também discernimento diante de discursos oportunistas que exploram a boa-fé popular. Que a COP 30, sediada em solo paraense, seja mais do que uma vitrine de promessas e se torne, de fato, um ponto de partida para compromissos reais com a natureza e com a verdade.
Sobre o autor
Advogado criminalista, inscrito na OAB/PA sob o nº 4725. Ex-professor de Direito Penal da Universidade da Amazônia (UNAMA) e da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Santarém.Pós-graduado em Ciências Penais, Direito Constitucional e Segurança Pública.Ex-delegado de Polícia Civil, tendo exercido as funções de Delegado Regional e Corregedor Regional do Oeste do Pará, além de ex-Defensor Público do Estado.
O Impacto



ótimo texto, esqueceu de encaixar a safada da Fafá hipócrita, que só comparece pra levar uma bolada de dinheiro do estado através do seu cumprese Hélder Barbalho.