NO PAÍS DAS MARAVILHAS: QUANDO O MPF DECIDE QUE LICENÇA ESTADUAL NÃO VALE NADA
Por Fábio Maia
Existe um lugar mágico onde as leis federais não valem, onde licenças estaduais emitidas por órgão competente são “irregulares por natureza”, onde empresas que seguem todos os trâmites legais são tratadas como criminosas e onde a solução para tudo é demolir. Esse lugar chama-se Ministério Público Federal – seção Santarém.
A mais recente aventura dessa turma no País das Maravilhas envolve a ATEMS Distribuidora de Petróleo e seu terminal portuário. A empresa possui Licença de Operação nº 14455/2023, emitida pela SEMAS-PA, válida até 2027, com todas as condicionantes ambientais estabelecidas e cumpridas. Mas isso é detalhe irrelevante quando se vive na fantasia jurídica do MPF.
A LICENÇA QUE EXISTE, MAS NÃO EXISTE
A ATEMS tem uma Licença de Operação emitida pelo órgão estadual competente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS). A licença autoriza a operação de terminal de armazenamento, cais flutuante, tubovia subaquática e todas as estruturas necessárias para o funcionamento do porto.
Está tudo lá: coordenadas geográficas (DATUM SIRGAS2000), descrição detalhada das instalações, condicionantes ambientais específicas, prazos de monitoramento, exigências de relatórios anuais. É uma licença robusta, técnica, com 18 condicionantes que vão desde monitoramento de qualidade da água até planos de emergência individual.
Mas para os procuradores que vivem no País das Maravilhas, isso não importa. Porque lá, licença estadual não vale nada quando contraria a narrativa preferida.
A PORTARIA 60/2015: AQUELA LEI QUE O MPF ESCOLHE QUANDO LER
A Portaria Interministerial nº 60/2015 regulamenta a Convenção 169 da OIT para processos de licenciamento ambiental. E aqui começa o show de mágicas jurídicas do MPF: eles usam a portaria quando convém e ignoram quando não serve à narrativa.
A portaria foi criada para grandes projetos de competência federal: portos graneleiros como Santos e Paranaguá, hidrovias, grandes rodovias e ferrovias que atravessam terras indígenas. São megaempreendimentos que exigem EIA/RIMA justamente por seu porte e impacto.
E o que é a ATEMS? Um terminal de distribuição de combustíveis. Não é porto graneleiro. Não é hidrovia. Não é rodovia federal. É uma base de distribuição – atividade de utilidade pública regulada por lei federal específica.
Mas no País das Maravilhas do MPF, essa distinção não existe. Para eles, distribuir combustível é igual a construir o Porto de Santos. Um terminal com 8 tanques é equivalente a uma hidrovia de mil quilômetros. Tudo vira “porto” quando se quer inviabilizar.
O ANEXO QUE O MPF FINGE NÃO TER LIDO
A Portaria 60/2015 tem um Anexo I que estabelece com precisão cirúrgica quais atividades exigem consulta prévia e qual o raio de impacto direto para cada tipo de empreendimento.
Terminal de distribuição de combustíveis está no anexo? Não.
Bases de armazenamento e distribuição exigem consulta prévia? Não, porque não estão enquadradas como atividades de impacto significativo que justifiquem o procedimento.
Mas isso é irrelevante para os procuradores. Se a portaria não enquadra o empreendimento, eles exigem assim mesmo. Porque no País das Maravilhas, a lei é sugestão, não obrigação – pelo menos quando se trata de limitar o MPF.
O RAIO MÁGICO QUE MUDA CONFORME A CONVENIÊNCIA
A portaria estabelece raios específicos de impacto direto – geralmente 10km para determinados tipos de empreendimentos enquadrados. Mas veja como funciona a matemática no País das Maravilhas:
Comunidade a 9,99km do empreendimento? “Está dentro do raio! Tem que fazer consulta! Não abrimos mão nem por um metro!”
Comunidade a 11km do empreendimento? “Pedimos bom senso do empreendedor para fazer consulta mesmo estando fora do raio técnico estabelecido.”
É a régua de dois pesos e duas medidas em sua forma mais pura. Quando favorece a narrativa, seguem a portaria ao milímetro. Quando não favorece, pedem “sensibilidade” e “bom senso” para ir além do que a lei exige.
BASE DE DISTRIBUIÇÃO ≠ PORTO GRANELEIRO
Aqui vai uma aula básica de direito e engenharia para os procuradores:
Um terminal de distribuição de combustíveis é uma base de armazenamento e distribuição. É regulado por legislação específica de petróleo e derivados. É considerado serviço de utilidade pública porque sem ele, a região para.
Um porto graneleiro movimenta milhões de toneladas de grãos, tem dezenas de navios simultâneos, impacta diretamente a navegação regional, gera tráfego massivo de caminhões, altera a dinâmica econômica e ambiental de forma significativa.
São atividades completamente diferentes com impactos completamente diferentes. Aplicar os mesmos critérios para ambos é como exigir licença de caminhão para quem tem bicicleta.
Mas no País das Maravilhas, nuances técnicas são “detalhes irrelevantes”. Porto é porto, base é porto, cais é porto, ponte sobre rio é porto. Tudo vira “porto graneleiro” quando se quer aplicar a Portaria 60/2015 onde ela não deveria ser aplicada.
A EMPRESA QUE “DESTRUIU” O BAIRRO (CONSTRUINDO INFRAESTRUTURA)
Aqui está outro absurdo que o MPF convenientemente ignora: a ATEMS investiu pesado em infraestrutura pública no bairro.
O que a empresa fez:
- Construiu ponte dupla de concreto na Dom Frederico, ligando a Área Verde
- Construiu ponte na Trans-Maicá próximo a Base.
- Abriu a estrada Trans-Maicá (antes era ramal intransitável)
- Despejou milhares de metros cúbicos de piçarra nas ruas do bairro
- Mantém apoio à associação comunitária (Natal, dias das Mães etc.)
E a reação da comunidade? Existem declarações de moradores A FAVOR da ATEMS, reconhecendo os benefícios que a empresa trouxe.
Mas no País das Maravilhas, melhorar infraestrutura local é “dano moral coletivo”. Pavimentar ruas é “atrocidade ambiental”. Construir pontes é “crime contra a comunidade”.
A lógica é impecável: empresa que investe em benefícios públicos deve ser demolida e pagar indenização. Faz todo sentido – se você vive na fantasia jurídica do MPF.
O ÓRGÃO LICENCIADOR QUE NÃO SABE LICENCIAR
Aqui está a questão fundamental que o MPF não consegue responder: como a empresa fez procedimento errado se obteve todas as licenças sem um único auto de infração administrativo?
A SEMAS é o órgão estadual competente para licenciamento ambiental. Tem corpo técnico especializado, engenheiros, biólogos, geólogos. Analisou o projeto, fez vistorias, estabeleceu 18 condicionantes específicas e emitiu a licença.
Houve alguma irregularidade administrativa identificada pela SEMAS? Não.
Houve auto de infração por descumprimento de exigências? Não.
A empresa cumpriu tudo que foi exigido pelo órgão licenciador? Sim, senão não teria recebido a licença.
Então a pergunta que fica: os procuradores do MP sabem mais de licenciamento ambiental que o órgão técnico especializado do estado?
No País das Maravilhas, aparentemente sim. Os técnicos da SEMAS estudaram, analisaram, aplicaram a legislação corretamente. Mas o procurador – que não é engenheiro ambiental, não é especialista em licenciamento, não conhece as especificidades técnicas da atividade – sabe mais que todos eles.
É a arrogância institucional em sua forma mais pura.
O ESTUDO QUE DEVERIA EXISTIR PORQUE O MPF QUER
O MPF argumenta que deveria ter sido feito EIA/RIMA. Mas aqui está o detalhe técnico que eles preferem ignorar: EIA/RIMA só é exigido quando a portaria determina que é necessário.
A Portaria 60/2015 vincula a exigência de consulta prévia aos empreendimentos que necessitam de EIA/RIMA. Então, se não é EIA/RIMA, não necessariamente tem consulta prévia obrigatória.
E bases de distribuição de combustível no Pará exigem EIA/RIMA? “Não”. Nenhuma delas. Nem em Santarém, nem em Belém, nem em qualquer outro município do estado. É um processo “sacramentado” tecnicamente baseado no porte e impacto das atividades.
Mas no País das Maravilhas, precedentes técnicos não importam. A SEMAS licenciou dezenas de bases sem exigir EIA/RIMA? Irrelevante. A metodologia é consolidada e aceita nacionalmente? Não importa. O MPF decidiu que ESTA base específica deveria ter EIA/RIMA. Porque sim. Porque eu quero!!
A “CONSULTA PRÉVIA” A QUEM ESTÁ A 50KM DE DISTÂNCIA
A Convenção 169 da OIT exige consulta prévia a povos e comunidades tradicionais “potencialmente afetados”. Potencialmente afetados. Não é qualquer comunidade em um raio de 100km. São aquelas que sofrerão impacto direto, concreto, mensurável.
Mas no mundo da fantasia jurídica do MPF, qualquer comunidade quilombola no mesmo município é “potencialmente afetada”, mesmo que esteja a quilômetros de distância, sem qualquer conexão com a área do empreendimento, sem risco de impacto em suas atividades.
É a aplicação da “teoria da borboleta” ao direito ambiental: qualquer atividade em Santarém pode afetar uma comunidade a 50km porque… porque sim. Porque achamos. Porque queremos.
A SOLUÇÃO FINAL: DEMOLIR
E qual é a solução proposta por esses gênios do direito? Demolir. Destruir estruturas que custaram milhões de reais, que geraram centenas de empregos, que são essenciais para o abastecimento regional de combustíveis. Demolir porque a licença estadual, embora existente e válida, não agrada ao MPF.
O procurador argumenta que “manter as obras seria conceder benefício indevido ao infrator”. Infrator de quê? A empresa tem licença! Emitida pelo órgão competente! Com todas as exigências cumpridas!
Mas no País das Maravilhas, seguir a lei e cumprir os procedimentos legais é “infração”. E a pena por obedecer às regras? Demolição sumária.
O “DANO MORAL COLETIVO” IMAGINÁRIO
O MPF quer indenização por “dano moral coletivo”. A Justiça, em raro momento de lucidez, negou esse pedido por falta de provas de “lesão grave, injusta e intolerável a valores fundamentais da coletividade”.
Mas o MPF apela. Porque no seu universo fantástico, o simples fato de uma empresa obter licença legal e operar conforme autorizado é uma “lesão grave” à sociedade. O dano moral coletivo está nos olhos de quem quer enxergá-lo, independentemente da realidade paralela em que vive.
A CONSEQUÊNCIA PRÁTICA: NINGUÉM INVESTE
Enquanto os procuradores brincam de Alice no País das Maravilhas com suas interpretações criativas da lei, o recado aos investidores é claríssimo: não invistam em Santarém.
Mesmo tendo licença estadual regular, mesmo cumprindo todas as exigências, mesmo operando dentro da legalidade, vocês podem ser processados, terem suas estruturas demolidas e ainda pagarem indenizações milionárias por “dano moral coletivo”.
É o ambiente perfeito para afugentar investimentos, destruir empregos e manter a região na eterna dependência e pobreza.
CONCLUSÃO: ABASTECE O CARRO OU DÁ O EXEMPLO?
Aqui vai a pergunta final para os procuradores que vivem no País das Maravilhas: vocês deixam o carro sem abastecer para dar exemplo de “consciência ambiental”?
Porque distribuir combustível é utilidade pública. É serviço essencial. Sem ele, a região para. Ambulâncias não rodam. Bombeiros não atendem. Caminhões de alimentos não chegam aos mercados. A economia trava.
Mas vocês não vivem sem combustível, não é mesmo? Enchem o tanque toda semana. Usufruem do serviço essencial que a ATEMS presta. E depois processam a empresa que garante esse abastecimento.
É a hipocrisia em sua forma mais destilada: querem o conforto da civilização, mas criminalizam quem a torna possível.
BEM-VINDOS AO PAÍS DAS MARAVILHAS
A ATEMS tem licença válida. Cumpre todas as condicionantes. Opera dentro da legalidade. Investiu em infraestrutura pública. Gera empregos. Presta serviço essencial de utilidade pública. Tem apoio da comunidade local.
Mas no País das Maravilhas do MPF, tudo isso é irrelevante. Porque lá:
- Licença estadual não vale nada
- Portaria federal só vale quando convém
- Terminal de combustível é porto graneleiro
- Investimento em infraestrutura é crime
- Raios de 10km viram 50km quando necessário
- Órgão técnico especializado não sabe licenciar
- Procurador sabe mais que engenheiros
- Seguir a lei é motivo para demolição
É o Brasil do absurdo jurídico, onde a regra muda no meio do jogo conforme a conveniência ideológica dos procuradores.
Bem-vindos ao País das Maravilhas. Onde a única certeza é: não invista em Santarém. Seria cômico se não fosse trágico…
Fábio Ivaldo Vieira Maia é vice-diretor de Patrimônio da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (ACES).
Também é autor do livro “O Ambientalismo como Nova Forma de Colonialismo na Amazônia”, que você pode adquirir a versão impressa clicando aqui ou na imagem abaixo:



