MORTE DE CICLISTA EXPÕE O QUÃO PERIGOSA SANTARÉM É PARA QUEM PEDALA
Santarém foi mais uma vez confrontada com a fragilidade da mobilidade urbana após a morte trágica de Fabiano Caetano Ramos, de 24 anos. Vítima de um atropelamento brutal na Avenida Marcílio Dias, no bairro Área Verde, Fabiano, que era repositor em um supermercado e natural de Rurópolis, não resistiu aos ferimentos e veio a óbito na madrugada de quarta-feira (22), após ser socorrido em estado gravíssimo ao Pronto Socorro Municipal (PSM).
O acidente, que envolveu uma caçamba, expõe a falência do sistema viário local e a negligência do Poder Público em proteger a vida dos ciclistas.
O inquérito instaurado pela Polícia Civil para investigar o acidente levanta a hipótese de homicídio culposo por parte do motorista da caçamba. No entanto, o relato de testemunhas sugere que a tragédia foi uma combinação letal de infraestrutura precária e a convivência perigosa entre modais: o ciclista teria sido forçado a desviar de um buraco na pista, momento em que foi fatalmente atingido pelo caminhão.
A Secretaria de Mobilidade e Trânsito (SMT) esteve no local e chegou a liberar a caçamba para descarregar o material antes de ser recolhida para perícia.
A realidade para quem pedala em Santarém é de vulnerabilidade extrema. O crescimento exponencial no número de ciclistas que utilizam a bicicleta como alternativa de transporte – um meio eficiente, econômico e ecologicamente correto – não é acompanhado por investimentos em infraestrutura.
Os ciclistas são obrigados a se arriscar diariamente em meio ao trânsito desordenado, dividindo espaço com veículos, especialmente os de grande porte, em vias que carecem de manutenção e sinalização adequadas.
O Poder Público, notadamente a Prefeitura Municipal, não demonstra possuir um programa consistente que garanta a segurança dos ciclistas e incentive a adoção da bicicleta. A inação na implementação e ampliação de ciclofaixas e ciclovias é uma evidência clara desse descaso, deixando os usuários das bicicletas completamente à mercê da própria sorte e sujeitos a fatalidades. Essa falha sistemática na garantia de um transporte seguro e de qualidade transforma as avenidas da cidade em ambientes hostis para os mais vulneráveis.
Especialistas ouvidos pela reportagem são unanimes: “É imperativo que essa realidade seja mudada antes que mais vidas se percam”.
“Os vereadores de Santarém têm o dever de sair da inércia e exigir, de forma veemente, que a prefeitura mude sua postura e priorize a vida humana no planejamento urbano. Além da urgência na criação de infraestrutura segregada, é essencial que sejam realizadas campanhas educativas rotineiras e eficazes, voltadas tanto para motoristas quanto para a população geral”, cobra o ciclista João Fonseca.
Segundo ele, essas campanhas devem reforçar o respeito ao deslocamento dos ciclistas, a distância segura no trânsito e, principalmente, a atenção redobrada ao abrir portas de veículos ou realizar manobras bruscas, que são causas frequentes de acidentes com ciclistas.
A segurança viária e o direito à vida de Fabiano e de todos os ciclistas da cidade exigem uma resposta imediata e concreta da gestão municipal.
Outras medidas
“Além da urgente construção de ciclofaixas e ciclovias, a Prefeitura de Santarém, por meio da SMT e outros órgãos, deve adotar um conjunto de medidas integradas para garantir a segurança de quem pedala, conforme já previsto na legislação de trânsito”, disseram especialistas consultados pela reportagem. Entre elas estão:
Sinalização horizontal e vertical específica: Reforçar a sinalização de “Atenção Ciclista” em pontos de conflito, especialmente em trechos sem ciclovia, e demarcar o espaço de 1,5 metro (distância lateral mínima para ultrapassagem) em vias de maior fluxo.
Integração intermodal: Criar bicicletários seguros e protegidos em locais estratégicos e de grande circulação, como terminais de ônibus, mercados, universidades e prédios públicos, incentivando a integração da bicicleta com o transporte coletivo.
Manutenção de vias e ciclofaixas: Priorizar o reparo de buracos e a manutenção das margens das avenidas, onde os ciclistas são forçados a transitar, eliminando obstáculos que os obrigam a desviar para a faixa de veículos motorizados, como ocorreu no acidente da Marcílio Dias.
Educação para a cidadania viária: Promover oficinas e blitz educativas permanentes, ensinando ciclistas sobre seus direitos e deveres e orientando motoristas sobre as regras de convivência, como o “olhar holandês” (técnica de abrir a porta do carro com a mão direita, forçando o motorista a olhar para o trânsito).
Fiscalização rigorosa: Intensificar a fiscalização em áreas de risco para coibir o estacionamento irregular de veículos nas margens das vias e a invasão de calçadas, garantindo que o espaço destinado ao ciclista e ao pedestre seja respeitado.
O que diz o Código de Trânsito Brasileiro
A legislação federal já estabelece regras claras para proteger os ciclistas, reforçando a responsabilidade dos motoristas:
Prioridade e preferência: O CTB determina que os veículos maiores são responsáveis pela segurança dos menores, e os motorizados, pela incolumidade dos não motorizados (ciclistas) e pedestres.
Distância lateral de segurança: É infração média, sujeita à multa, deixar de guardar a distância lateral de 1,5 metro ao ultrapassar uma bicicleta, regra essencial para evitar acidentes por proximidade.
Conduta do ciclista: O ciclista tem o direito de circular nas vias urbanas e rurais, preferencialmente nas ciclovias, ciclofaixas ou acostamentos. Quando não houver, deve ocupar o bordo da pista no mesmo sentido de circulação dos carros e com preferência sobre os veículos motorizados.
Abertura de portas: É obrigatório que passageiros e condutores abram portas e desçam dos veículos somente após se certificarem de que a manobra não oferece perigo para os demais usuários da via, incluindo ciclistas.
Por Baía
O Impacto


