A HORA DA REFORMA: POR QUE PRECISAMOS DE MANDATO NO STF?
Por Manoel Chaves Lima – Advogado tributarista e trabalhista, inscrito na OAB/PA nº 7677, com mais de 26 anos na advocacia cível
A Constituição Federal de 1988 confiou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a mais nobre e sensível missão do Estado Democrático de Direito: ser o guardião da Constituição e o intérprete último da ordem jurídica brasileira. Para cumprir esse papel, o constituinte estabeleceu requisitos rígidos para a escolha de seus membros — notável saber jurídico e reputação ilibada —, conferindo-lhes, além disso, a estabilidade do cargo vitalício, com aposentadoria compulsória aos 75 anos.
A lógica, à época, era clara: garantir a independência dos ministros frente a pressões políticas, permitindo-lhes julgar com liberdade e fidelidade ao texto constitucional. No entanto, a realidade institucional e política do país mudou radicalmente nas últimas décadas — e com ela mudou também a percepção sobre a composição, o funcionamento e o papel do STF. Hoje, a vitaliciedade, que outrora foi um escudo da democracia, tornou-se um risco potencial à própria integridade do sistema republicano.
A Vitaliciedade e o risco da captura política
A permanência dos ministros no cargo por décadas — muitas vezes por mais de trinta anos — tem permitido que governos, ao indicarem nomes jovens e ideologicamente alinhados, mantenham influência sobre a Corte por gerações inteiras. Esse fenômeno, que pode parecer apenas uma sutileza institucional, tem consequências profundas: cria-se uma espécie de “mandato paralelo”, em que um projeto político derrotado nas urnas continua exercendo poder real por meio do Supremo Tribunal Federal.
Em outras palavras, a vitaliciedade, quando combinada com indicações políticas e critérios subjetivos, deixa de ser instrumento de independência e passa a ser ferramenta de perpetuação do poder. A consequência imediata é o risco de captura ideológica do tribunal, comprometendo sua função de árbitro neutro e transformando-o em ator político ativo — com enorme capacidade de interferência nos rumos do país.
A Experiência internacional e o caminho das democracias maduras
Não há nada de radical, autoritário ou antidemocrático na proposta de estabelecer mandato fixo e limitado para ministros de Cortes Constitucionais. Ao contrário, essa é a regra em grande parte das democracias maduras do mundo.
Na Alemanha, os juízes do Tribunal Constitucional Federal cumprem mandatos de 12 anos, sem recondução. Na Itália, são 9 anos. Na França, 9 anos também. Em países como Espanha e Portugal, a média gira entre 9 e 12 anos. Até mesmo nos Estados Unidos, onde os juízes da Suprema Corte são vitalícios, há hoje um debate avançado no Congresso e na academia sobre a adoção de mandatos limitados, diante dos mesmos riscos de captura política que hoje vivenciamos no Brasil.
Esses modelos demonstram que limitar o tempo de exercício da função não compromete a independência da Corte — ao contrário, fortalece sua legitimidade democrática e renova periodicamente sua composição, impedindo a formação de feudos ideológicos e garantindo maior pluralidade de pensamento.
Uma proposta republicana e urgente
Diante dessa realidade, é hora de o Parlamento brasileiro — especialmente os partidos de oposição e as forças comprometidas com a preservação do Estado Democrático de Direito — promoverem um amplo debate nacional sobre a reforma do STF. Essa reforma pode se materializar em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com os seguintes pontos centrais:
1 – Mandato único de 12 anos, sem recondução – prazo suficiente para que o ministro exerça sua função com tranquilidade e autonomia, sem perpetuar influência política.
2 – Exigência mínima de 10 anos de magistratura efetiva – garantindo que os membros da Corte tenham experiência prática, sólida formação jurídica e compreensão real do funcionamento do sistema judicial.
3 – Comprovação objetiva do notório saber jurídico – exigindo títulos acadêmicos, produção doutrinária relevante e participação efetiva na vida jurídica nacional.
4 – Sabatina rigorosa e transparente no Senado Federal – com transmissão pública, participação de entidades da sociedade civil e possibilidade de questionamentos técnicos, éticos e filosóficos.
5 – Proibição expressa de indicação de parentes ou assessores diretos do presidente ou parlamentares em exercício – para evitar conflitos de interesse e fortalecer a impessoalidade do processo.
Democracia se aperfeiçoa com limites e responsabilidades
Ao contrário do que setores interessados tentarão fazer crer, limitar o mandato dos ministros do STF não é um ataque ao Judiciário nem uma ameaça à democracia. É, ao contrário, um ato de maturidade institucional. É reconhecer que a estabilidade das instituições não se constrói com cargos vitalícios, mas com regras claras, mecanismos de renovação e limites ao poder — inclusive ao poder de julgar.
Em um Estado Democrático de Direito, nenhum poder pode ser absoluto, e nenhum cargo pode ser eterno. O equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário exige freios e contrapesos, inclusive no tempo de atuação daqueles que exercem funções essenciais à estrutura constitucional. O que se propõe, portanto, não é a fragilização do STF, mas seu fortalecimento — tornando-o mais plural, mais técnico, mais legítimo e, sobretudo, mais fiel à Constituição que jurou proteger.
O Brasil amadureceu institucionalmente e precisa dar o próximo passo. A limitação de mandatos no Supremo Tribunal Federal não é uma afronta ao passado, mas um compromisso com o futuro — um futuro em que a Corte seja, sempre e acima de tudo, a guardiã da Constituição, e não a guardiã de governos.
O Impacto


