POPULAÇÃO PARAENSE REJEITA PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE
Em uma audiência pública que durou mais de quatro horas, o Ministério Público Federal (MPF) ouviu na última quarta-feira (22) um coro de denúncias sobre o que profissionais da saúde do estado e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) chamaram de “desmonte deliberado” da saúde pública no Pará.
O encontro foi realizado na sede do MPF em Belém e juntou médicos, enfermeiros, técnicos, representantes de conselhos de classe e sindicatos. Na mesa, além do MPF, participaram também a promotora de Justiça Elaine Castelo Branco, do Ministério Público do Estado, e a defensora pública Luciana Silva Rassy Palácios, da DPE-PA. A OAB anunciou que cobrará explicações formais das autoridades municipais e estaduais.
Todos relataram o mesmo diagnóstico: o modelo de gestão por Organizações Sociais (OSs), que são consideradas peças centrais da política pública municipal de privatização dos serviços, não funciona. Na verdade, o sistema estaria intensificando a precarização do atendimento e ameaçando a sobrevivência do SUS no estado.
As denúncias vão desde a falta de insumos básicos como álcool, lençóis, curativos e reagentes de laboratório até a ausência de concursos públicos, o que tem levado a escalas incompletas e à uma pesada sobrecarga dos trabalhadores. Em uma única semana, segundo relatos, servidores teriam sofrido infartos e AVCs em decorrência da exaustão.
Um caso citado com indignação envolveu a terceirização do serviço de nutrição hospitalar: alimentos estragados teriam sido entregues a pacientes internados.
No centro de toda a controvérsia está o Pronto-Socorro Municipal Mário Pinotti, o tradicional PSM da 14 de Março, com 105 anos de funcionamento contínuo. Responsável por cerca de 6 mil exames mensais, o PSM é visto como insubstituível para os profissionais de saúde.
A unidade é considerada o último ponto de resistência da saúde pública de emergência de alta complexidade em Belém e, de acordo com os participantes, também o próximo alvo da privatização.
Rumores apontam que o hospital poderá ser fechado após a COP30, conferência global do clima que será sediada na capital paraense em novembro.
Caos
A promessa de eficiência e economia, argumento central dos defensores das OSs, foi contestada por dados e testemunhos. De acordo com servidores e representantes de conselhos de classe, as unidades sob gestão privada não apenas encareceram o sistema, mas reduziram a qualidade do atendimento.
As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) privatizadas operariam sem medicamentos, exames ou equipes completas, o que resulta em uma sobrecarga ainda maior para os hospitais públicos.
No Hospital Oncológico Infantil, o Conselho Regional de Medicina (CRM) teria encontrado condições “alarmantes”: manipulação de alimentos para crianças imunodeprimidas dentro de enfermarias, profissionais trocando de roupa em locais inadequados e uma dentista atendendo sem equipamentos básicos. Haveria ainda intimidação de funcionários para evitar denúncias.
Outro ponto técnico levantado foi o uso de tabelas diferentes de ressarcimento: enquanto o SUS paga R$ 1 mil por uma cirurgia de vesícula, as OSs utilizam a Tabela Tunep, que remunera o mesmo procedimento em R$ 2,8 mil, uma diferença que, segundo críticos, abre margem para distorções e superfaturamento.
A privatização também teria atingido diretamente as condições de trabalho. Profissionais relataram a “pejotização”, contratos temporários, banco de horas negativo e constante assédio moral. Muitos disseram estar há anos sem reajuste salarial.
Entidades como a OAB e o CRM afirmaram ter solicitado acesso aos contratos com as Organizações Sociais, mas que as instituições se negam a apresentá-los, o que classificaram como uma grave falta de controle público.
A audiência pública, embora técnica em sua origem, expôs o que muitos chamaram de batalha pelo futuro da saúde pública no Pará. Para os presentes, o debate vai muito além de modelos de gestão pois trata-se da própria sobrevivência do SUS em um estado marcado por desigualdades profundas.
A ausência de representantes da Secretaria de Saúde do Estado (Sespa), da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde e do próprio prefeito de Belém também foi duramente criticada e encarada como falta de interesse.
“Isso mostra o descaso, descaso mesmo com o serviço público”, disse um representante do Conselho Regional de Biomedicina.
Por Rodrigo Neves com informações do MPF
O Impacto


