O DISCURSO DOS LAUDOS E O SILÊNCIO DOS LIMITES NA EDUCAÇÃO ATUAL: UMA ANÁLISE NEUROPSICOPEDAGÓGICA

Por André Marinho da Silva*

Vivemos em uma época em que os diagnósticos nunca foram tão presentes na vida escolar e familiar. É cada vez mais comum encontrarmos laudos de TDAH, TOD, TEA, dislexia, dislalia, entre tantos outros. Esse fenômeno traz consigo avanços importantes, pois reconhece que cada criança tem sua forma única de aprender, sentir e se expressar.

O laudo, quando bem elaborado, é um instrumento poderoso. Ele dá clareza sobre dificuldades, sugere caminhos de intervenção e auxilia a escola a planejar práticas mais inclusivas. No entanto, temos visto uma situação preocupante: o excesso de valorização do laudo em detrimento daquilo que é igualmente essencial para o desenvolvimento humano — os limites.

Quando o laudo se torna rótulo

Na prática, não é raro observar crianças que passam a ser definidas exclusivamente pelo diagnóstico. O que antes era para orientar e apoiar, em muitos casos vira um rótulo limitante:

  • “Ele é assim porque tem TDAH.”
  • “Ela faz isso porque tem TOD.”
  • “Não adianta, é autismo.”

Essas frases, repetidas diariamente, criam uma atmosfera em que o laudo substitui a criança. Sua identidade passa a ser reduzida ao transtorno, e isso gera um efeito perverso: a desistência silenciosa da família e da escola em exigir esforço, cooperação e superação.

O papel estruturante do limite

Na visão neuropsicopedagógica, o limite é tão importante quanto o afeto. São os limites que dão forma ao processo de desenvolvimento, permitindo à criança:

  • aprender a lidar com a frustração;
  • desenvolver autorregulação emocional;
  • compreender que direitos caminham junto com deveres;
  • construir autonomia com responsabilidade.

Sem limites, a criança cresce sem referências claras. Vive num espaço onde tudo é permitido, mas pouco é aprendido. E isso gera impacto não só no desempenho escolar, mas também na vida em sociedade, no futuro profissional e nas relações interpessoais.

O risco da medicalização

Outro ponto que merece reflexão é a medicalização excessiva. Ao receber um laudo, muitas famílias e até mesmo escolas passam a depositar toda a expectativa de mudança em medicamentos ou em atendimentos clínicos. É como se o laudo e o remédio fossem mágicos — e não são.

A neuropsicopedagogia nos ensina que a aprendizagem é um processo complexo, fruto da interação entre cérebro, emoção, ambiente e experiência. Portanto, não basta medicar; é preciso educar. Não basta diagnosticar; é preciso intervir pedagogicamente com intencionalidade.

Família e escola: parceria necessária

Não existe laudo que substitua o papel educativo da família. O “não” dado em casa, o diálogo firme, a rotina estruturada e a coerência nas regras são elementos que fortalecem o trabalho da escola. Quando a família terceiriza toda a responsabilidade para o laudo ou para os profissionais da educação, a criança fica desamparada no que mais precisa: referência e consistência.

Da mesma forma, a escola não pode usar o laudo como desculpa para não ensinar. Inclusão não é permissividade. É oferecer suporte, ajustar estratégias e acreditar que, apesar das dificuldades, todo aluno é capaz de aprender dentro de suas possibilidades.

Caminhos possíveis

Para equilibrar laudo e limite, alguns caminhos são fundamentais:

  1. Usar o laudo como guia, não como sentença. Ele deve orientar o trabalho, mas não definir o destino da criança.
  2. Praticar a disciplina positiva. Não se trata de punir, mas de estabelecer regras claras, consistentes e respeitosas.
  3. Formar professores para além do diagnóstico. O docente precisa compreender os transtornos, mas também precisa de ferramentas pedagógicas e de manejo comportamental.
  4. Manter o diálogo constante entre família, escola e profissionais da saúde. A criança não é responsabilidade de um único agente, mas de uma rede de apoio integrada.
  5. Valorizar as potencialidades. O laudo aponta dificuldades, mas a educação precisa revelar potencialidades.

Conclusão

Estamos vivendo uma época em que há muito laudo e pouco limite. E isso pode comprometer a formação de uma geração que conhece seus diagnósticos, mas não sabe lidar com as frustrações e responsabilidades da vida.

O desafio é grande: precisamos equilibrar acolhimento e firmeza, ciência e prática pedagógica, afeto e disciplina. O laudo tem valor, mas não pode ocupar sozinho o centro do processo educativo.

No fim das contas, o que forma cidadãos críticos, autônomos e resilientes não é apenas o diagnóstico escrito em um papel, mas a capacidade de receber cuidado, amor e, acima de tudo, limites claros que ensinam a viver em sociedade.

E você, já percebeu situações em que o laudo virou desculpa para a falta de limites? Como equilibrar acolhimento e disciplina no processo educativo?

André Marinho da Silva* – Pedagogo, Neuropsicopedagogo, Especialista em Atendimento Educacional Especializado (AEE). Possui também especialização em Gestão Escolar e Direito Educacional, com experiência em coordenação pedagógica e na elaboração de projetos voltados à inclusão e à qualidade da educação.

2 comentários em “O DISCURSO DOS LAUDOS E O SILÊNCIO DOS LIMITES NA EDUCAÇÃO ATUAL: UMA ANÁLISE NEUROPSICOPEDAGÓGICA

  • 28 de outubro de 2025 em 19:32
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    Perfeito, há de se estabelecer um limite também para o clínico e pedagógico. Tem muito médico entrando na Seara pedagógica, estabelecendo no laudo como deve ser o atendimento educacional.

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  • 28 de outubro de 2025 em 10:18
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    Colocações muito necessárias. Como mãe atípica assino em baixo!!!!!!

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