PONTE DO MAPIRÍ: R$ 150 MILHÕES PARA CRIAR UM NOVO GARGALO?

Por Fábio Maia

Obras importantes merecem planejamento à altura. E R$ 150 milhões de investimento público exigem muito mais do que boa intenção — exigem visão estratégica, análise detalhada e coragem para ouvir quem pensa a cidade a longo prazo.

O projeto da nova ponte do Mapirí, recém-licitado pelo governo estadual, é uma obra necessária e aguardada há décadas. Ninguém questiona sua importância. O problema não está em construir a ponte. O problema está em construí-la no lugar errado, ligando os pontos errados, criando uma “solução” que não resolve — e pode até agravar — o problema que deveria combater.

E antes que alguém torça minhas palavras: não estou criticando por criticar, nem político A ou B. Estou alertando. Da mesma forma que alertei sobre o “puxadinho do aeroporto” — quando uma obra emergencial virou remendo definitivo —, volto a alertar sobre o risco de desperdiçar R$ 150 milhões em uma ponte que nascerá obsoleta.

O PROJETO ATUAL: UMA PONTE QUE DESEMBOCA NO PRÓPRIO PROBLEMA

O projeto licitado pelo Estado prevê uma ponte convencional saindo da Avenida Borges Leal, no Mapirí, e desembocando na Rua Ponta Negra, no Maracanã, próximo à fábrica Siga Bem. O trajeto, embora tecnicamente viável, comete um erro conceitual grave: joga todo o trânsito da nova rota exatamente na primeira rotatória da Rodovia Fernando Guilhon.

Sim, você leu certo. Vamos criar uma “alternativa” que despeja os veículos no início da mesma rodovia que queremos desafogar. É como abrir uma nova porta de entrada para um corredor já lotado. O gargalo não desaparece — ele apenas muda de lugar. Ou pior: ele se multiplica.

E tem mais. O projeto apresentado é uma ponte convencional, com múltiplos pilares — um verdadeiro “paliteiro” de concreto que atravessará o Lago do Mapirí, comprometendo a paisagem natural de uma das áreas mais emblemáticas da cidade. Sustentabilidade urbana e inclusão social, conforme propagandeado, não combinam com concretagem agressiva de um dos mais tradicionais cartões-postais que Santarém ainda preserva.

A ALTERNATIVA QUE FOI IGNORADA: O PROJETO DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL

Ainda em 2017, a Associação Comercial e Empresarial de Santarém (ACES), por meio do empresário e engenheiro Roberto Branco, apresentou ao governo municipal um projeto diferente. Não apenas diferente — de visão a longo prazo. A mesma visão que ele aplicou em algumas de suas obras visionárias, como o projeto Orla e o Viaduto.

A proposta técnica da ACES previa uma ponte estaiada, com apenas dois pilares principais, minimizando o impacto visual e ambiental no Lago do Mapirí. Esteticamente mais moderna, tecnicamente mais arrojada, ambientalmente mais responsável. Mas o maior diferencial não estava na engenharia da ponte em si. Estava no trajeto.

Ao invés de partir da Borges Leal e desembocar no meio da confusão urbana (linha lilás), a ponte estaiada sairia do final da Avenida Presidente Vargas, atravessaria o lago na mesma distância estimada (cerca de 700 metros) e, ao invés de jogar o trânsito na primeira rotatória da Fernando Guilhon, seguiria por um arco viário por trás dos bairros Maracanã, Bela Vista do Juá e Buriti, conectando-se à rodovia somente na rotatória com a Everaldo Martins. (linha vermelha)

Percebe a diferença?

Não é apenas uma ponte. É uma nova rota estruturante. Uma verdadeira alternativa à Fernando Guilhon, não uma rua a mais despejando carro na mesma rodovia congestionada.

Com esse traçado, a ponte cumpriria três funções estratégicas:

  1. Desafogaria a Fernando Guilhon de verdade, criando um fluxo paralelo e independente.
  2. Integraria de forma eficiente a zona norte à zona oeste, sem forçar o trânsito a passar pelo mesmo corredor saturado.
  3. Valorizaria e estruturaria os novos bairros, como o Bela Vista do Juá e o Buriti, com uma infraestrutura viária de longo prazo.

O orçamento? Praticamente o mesmo. A viabilidade técnica? Comprovada. O impacto ambiental? Menor. O resultado? Infinitamente superior.

Então, por que não foi esse o projeto escolhido?

O CRESCIMENTO QUE VEM — E QUE NINGUÉM PARECE ESTAR ENXERGANDO

À primeira vista, pode parecer que esse trecho alternativo é insignificante neste momento. Mas quem pensa assim está cometendo o erro clássico da gestão pública brasileira: resolver o problema de hoje criando o caos de amanhã.

Santarém cresce no vetor Tapajós. E cresce rápido. Basta olhar para a região oeste para entender o que vem pela frente:

  • A primeira fase do Residencial Buriti já está em funcionamento
  • O Loteamento Horizonte Park já é realidade
  • As próximas fases do Buriti e o Condomínio Tapajós Prime estão a caminho
  • O Centro de Convenções já opera na região
  • É o caminho para o Aeroporto e para as principais praias da cidade

Ou seja, os grandes residenciais, condomínios e empreendimentos imobiliários já são realidade — e vão se multiplicar. No horizonte dos próximos 10 anos, essa região estará tomada por casas, prédios e conjuntos residenciais. Daqui a 20 anos, teremos dois enormes conjuntos habitacionais, um de cada lado da rodovia Fernando Guilhon.

E onde está a visão urbanística de futuro que deveria estar à frente de projetos estruturantes como esse?

A resposta é dolorosa: não existe. Querem resolver um problema olhando apenas para o agora. Mas urbanismo não se faz para o presente — se faz para décadas à frente.

Imaginem o cenário em 2044: milhares de famílias morando nesses novos bairros, dezenas de milhares de veículos circulando diariamente, e todo esse tráfego sendo despejado na primeira rotatória da Fernando Guilhon para, finalmente, chegar à entrada da “nova ponte que resolveria o congestionamento”.

Será um caos. Um gargalo monumental. Um pesadelo viário inaugurado com R$ 150 milhões de dinheiro público.

A alternativa proposta pela ACES, com o arco viário contornando os bairros e conectando-se à Everaldo Martins, resolveria de verdade e de forma definitiva essa equação. Não apenas para 2025, mas para 2035, 2045 e além.

VISÃO DE CURTO PRAZO OU FALTA DE DIÁLOGO?

A ACES e Roberto Branco não apresentaram essa proposta para aparecer. Apresentaram porque acreditam que Santarém merece planejamento sério, não remendos urbanos. E sempre estiveram — e continuam — dispostos ao diálogo técnico, à colaboração institucional, à construção coletiva de soluções que elevem o patamar da nossa cidade.

Infelizmente, o que vemos com frequência é a divergência institucional, que na maioria das vezes, levam a decisões que vem de fora para dentro. De quem enxerga propostas propositivas como “ingerência” ao invés de contribuição. De quem prefere inaugurar boas intenções do que entregar resultado duradouro.

E assim Santarém segue crescendo aos solavancos. Aeroporto remendado. Saneamento inexistente. E agora, uma ponte de R$ 150 milhões que pode virar apenas um desvio caro para o mesmo problema.

UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA: O QUE QUEREMOS PARA SANTARÉM?

Cento e cinquenta milhões de reais não são migalhas. São recursos públicos, arrancados dos impostos de quem trabalha, que deveriam ser aplicados com a máxima eficiência e visão de futuro.

Uma obra dessa magnitude não pode ser tratada como uma simples ligação entre dois bairros. Ela precisa cumprir — de verdade — o propósito para o qual foi concebida: melhorar a mobilidade urbana.

E mobilidade urbana não se resolve criando caminhos que desembocam no mesmo engarrafamento. Não se resolve com pontes que atravessam o problema sem contorná-lo. Não se resolve ignorando quem tem propostas só porque vieram “de fora da consonância estatal”.

Santarém está em expansão. A frota de veículos cresce ano após ano. O adensamento urbano é irreversível. Se não aproveitarmos esta oportunidade para fazer certo, estaremos condenando a cidade a conviver com um gargalo permanente — e caro.

Ainda há tempo. A licitação foi lançada, mas a obra não começou. O diálogo ainda é possível. Rever o traçado, ouvir especialistas e considerar a proposta da ACES não é retrocesso — é harmonia com os demais entes da sociedade.

Porque uma ponte que custa R$ 150 milhões, mas não resolve o problema que deveria resolver, não é solução. É desperdício inaugurado com fita.

E Santarém merece mais do que isso.


Fábio Ivaldo Vieira Maia é vice-diretor de Patrimônio da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (ACES) e autor do livro “O Ambientalismo como Nova Forma de Colonialismo na Amazônia”.


Também é autor do livro “O Ambientalismo como Nova Forma de Colonialismo na Amazônia”, que você pode adquirir a versão impressa clicando aqui ou na imagem abaixo:

4 comentários em “PONTE DO MAPIRÍ: R$ 150 MILHÕES PARA CRIAR UM NOVO GARGALO?

  • 1 de novembro de 2025 em 15:46
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    O Centro de Convenções construído colado com o Aeroporto, no meio do nada, foi uma da obras mais ridículas e absurdas que já vi e provavelmente a pior já feita do ponto de vista urbanístico em Santarém. Você precisava falar disso também.

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  • 30 de outubro de 2025 em 20:21
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    Esse merengue ,…deixa o progresso fluir n atrapalha.,

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    • 31 de outubro de 2025 em 09:57
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      O progresso flui com visão de futuro, com sugestões, com o aceite de ideias para melhorar para todos, e não deixando fazer de qualquer jeito como sempre é feito principalmente em Santarém.

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  • 30 de outubro de 2025 em 16:57
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    teria que vê o melhor não só p Santarém mais também o melhor p todos ,a várias obras a anos que não vem sendo entregue tudo com nossos impostos pago

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