Morre escritor paraense Benedito Nunes
Belém amanheceu chuvosa e triste ontem, domingo. Simbolicamente, a cidade já chorava a perda de um dos seus mais ilustres filhos: o escritor e filósofo paraense Benedito Nunes, 81, morreu na manhã deste domingo (27). Ele estava internado há dez dias no hospital Beneficência Portuguesa, com problemas cardíacos e respiratórios. Às 20h do último sábado, após sofrer hemorragia no estômago, foi transferido ao CTI (Centro de Terapia Intensiva), mas não resistiu.
A partida foi com a mesma discrição que marcou sua vida, mas a aparência franzina escondia um gigante de sabedoria. Filósofo, crítico literário, ensaísta, professor. Um intelectual reconhecido e admirado no mundo inteiro. Bené, como era conhecido pelos amigos, nasceu em 21 de novembro de 1929. Nasceu rodeado de livro. Viveu para eles. Em 1942, aos 13 anos, fundou com Haroldo Maranhão, a “Academia dos Novos”, onde discutia o Parnasianismo. Tornou-se crítico literário do jornal Folha do Norte, de Maranhão. Criou uma perfeita comunhão entre a crítica literária e a filosofia.
Formou-se em Direito, onde conheceu na faculdade sua eterna companheira, Maria Sylvia, em 1953. Foi um dos fundadores do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Pará. Escreveu livros fundamentais para os estudos filosóficos e literários, como “O Dorso do Tigre” e “Introdução à Filosofia da Arte”. Tornou-se amigo e admirado por gente como Clarice Lispector e Michel Foucault. Em 2010, foi reconhecido com o Prêmio Machado de Assis, da Associação Brasileira de Letras (ABL), pela sua obra.
“Em nome de todos os paraenses, agradeço a inestimável contribuição de Benedito Nunes à cultura do país. Sua dedicação como escritor, crítico de arte, filósofo e professor é irretocável”, disse ontem o governador Simão Jatene, em nota oficial divulgada.
“O Benedito foi um exemplo de humanidade e amizade, dos mais importantes eruditos e sábios da atualidade do Brasil. É uma perda irreparável”, resume o poeta e escritor João de Jesus Paes Loureiro, um dos amigos pessoais dele. Outro amigo foi o advogado e escritor Paraguassu Éleres. “Fui influenciado por ele desde a minha juventude. Quando conheci ele em 1954, já era um intelectual de expressão e sempre foi um exemplo intelectual que tive na vida”, resume. “A minha família perde um amigo e a sociedade amazônica perde um homem exemplar. Ele foi considerado o maior crítico da obra de Guimarães Rosa, pelo próprio”, observou Éleres, que também destacou o caráter do professor. “Acho que o que fica dele não é só o intelectual de fama nacional e internacional. Fica a imagem do homem íntegro, com honestidade à toda prova. O Benedito era dessas pessoas, fantásticas, fora de série”.
Sobrinha do filósofo, a professora Lílian Chaves cita um dos poetas favoritos de Benedito: Carlos Drummond de Andrade. “Nós perdemos um homem maravilhoso, professor de todos, amigo querido. E só posso citar Drummond: As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”.
LEGADO
Benedito José Viana da Costa Nunes foi filósofo, escritor e um dos mais importantes intelectuais paraenses no cenário nacional. Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará, que depois foi incorporada à UFPA, e lecionou literatura e filosofia no Brasil, França e Estados Unidos.
Autor de livros, artigos e ensaios, o professor da UFPA foi um dos ganhadores do Prêmio Multicultural Estadão de 1998. Também foi Prêmio Jabuti de Literatura em 1987 e o Prêmio Machado de Assis em 2010 (Academia Brasileira de Letras). Era considerado por muitos o maior filósofo vivo do país.
CORPO SERÁ CREMADO
Durante a tarde de domingo, diversos amigos, familiares e autoridades foram dar o adeus ao mestre Benedito Nunes, que deve ser cremado hoje pela manhã no cemitério Max Domini, em Marituba, após missa marcada para as 9h na igreja Santo Alexandre. A professora e mestre em língua portuguesa e literatura Nelly Cecília Rocha, grande amiga de Benedito, resumiu-o em três adjetivos. “Era um homem simples, sábio e santo”.
O atual reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Maneschy, ressaltou a falta que o pensador fará: “É um momento de refletir a relevância da obra dele. Era um grande crítico literário e um grande filósofo. Só poucas pessoas, muito extraordinárias, conseguiram conquistar tais dons. A UFPA perde o seu maior talento, que até poucos dias atrás estava em plena atividade e como ele mesmo costumava dizer, era um eterno aprendiz. Pois eu digo, para nós, ele será um eterno mestre”.
Muito emocionado, o professor da faculdade de filosofia da UFPA, Ernani Chaves, lamentou a perda. “Não tenho nem palavras pra dizer o que ele significou pra mim e pra todos nós. O conheci quando tinha apenas 18 anos. Foi ele que abriu os caminhos para eu chegar onde cheguei, na área de filosofia. Deixará um legado absolutamente inestimável”, disse.
(Diário do Pará)