Voto distrital nas eleições proporcionais é má ideia para reforma política
Chamado “distritão”, é tentação obscurantista: reduz a vida partidária, elimina a discussão ideológica e anula o debate sobre os vários modos de administrar o Estado, substituídos por luta individual desatada de conceitos e programas.
A proposta retrocede ao caminho do maligno radicalismo. Afasta a crença na diversidade política e intromete a campanha individualista na área legislativa. Esquecida que a sociedade não é movida por desvirilizante unanimidade e sim pela diferença, nega o pluralismo cultural e ideológico dos sistemas evoluídos. É desvão quase fratricida, a esbarrar tanto na própria razão de ser dos partidos políticos como na função parlamentar.
É que a alma do debate político, e portanto, da democracia representativa, reside no pluripartidarismo, diverso do espalhafatoso e ineficiente multipartidarismo atual. À ele se opõe o individualismo marcado pelo do “homem do distrito”, um vereadorzão, ladino que faria da Câmara de deputados e das assembleias legislativas estaduais um mero conjunto de despachantes de interesses regionais.
Esse centralismo escapa da noção republicana e atrasa o desenvolvimento do país. Lateraliza a justificativa do próprio cargo, a ser ocupado sempre e sempre por pessoas que, em vista a nação e a República, conhecem e analisam por inteiro a unidade federada de origem, e daí, por simples consequência, o povo que representa.
Enfim, o distritão, seja o próprio Estado federado ou como se o queira dividir, não passa de cunha destrutiva da vida partidária para prevalência da política unicista, desatada das ideologias que embalam o mundo.
É canibalismo antológico (e ontológico): o suposto agente partidário desmancharia o sistema de legendas, e de cambulha, a atividade do partido que deveria representar.
Ora, a diáspora partidária precisa de balizas não para findar, mas para um ajuste real, demarcado por linhas filosóficas claras, dispensando discursos contraditórios e tagarelas como o de um eleito pelo PCdoB: “vamos dar um choque de capitalismo neste Estado”, ou a de seu próprio partido, aliado ao petismo na esfera nacional e ao peessedebismo em vários Estados da Federação.
Necessária e urgente, a reforma política pode ser a epifania partidária, na justa concertação: poucas agremiações, mas pensantes, genuinamente programáticas.
Basta transferir a complexidade da vida social para um mundo partidário em que a esquerda seja esquerda, a direita seja direita e as alianças ocorram entre os assemelhados, meio-centristas de cá e de lá, em poucas agremiações.
A razão pluripartidária é mera fragmentação do bem, e não o mal a serviço do bem. Dessa fractalidade surge o debate, e dele, o bem estar social, oposto do arcaísmo das eleições espaçadas, da tolice do estado mínimo, da quimera do socialismo utópico, dos avulsos de ninguém e do atraso das candidaturas de si próprias.
Juntando os pedaços do espelho quebrado, a verdadeira reforma rejeitaria a adesão pueril entre contrários e a recusa ginasiana entre os parecidos. Fortaleceria a gangorra fértil do pensamento: induziria à geminação rival não agressiva, separando óleo e água, com a marca do discurso refundador, base da vida humana (a renascer todos os dias).
O contrário — ou seja, o distritão — seria a prevalência do escuro, do invisível e do opaco, eliminando a verdadeira prosa política, fundada na boa contrariedade e negação do ódio.
Esse, o distritão, traria a vontade isolada de um tipo diferente, o novo arrogante: o campeão do voto localizado, conhecedor só das coisas de sua paróquia, mas pronto para decidir a vida nacional.
Por: Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro é advogado em Curitiba, e integrou o Tribunal Regional Eleitoral, no cargo de jurista, por quatro mandatos. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Professor da UniCuritiba, por 23 anos. Foi conselheiro da OAB-PR por vários mandatos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico