REJEIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, PARECER PRÉVIO DO TCM E INELEGIBILIDADE (I)

As articulações para as eleições do ano que vem já estão a pleno vapor e um dos temas mais tormentosos na escolha de ex-agentes públicos para disputar um mandato eletivo é identificar corretamente sua situação na hora de pedir o registro da candidatura. Não é raro que ex-prefeitos (ou candidatos à reeleição), ex-presidentes de câmara ou ex-secretários que tenham ordenado despesas enfrentem problemas na justiça ou nos tribunais de contas.

Para o deferimento do registro de candidatura, a Constituição Federal exige, entre outras condições de elegibilidade, que o candidato esteja em pleno exercício de seus direitos políticos, delegando à norma infraconstitucional a previsão de“outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

A resposta do legislador ao art. 14, parágrafo 9º daCF,veio através da Lei Complementar 64/90, que em seu art. 1º, ‘g’, afirma serem inelegíveis“os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente…”. E aqui começa a controvérsia. Ao contrário do que pode sugerir a interpretação meramente literal e o disseminado pelo senso comum, não é qualquer rejeição de contas que provoca inelegibilidade do agente público.

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer distinção entrecontas de governo econtas de gestão.

As contas de governo são prestadas pelo chefe do Poder Executivo, abrangendo a totalidade das atividades deste Poder e do Poder Legislativo, ainda que a titularidade de tais cargos sejaexercida por mais de um responsável durante o exercício. Envolve matéria relativa à direção da administração direta e indireta, execução orçamentária, planos e programas de governo, políticas públicas, controle da situação financeira e patrimonial do ente público e cumprimento de metas fiscais. São aquelas prestadas anualmente ao tribunal de contas que, após analisá-las, emitirá parecer prévio acerca de sua regularidade.

Na interpretação sistemática do art. 76 da Constituição Federal, em consonância com a aplicação do princípio da simetria na harmonização das normas estruturantes de todas as demais esferas federativas, o prefeito não é, “stricto sensu”, o que poderíamos chamar de administrador direto, papel que é desempenhado por seus auxiliares diretos – os secretários municipais – quando ordenadores de despesas.

O art. 31, parágrafo 2º da Carta Magna determina que o parecer prévioemitido pelo órgão competente (no caso do Pará, o Tribunal de Contas dos Municípios – TCM) seja então submetido ao Poder Legislativo, que pode aprová-lo ou, por dois terços de seus membros, decidir contrariamente ao parecer do TCM.

Chega-se, então, à conclusão de que a rejeição das contas de governo pelo Tribunal de Contas não gera, por si só inelegibilidade. Para que isto ocorra, será necessário o julgamento e aprovação do parecer pelo Poder Legislativo local, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral noRO nº 401-37, PSESS em 26.8.2014, precedente que vem sendo paradigma para decisões posteriores sobre o mesmo tema, como no recente Recurso Ordinário nº 975-87/BA, DJE de 19.2.2015.

Já as chamadas contas de gestão, também anuais, são devidas pelos administradores e responsáveis diretos (ordenadores de despesas), e nelas se analisam alegalidade do processamento das despesas, regularidade dos atos e contratos administrativos, economicidade, destinação dos gastos públicos e correlatos. A prestação de contasde gestão é feita através de comprovantes de despesas, empenhos, processos licitatórios, contratos e folhas de pagamento, dentre outros documentos exigidos pelo Tribunal de Contas, e só vinculam prefeitos quando estes acumulam o exercício das funções políticas e de ordenamento de despesas. Havendo essa acumulação, o Tribunal de Contas dos Municípios emitirá parecer prévio sobre as contas anuais de governo por ele prestadas, em auxílio à Câmara Municipal, e julgará suas contas anuais de gestão, através de acórdão, conforme previsto no art. 1º, § 2º e art. 2º, da Instrução Normativa 001/2011 do TCM/PA.

São as contas de gestão, quando rejeitadas, e as contas prestadas dos repasses voluntários (convênios e outros ajustes de igual natureza, julgadas no Pará pelo TCE e pelo TCU, se os repasses são federais, após a análise e parecer prévio do órgão concedente)que podem ter como consequênciadireta a inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, a todos os agentes públicos, mandatários ou não, que tiverem atuado como ordenadores de despesas.

Contudo, sob a força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, cujo texto afirma a impossibilidade de se excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, o ordenador de despesas, mesmo condenado pelo Tribunal de Contas e com nome na lista de inelegíveis emitida a cada eleição pelo respectivo órgão, pode buscar o Poder Judiciário para suspender ou anular o ato da Corte de Contas e assim concorrer normalmente no processo eleitoral, caso obtenha êxito.

Dada a extensão do tema e a delimitação de espaço, na próxima semana volto ao assunto para falar sobre os casos em que, mesmo havendo condenação pelos tribunais de contas e o nome do ordenador de despesas conste da lista dos Tribunais de Contas, não necessariamente haverá a pena de inelegibilidade, segundo a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral.

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Advogado, pós graduado em Direito Público (UNIDERP); pós graduando em Ciências Penais; conselheiro da subsecção de Santarém da OAB/PA, atuante, entre outras, nas áreas de Direito Eleitoral e Direito Público/Municipal.

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