Artigo – É o fim de domínio econômico e tecnológico norte-americano que intensifica a tensão no mar da China

Por Oswaldo Bezerra

A “Nova Guerra Fria” EUA-China esquenta no mar. O risco de um conflito armado, improvável até poucos meses, agora parecem mais prováveis. O contratorpedeiro USS Mustin, da Marinha dos EUA, entrou pela primeira vez no lado oeste da linha mediana que divide a China continental e Taiwan.

A China descreveu o ocorrido como “extremamente perigoso” e prometeu defender seus interesses, incluindo a eventual integração de Taiwan com o continente. O navio estava bem além das 12 milhas náuticas do mar territorial da China, mas foi um desafio direto à Pequim.

Para os altos funcionários do governo Trump, é uma temporada de caça à China. Há cada vez mis ataques em todos os campos contra o país asiático. O próprio Stev Bannon, assessor de campanha de Trump e Bolsonaro, preso hoje, possuía colaboradores, também presos hoje, que mantinham sites exclusivamente para atacar a China.

Toda esta onda de ataques contra a China, por membros do gabinete do presidente Donald Trump, começou quando o diretor do FBI, Christopher Wray, descreveu o presidente chinês Xi Jinping como o sucessor do “ditador” soviético Josef Stalin.

O Secretário de Estado Mike Pompeo descreveu que a ideologia marxista-leninista “falida” do líder chinês tem desejos de “hegemonia global”. O secretário disse também que o mundo precisa escolher “entre a liberdade e a tirania”. Para acreditar nesta mensagem é preciso esquecer qual país realmente reivindica hegemonia global como seu direito.

O Pentágono posicionou seus porta-aviões, e outros armamentos, de forma cada vez mais ameaçadora no Mar da China Meridional e em outras partes do Pacífico.

Fica uma pergunta. O que está por trás de todo esse surto contra a China? A resposta é encontrada na declaração direta de Trump para Chris Wallace, da Fox News, quando falou: “Não sou um bom perdedor. Eu não gosto de perder”. A realidade é que os Estados Unidos estão perdendo para a China em duas esferas muito importantes: econômica e tecnológica. A China está crescendo e os EUA estão caindo.

Não se pode culpar Trump e seu gabinete por isso. Os fatos falam por si. Ilesa da recessão global de 2008-09, a China substituiu o Japão como a segunda maior economia mundial em 2010. Em 2012, com 3,87 trilhões de dólares em importações e exportações, ultrapassou o total dos EUA de 3,82 trilhões de dólares. Uma posição que foi ocupada pelos EUA nos últimos 60 anos, como a nação nº 1 em comércio internacional.

No final de 2014, o produto interno bruto da China, medido pela paridade do poder de compra, era de 17,6 trilhões de dólares, superior aos 17,4 trilhões de dólares dos Estados Unidos, que haviam sido a maior economia do mundo desde 1872.

Em 2015, o governo chinês iniciou o plano “Made in China 2025” com o objetivo de desenvolver 10 indústrias de alta tecnologia, incluindo carros elétricos, tecnologia da informação de última geração, telecomunicações, robótica avançada e inteligência artificial, tecnologia agrícola, engenharia aeroespacial, desenvolvimento de novos materiais sintéticos, biomedicina e infra-estrutura ferroviária de alta velocidade.

O plano era alcançar 70% de auto-suficiência nas indústrias de alta tecnologia e uma alta posição nos mercados globais até 2049, quando o país comemorará 100 anos de fundação. Neste plano a China deverá se tornar um líder global em semicondutores até 2030.

Em 2018, a indústria local de chips passou para o design e fabricação de chips de maior valor. Embora os Estados Unidos liderem o mundo com metade da participação global, a China é a principal ameaça à sua posição por causa dos enormes investimentos estatais.

Foi aí que os Estados Unidos começaram a ficar atrás da China, quando perderam a corrida das pesquisas científica e tecnológica. Um estudo realizado das Universidades de Nanjing e Harvard observou que, entre 2000 e 2016, a participação da China nas publicações globais, nas ciências físicas, engenharia e matemática quadruplicaram, superando os EUA.

Em 2019, pela primeira vez o número das patentes chinesas superou as dos norte-americanos, 58.990 contra 57.840. Pelo terceiro ano consecutivo, a corporação chinesa de alta tecnologia Huawei, com 4.144 patentes, estava bem à frente da Qualcomm, com sede nos Estados Unidos (2.127).

Entre as instituições educacionais, a Universidade da Califórnia manteve sua primeira classificação com 470 inscrições publicadas, mas a Universidade de Tsinghua ficou em segundo lugar com 265. Das cinco melhores universidades do mundo, três são chinesas.

Em 1996, a China estabeleceu uma zona de desenvolvimento industrial de alta tecnologia em Shenzhen, do outro lado do Rio Pérola de Hong Kong, a primeira de uma série de zonas econômicas especiais. A partir de 2002, eles começariam a atrair corporações multinacionais ocidentais interessadas em aproveitar suas provisões isentas de impostos e trabalhadores qualificados com baixos salários. Em 2008, essas empresas estrangeiras respondiam por 85% das exportações de alta tecnologia da China.

Um relatório do Partido em 2005 encontrou sérias falhas no sistema de inovação da China. O governo agiu e criou 20 mega projetos em nanotecnologia, microchips genéricos de ponta, aeronaves, biotecnologia e novos medicamentos. Em seguida, enfocou em pequenas startups, capital de risco e cooperação entre a indústria e as universidades, a estratégia levou alguns anos, mas produziu resultados positivos.

Em janeiro de 2000, menos de 2% dos chineses usavam a Internet. No rescaldo do colapso financeiro global de 2008-09, um número significativo de engenheiros e empresários chineses retornou do Vale do Silício para desempenhar um papel importante na proliferação de empresas de alta tecnologia em um vasto mercado chinês.

Logo depois que Xi Jinping se tornou presidente foi lançada a campanha para promover “empreendedorismo em massa e inovação em massa” usando capital de risco apoiado pelo Estado. Em meados de 2019, a China tinha 206 startups privadas avaliadas em mais 1 bilhão de dólares, superando os EUA com 203.

O gigante do comércio eletrônico, Alibaba, abriu o capital na Bolsa de Valores de Nova York em 2014, foi um recorde de 25 bilhões em sua oferta inicial. O Baidu diversificou-se no campo da inteligência artificial atingiu 1,1 bilhões de usuários móveis. A Xiaomi Corporation vendeu 125 milhões de telefones celulares, ocupando o quarto lugar globalmente.

A China passou a liderar o mundo em pagamentos móveis, com os EUA em sexto lugar. Em 2019, essas transações na China totalizaram 80,5 trilhões. Por causa da pandemia Covid-19, este valor cresceu para 111,1 trilhões. Nos Estados Unidos este valor é de apenas 130 bilhões, parecem insignificantes em comparação.

Em agosto de 2012, o fundador do ByteDance de Pequim, Zhang Yiming, de 29 anos, criou o Toutiao (manchetes de hoje), rastreou o comportamento dos usuários para formar opinião e assim conquistou 78 milhões de usuários, 90% deles com menos de 30 anos. Depois lançou vários aplicativos de total sucesso no mundo como a TikTok, por exemplo, que é o aplicativo preferido da geração Z em todo o mundo. Quando chegou ao número de 2 bilhões de usuários, o presidente Trump e seus funcionários passaram a atacar a ByteDance, e ele assinou ordens executivas proibindo o TikTok e o WeChat nos EUA.

Com certeza, o maior vencedor chinês em eletrônicos de consumo e telecomunicações foi a Huawei Technologies Company, com sede em Shenzhen, a primeira multinacional global do país. Tornou-se um ponto central na batalha geopolítica entre Pequim e Washington.

A Huawei, “realização esplêndida” em chinês, fabrica telefones e roteadores em todo o mundo. Opera em 170 países. Em 2019, seu faturamento anual foi de 122,5 bilhões de dólares. Já em 2012, superou seu rival mais próximo, a Ericsson Telephone Corporation da Suécia, para se tornar o maior fornecedor mundial de equipamentos de telecomunicações.

Em 2019, passou a Apple e se tornou o segundo maior fabricante de telefones, depois da Samsung. A ascensão da Huawei deve-se a competência de seu fundador, Ren Zhengfei, e a propriedade exclusiva da empresa por seus funcionários. Sua equipe de gestão investiu 20 bilhões de dólares anualmente em trabalho de P&D (pesquisa e desenvolvimento). Portanto, não foi surpresa que na corrida global por 5G, a Huawei tenha ganhado. Foi a primeira a lançar produtos comerciais em 2019, cem vezes mais rápido que dos seus concorrentes.

O sucesso da Huawei tem alarmado a administração de Trump. Justamente isso deixa os EUA cada vez mais perto de um conflito com a China. A Casa Branca também lançou uma campanha global contra a instalação dos sistemas 5G da empresa em nações aliadas, com sucesso. No ano passado, os EUA obrigaram o Canadá a prender a filha do fundador da empresa, alegando que a empresa havia feito negócios com o Irã.

O presidente Trump e sua equipe têm expressado sua crescente frustração com a China, e intensificado ataques a uma potência em ascensão no palco global. Trump talvez não saiba, mas o século norte-americano acabou. Isso não significa que nada possa ser feito para reverter a posição dos EUA nos próximos anos.

Um futuro governo, mais cerebral, poderia parar de insultar ou banir empresas de tecnologia chinesas de sucesso invejável e, em vez disso, imitar o exemplo chinês criando projetos de estratégia de alta tecnologia de longo prazo. Afinal de contas, uma guerra real com a China não deixaria sobrar nenhum planeta para liderar.

RG 15 / O Impacto

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