Artigo – Política de cota que nada; é hora dos negros descendentes de escravizados receberem bilhões em indenizações
Por Oswaldo Bezerra
Tenho ancestrais negros escravizados que foram a força de trabalho fundamental para o crescimento econômico do estado do Grão-Pará e Maranhão. Eles merecem justiça e nós – assim como os parentes das vítimas do Holocausto – merecemos compensação.
Chicago é a primeira cidade na América a pagar indenizações aos residentes negros. Serão milhões de punhos cerrados que estarão socando o ar em toda a diáspora africana.
Foi uma ideia dos burgueses da cidade que tiveram a inovadora iniciativa de usar um imposto de 3% sobre as vendas recreativas de cannabis, entre outras coisas, para financiar um fundo destinado a distribuir 10 milhões de dólares em 10 anos. É apenas um dos passos decisivos em um problema crescente: em todas as Américas, milhares de comunidades e organizações estão examinando a questão das reparações como nunca antes.
Do legislativo estadual da Califórnia a pequenas cidades até ao Brasil, denominações religiosas como a Igreja Episcopal e faculdades importantes como a Universidade de Georgetown em Washington, centenas de entidades não estão apenas meditando ociosamente sobre tais pagamentos.
Estão procurando colocá-los em prática. Isso aconteceu depois que o congresso dos EUA ouviu depoimentos sobre “H.R. 40”. É um projeto de lei que visa estabelecer uma comissão sobre o legado da escravidão para examinar os pagamentos potenciais para os descendentes de africanos escravizados. Caso seja aprovado lá, será aprovado aqui alguns anos depois.
Sou totalmente a favor das reparações. Não apenas para comprar um bem material. Ao longo dos anos, eu vi muito preconceitos descarados e negros com síndrome de Estocolmo que não conseguem nem escrever a palavra “reparações” e muito menos descobrir mecanismos realistas para pagar esta forma altamente contestada, mas justa, de restituição.
Detratores reclamam que não pode ser feito ou nunca vai funcionar, ou quem merece? Ou onde tudo isso vai acabar? Como se eles realmente dessem a mínima sobre a ética, moralidade ou aspectos práticos de reparações. Já basta! Todos nós sabemos qual é o seu problema: eles simplesmente não querem que os negros tenham uma revanche.
Está na hora de descobrir como resolver literalmente essa carne de negros vs. brancos de uma vez por todas.
Ficaremos felizes se todo o blá blá blá sobre racismo terminar para sempre, se o governo apenas mostrar a bufunfa e nos apontar a linha pontilhada que precisemos assinar. Claro, será preciso um bônus de repatriação generoso e nós, de boa vontade, voltaremos de onde saímos. Basta dizer a quantia. Quer sejam governos, corporações, bancos, e aquela pequena nobreza, qualquer coisa serve.
Nós realmente não nos importamos com quem está pagando. Queremos ser amigos. Não estamos dando a mínima para a pretensão de cura, ou união racial. Apenas paguem e vamos cuidar de nossos negócios. Porque se o Ocidente não começar a se coçar, as coisas vão começar a explodir.
A morte de George Floyd em 2020 e a subsequente ascensão de Black Lives Matter podem muito bem ter esta virada de jogo. Certamente, o movimento catalisou o pensamento atual de maneira nunca antes inimaginável, principalmente entre os brancos.
Os Black Live Matter, os Panteras Negras, MLK, Malcolm X, os Maroons, o Dragão do Mar, Cruz e Sousa e Luiz Gama e milhões de pessoas negras comuns, dentro da diáspora, têm argumentado contra a escravidão e, portanto, por reparações por séculos.
De acordo com a pesquisa Legacies of British Slave sobre propriedade da University College London (UCL), 10% dos ricos britânicos do século 19 estavam diretamente ligados ao comércio de escravos. Os rendimentos desta “carga humana” ajudaram a construir ferrovias, empresas, edifícios e coleções de arte que existem hoje.
Perversamente, quando os britânicos introduziram seu programa de abolição progressiva de 30 anos no início de 1800, eles pagaram cerca de £20 milhões em indenizações, não para escravos recém-emancipados, mas aos proprietários de escravos por sua perda de “propriedade”. Com o dinheiro de hoje, essa compensação valeria cerca de 34 bilhões de reais. No Brasil houve também a mesma patifaria.
Desnecessário dizer que colocar uma soma do século 19 em uma calculadora de inflação online não faz justiça à economia da escravidão nem ao seu legado de longo alcance. Por um lado, alguns bilhões de libras são rações para gatinhos.
Parece incalculável avaliar o custo para esses estados africanos na diáspora que suportou o fardo de 300 anos de escravidão transatlântica, nos quais mais de 12 milhões de corpos sequestrados foram despachados, transferidos e sacrificados no altar da decadência fascista ocidental.
O ex-conselheiro especial de Barack Obama, Stuart E. Eizenstat argumentou, como muitos outros que se opõem às reparações, que os pagamentos em dinheiro não são o caminho a seguir. É muita cara de pau quando isso vem de alguém que passou décadas da sua vida negociando mais de US$ 17 bilhões em indenizações para sobreviventes do Holocausto de governos alemães.
Todos os dias, nas etapas do tribunal da Grã-Bretanha, ou nas Américas, ou outras potências ocidentais ex-escravagistas, em casos de discriminação sexual a difamação, violação de direitos autorais e quebra de contrato, bilhões de dólares em reivindicações são resolvidos antes do início do litígio, porquê? Por que é mais econômico resolver o problema o fazendo desaparecer.
Fazer a coisa certa evita constrangimentos futuros e, seja por padrão ou propositalmente, ao dar aos “demandantes” dentro da diáspora uma restituição financeira, ajuda a silenciar pelo menos parte do ânimo entre os negros e as elites.
As pessoas brancas comuns, desconexas como são historicamente ou como beneficiários da escravidão, deveriam se sentir responsáveis e pagar uma compensação por meio de impostos pessoais. As reparações poderiam ser facilmente pagas por meio de legiões de entidades de sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e extorsão que se safaram por muito tempo.
E daí se os romanos escravizaram ‘X’ ou os egípcios escravizaram ‘Y’. Não é apenas uma comparação falsa comparar a escravidão da antiguidade ou aquela imposta aos irlandeses, ou escoceses, ou a quem quer que seja com o tráfico humano transatlântico em que muitos na diáspora se encontram hoje.
As reparações precisam ser pagas porque o comércio transatlântico de escravos, simplesmente, é apenas um capítulo em um sistema de exploração de séculos que levou a mim e a milhões de outras pessoas onde estamos hoje. Outros grupos étnicos podem discutir se eles são devidos ou “merecem” reparações. Boa sorte para eles.
Mas eu tenho uma visão pragmática da questão pós-escravidão. Os ancestrais viveram sob um estado fascista de fato. Eles foram socialmente construídos como resultado do comércio de escravos e então forçados a trabalhar sob um regime colonial-fascista antes que uma política imperialista de terra arrasada os obrigasse a ir para o Brasil para trabalhar como mão de obra barata de imigrantes.
Enquanto 97 por cento dos brasileiros acreditam em Deus com “certeza absoluta”, apenas dois em cada dez pensa que o governo deveria usar o dinheiro do contribuinte para pagar indenização aos descendentes de escravizados no Brasil. Esse número cai muito mais quando a mesma pergunta é feita apenas para brasileiros brancos.
Obviamente, os brasileiros têm problemas com Números. Como diz o Bom Livro, Números 14:18: “O Senhor é longânime e de grande misericórdia, perdoando a iniquidade e a transgressão, e de forma alguma inocentando o culpado, visitando a iniquidade dos pais sobre os filhos da terceira e quarta geração”.
Conheço pessoas que podem voltar três ou quatro gerações e encontrar parentes que estavam sob o domínio do chicote colhendo café, ou cana de açúcar no Rio de Janeiro, ou nas Índias Ocidentais naquela época. Os sites de genealogia online fornecem bancos de dados de DNA e acesso a registros governamentais e acadêmicos Milhões podem traçar linhas diretas para milhares de proprietários de escravos, colonialistas e seus aproveitadores modernos.
Não é apenas de alguma importância, mas é de importância fundamental que a justiça não apenas seja feita, mas que sem dúvida nenhuma seja vista como feita. Quando se trata de fazer justiça ao comércio de escravos e apaziguar um lobby de reparações que está crescendo em força, profundidade e influência é hora daqueles que estão segurando os cordões da bolsa pagar a conta. Isso se eles quiserem que nós nos calemos.
RG 15 / O Impacto