Suspensão de Plano de Manejo na Resex Tapajós-Arapiuns gera impasse entre Sindicato e Cooperativas

Por Diene Moura

Na manhã de segunda-feira (3), a sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) foi ocupada por cerca de cem moradores, trabalhadores e comunitários da comunidade Maró, região de rios do Arapiuns.

De acordo com um dos Presidentes de uma Cooperativa da região, Valdemar Fernandes da Silva, a reivindicação parte de uma articulação  para legalizar a extração de madeira na região do Maró, a qual foi cancelada em virtude de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) do dia 30 de abril, que suspendeu liminar da Justiça Federal de Santarém, que autorizava a retomada dos processos de Plano de Manejo dentro da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns, entre os municípios de Santarém e Aveiro (PA).

A decisão faz parte de uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo STTR e pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), com assessoria jurídica da Terra de Direitos. As entidades pediram a suspensão dos procedimentos de aprovação dos planos de manejo florestal dentro da Resex até que fosse realizada a consulta prévia, livre e informada das 78 comunidades tradicionais e aldeias que vivem na Reserva.

Os manifestantes querem que os Conselhos tenham voz ativa no projeto da Resex. Segundo Valdemar, foi tirado o direito dos Conselhos, que desejam que sejam apresentadas alternativas. Conforme a liderança comunitária, apesar do Sindicato dizer que existe madeireira dentro da Resex, os comunitários rebatem, afirmando que não existe, apenas há uma empresa terceirizada que faz os serviços na região. Ainda de acordo com Valdemar, os comunitários/cooperados acumulam  uma dívida de mais 5 mil reais por conta dos trabalhos paralisados.

Após o tumulto e com a presença da Polícia Militar, o presidente do STTR, Manoel Edivaldo Santos Matos, decidiu em conversa com os representantes das cooperativas, realizar reunião na terça-feira (4) na sede do Sindicato. Participaram representantes do Sindicato, Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) e as referidas cooperativas. O objetivo do encontro foi dialogar na tentativa de esclarecer sobre a situação, para posteriormente marcarem uma reunião com a intermediação do Ministério Público Federal, para se chegar a um consenso e assim resolver os impasses deste processo.

Em nota, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Santarém (STTR), esclarece sobre o ocorrido na manhã de segunda-feira (3) nas dependências de sua sede.

“Lamentamos profundamente o fato ocorrido na manhã desta segunda-feira, no qual um grupo de pessoas de comunidades da Resex Tapajós Arapiuns, liderados por representantes de Cooperativas, uma que já iniciou a exploração e comercialização de madeira e duas que pretendem executar as mesmas atividades na área da Resex, tomaram as dependências do sindicato, na tentativa de sobre pressão, intimidação e ameaça conversar com o presidente do STTR de Santarém, Manoel Edivaldo Santos Matos”.

De acordo com a nota, a Cooperativa Mista Agroextrativista do Rio Inambú (Cooprunã), desde 2019 realiza o manejo em uma área de 29 mil hectares. Atualmente, o conselho deliberativo da Resex quer discutir a possibilidade de manejo em outra área pela Cooperativa Mista Agroextrativista do Rio Maró (Coopermaró). A ação civil pública também reivindicou a suspensão de uma reunião do Condel que trataria dessa proposta. A atividade estava agendada para novembro de 2020, e implicaria na aglomeração de pessoas em meio à pandemia da covid-19, sem que houvesse qualquer tipo de consulta prévia à indígenas e povos tradicionais da área. No recurso apresentado, as entidades avaliaram que, na decisão, optou-se por uma interpretação restritiva de direitos, em contraposição a Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Os representantes do STTR afirmam que não são contra o desenvolvimento das comunidades e nem da região. No entanto, é preciso ter transparência nos processos. Portanto, a população precisa ser consultada para que se tome as medidas legais. Conclui, ainda, que o sindicato só está cumprindo com o  papel de lutar pela categoria, buscando o diálogo e os interesses das comunidades tradicionais.

REUNIÃO ENTRE COOPERATIVAS, REPRESENTANTES DO STTR E CITA

A reunião realizada na terça-feira (4), na sede do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), contou com a participação dos representantes do sindicato, Conselho Indígena do Tapajós Arapiuns (CITA), além das três cooperativas, Cooperios, Coopemaró e Coopronã. Durante a reunião houve mais um impasse, a Coopronã se retirou da sede, pois esperava que o Sindicato desse uma posição definitiva a eles junto as organizações, para que retirassem a ação civil pública, que paralisou o projeto de manejo na Resex. Porém, não é de competência do Sindicato tomar qualquer decisão, apenas da Justiça.

Segundo a Secretária de Administração e Finança do STTR, Marilene Rodrigues Rocha, um dos encaminhamentos provavelmente será de se reunir com o MPF, e tirar o que é de direito para ser trabalhado dentro da unidade de conservação com as populações. “A COOPRANÃ abandonou a reunião, e eles agiram de acordo com o que vêm trabalhando. Nunca gostaram de diálogo com os movimentos, isso pra nós não é novidade. Eu que venho acompanhando a unidade de conservação como moradora, como conselho deliberativo, isso pra nós não tá normal, a gente é conhecedor. Então deixa uma vacância de eles levarem uma mau informação, mas nós estamos aí, para defender o nosso território e as nossas populações”, concluiu a secretária.

Apesar da ausência da Coopronã, outras duas cooperativas seguiram com o diálogo, representadas por Adalberto Fonseca da Cooperios e Elcivan Sousa da Coopemaró. Foi consensuado entre as partes reunir com o Ministério Publico Federal (MPF) no dia 10 de maio, para socializar sobre as possibilidades de outras alternativas dentro dos objetivos das duas cooperativas, a fim de trabalhar, produzir e contribuir para o sustento das famílias, bem como buscar parcerias para se alinharem neste processo. Além de outras pautas, a serem discutidas em futuras reuniões institucionais.

A ação civil pública (ACP) que está gerando tantos impasses trata especificamente de planos de manejo madeireiros que foram suspensos naquela região. Outros planos de manejos florestais, tais como os projetos de extrativismos, permanecem com suas atividades. De acordo com o presidente do STTR, Manoel Edivaldo, a ACP é direcionada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e não contra as cooperativas. O ICMBIO que tem possibilitado os planos madeireiros e foi o instituto que liberou uma estrada para exploração de madeira do Arapiuns para a região do Tapajós. Tal fato tem causado impactos para dentro da Resex.  Segundo a representante do CITA, Auricélia Arapiun, a Resex foi criada com o intuito de expulsar madeireiros que exploravam a região. “É contraditório hoje, esse planos de manejo liberados pelo ICMBIO sem a consulta prévia, livre e informada, de uma forma que traz vários impactos. Os outros projetos não trazem tanto impacto quanto o madeireiro”, afirmou.

INQUÉRITO À POLÍCIA FEDERAL

Após os episódios de invasão e reuniões já realizadas a fim de tomar medidas sobre o processo, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou à Polícia Federal (PF) a abertura de inquérito para apurar relatos do ocorrido na segunda-feira (3), quando houve a ocupação no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, por cooperativos e possíveis madeireiros. De acordo com relatos, a invasão teve o objetivo de coagir os autores da ação em que foi deferida decisão que suspendeu plano de manejo florestal em Reserva Extrativista (Resex) do município.

A requisição do MPF à PF considerou que a conduta, se confirmada, pode ser enquadrada no delito previsto no artigo 344 do Código Penal, que estabelece pena de um a quatro anos de reclusão para o crime de coação no curso do processo.

No último dia 29, o desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF), deferiu integralmente o pedido urgente feito pelo STTE e pelo Cita.

“(…) por conseguinte, determino a suspensão dos efeitos da Portaria nº 223/2019/ICMBio, que aprovou, sem a indispensável Consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e povos indígenas ocupantes da área descrita nos autos (Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns), o Plano de Manejo Florestal Comunitário da Cooperação Mista Agroextrativista do Rio Inambú (Cooprunã) e a tramitação de um segundo Plano de Manejo, tendo como interessada a Cooperativa Mista Agroextrativista do rio Maró (Coopemaró), sobrestando-se, por conseguinte, a realização de procedimentos para autorização de Plano de Manejo Florestal Comunitário pela Coopemaró e outras cooperativas, restando insubsistentes aqueles eventualmente já realizados, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora”, determinou.

No processo o MPF emitiu parecer favorável à ação. Segundo o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara, é ilegal a alegação do ICMBio de que reuniões de conselhos e associações sejam consulta prévia. O fato de o ICMBio defender isso é, na verdade, confissão de que a consulta não foi realizada, apontou o MPF.

Instrumento adequado – Prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002, a consulta prévia, livre e informada não pode ser confundida com a participação via conselhos, associações e audiências públicas, frisa o MPF no parecer. O direito à consulta prévia é dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, enquanto que um conselho deliberativo de Resex é composto por diversos atores estatais e privados, cuja maioria não tem qualquer vínculo com a organização sociopolítica dos povos indígenas e comunidades tradicionais, registrou o MPF.

O MPF também acrescentou que os conselhos deliberativos, assim como os conselhos comunitários ou consultivos, são instrumentos de gestão das Unidades de Conservação, tendo por objetivo deliberar administrativamente sobre os mais diversos temas de interesse da área. Já a consulta prévia tem como tema medidas administrativas específicas ou legislativas que afetem potencialmente povos indígenas e tradicionais, e tem por finalidade inseri-los diretamente no processo decisório acerca dessas medidas.

“É no caráter culturalmente adequado que reside a principal singularidade do direito à consulta prévia. Ser culturalmente apropriada significa que a consulta deve respeitar os métodos tradicionais de tomada de decisão do grupo consultado, sua temporalidade, sua organização política, entre outros aspectos socioculturais. A consulta busca superar formas participativas em que o Estado exige aos povos indígenas e tradicionais a indicação de um representante ou uma associação legalmente constituída, a fim de centralizar a participação nestas estruturas, o que refoge absolutamente à organização sociopolítica dos grupos étnicos, bem como aos seus métodos tradicionais de tomada coletiva de decisão”, concluiu o MPF.

SOBRE A RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS (RESEX)

A Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns é uma unidade de conservação de uso sustentável, que foi conquistada pelos moradores e moradoras das comunidades e aldeias da margem direita do Arapiuns e esquerda do rio Tapajós, onde aproximadamente 76 comunidades e aldeias residem naquele espaço. A criação da RESEX foi conquistada por uma luta árdua, liderada pelo sindicato, juntamente com outras organizações da sociedade civil, mas principalmente por moradores das comunidades que hoje integram a Resex.

Para a RESEX obter um dos documentos principais de uma reserva extrativas, que é o plano de manejo, foi necessário realizar diversas ações, reunião, manifestações, além de audiências em Brasília, a fim de pressionar o governo federal para reivindicar o plano de manejo da unidade de conservação e o georeferencialmento do “Pai Lago Grande”. Essas duas pautas subjetivas reuniram manifestações que ocorreram simultaneamente na região Oeste do Pará, na BR-163, no município de Rurópolis e Altamira, a qual esteve presente mais de 21 representações dos Ministérios do Governo Federal.

A partir do documento de plano de manejo, abriu-se espaço para as comunidades construírem projetos dentro da unidade. No entanto, precisa ser utilizada de forma sustentável e transparente para que todas as populações daquela região sejam beneficiadas pensando nas atuais e futuras gerações. A Resex Tapajós Arapiuns atrai muitos olhares que se como objetivo de explorar os recursos naturais, não só da resex, mas também de outras unidades ou territórios que existem populações tradicionais, povos indígenas, pescadores, ribeirinhos, e etc.

RG 15 / O Impacto

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