Política fiscal ameaça estados como o Pará
Enquanto não fizer no Brasil, uma reforma profunda, capaz de alterar por completo o modelo do atual sistema tributário nacional, Estados como o Pará, inevitavelmente, vão continuar acumulando quedas contínuas de receita. Isso já acontece hoje, com as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou as exportações, e também com o fornecimento de energia, a custo zero, para alimentar o sistema interligado nacional, administrado pela Eletrobras.
A advertência, prenunciando um cenário sombrio para os Estados exportadores de bens primários, entre os quais se destaca o Pará, foi feita em Belém pela professora e economista Maria Helena Zockun, ex-secretária municipal de Administração de São Paulo e pesquisadora da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), centro de estudos vinculado à USP. Ela esteve nesta capital para proferir, como convidada, uma palestra no evento comemorativo do Dia do Empresário da Indústria, tendo como tema central “o sistema tributário brasileiro e seus impactos sobre a competitividade da indústria”.
Em sua palestra, e depois em entrevista concedida ao DIÁRIO DO PARÁ, Maria Helena Zockun assinalou que a indústria brasileira, de todos os setores, vem perdendo competitividade no mercado internacional. “Nós temos recuado em todo o mundo”, afirmou a pesquisadora, acrescentando que o Brasil vem cedendo espaços e perdendo mercados até mesmo nas regiões para as quais ele sempre foi um grande exportador, como a África e a própria América Latina.
Essa perda progressiva de competitividade, segundo Maria Helena Zockun, tem origem em diversos fatores, mas um deles tem sido determinante: o sistema tributário, que penaliza a indústria como um todo e que, por suas distorções, acaba sufocando alguns Estados cujas economias convivem com certas especificidades. É o caso do Pará, conforme frisou, um Estado exportador em larga escala de minério bruto, produtos semielaborados e energia elétrica, sem a contrapartida de receita tributária.
Em relação aos minérios e à energia, por exemplo, ela não vê a mínima possibilidade de solução uma vez mantido o atual sistema tributário. “Isso só se resolveria com o Imposto sobre Valor Agregado nacional, e não o imposto estadual [ICMS] como nós temos hoje”, afirmou a pesquisadora da Fipe. Ela disse que, atualmente, o governo isenta as exportações, e isenta muito mal. No fim, quem perde é o Estado. Se nós tivéssemos o IVA nacional, acrescentou, o problema passaria a ser da União, e não desse ou daquele Estado.
Com o IVA nacional, a repartição dos recursos seria feita de forma equânime para todos os Estados por meio de critérios bem definidos. “O fato é que, dentro do sistema que temos hoje, com o ICMS estadual, nós nunca vamos conseguir resolver esse problema”, enfatizou. Desde que a edição da Lei Kandir, em 1996 (no governo Fernando Henrique Cardoso), o Estado do Pará já acumula perdas líquidas de receita estimadas em torno de R$ 18 bilhões, em valores atualizados.
A lei, como se sabe, foi criada pelo ex-deputado federal Antônio Kandir, do PSDB com total anuência do então Governador do Estado, Almir Gabriel. Simão Jatene, hoje governador do estado, era secretário de Planejamento de Almir na época.
Mudanças no ICMS tendem apenas a piorar a situação
No caso da energia, as perdas são também consideráveis e tendem a se multiplicar em futuro próximo, quando o Estado se tornará o maior produtor do país. Hoje, o Pará já exporta cerca de três quintos da energia produzida em Tucuruí, volume que vai crescer brutalmente depois das novas usinas que aqui estão sendo construídas ou projetadas, como Belo Monte e Marabá, sem citar as sede hidrelétricas previstas para a bacia do Tapajós.
Sobre a energia consumida no mercado paraense, comercializada pela Celpa ou diretamente pela Eletronorte a grandes consumidores industriais, incide à cobrança do ICMS e de outros tributos. Para o consumidor residencial, por exemplo, a carga de impostos embutida no valor da fatura mensal de consumo chega a quase 35%, sendo 25% de ICMS, 1,31% de PIS e 6,06% de Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Como a tributação da energia é feita no destino (sobre o consumo), a energia que sai do Pará não deixa um centavo sequer de imposto. Toda a receita tributária por ela gerada, portanto, vai enriquecer os cofres dos Estados importadores, onde ela será consumida. Trata-se de um modelo reconhecidamente injusto e perverso, conforme reconhece a pesquisadora. E o que é ainda mais desanimador: a chance de ele ser alterado, no sistema atual, é nenhuma. Aliás, a tendência é que seja mudado para pior.
De acordo com Maria Helena Zockun, excetuando-se a energia, o ICMS é hoje dividido entre os Estados de origem e de destino. “Mas a tendência é ele ir todo para o destino”, afirmou a pesquisadora. Neste caso, a lógica sugere que será de todo impossível pensar em mudança na partilha do ICMS incidente sobre a energia.
“Isso obviamente vai piorar a situação dos Estados exportadores, como é o caso do Pará”, disse ela. “É por isso que a gente tem de trabalhar por um IVA nacional”, acrescentou.
Frágil, indústria precisa se unir em defesa de reformas
Para Maria Helena Zockun, o Brasil ocupa hoje no cenário internacional, na comparação com os demais países que podem ser considerados seus concorrentes diretos, uma das piores posições do mundo. “Nós somos, reconhecidamente, um dos piores lugares do planeta para a atividade industrial. Isso afeta todos os segmentos da indústria. Não é um ou outro setor, apenas. São todos”, enfatizou.
Ela assinalou que a reforma tributária interessa a toda a sociedade brasileira. O problema é que a sociedade como um todo não compreende a dimensão do problema. O setor industrial, que acaba sendo o maior perdedor em toda a barafunda do sistema tributário, não consegue, por sua vez, exercer o poder político que tem para viabilizar as reformas. “A indústria não tem feito a pressão suficiente para mudar essa situação”, aduziu.
Além da asfixia imposta pelo sistema tributário nacional, a indústria brasileira também tem sido prejudicada, na avaliação da pesquisadora da USP, pela camisa de força hoje representada pelo Mercosul, transformado em fator a mais de embaraço para o comércio exterior do Brasil.
Uma coisa, segundo ela, é a zona de livre comércio, onde os países membros podem comercializar livremente, como é o caso do Mercado Comum Europeu e também do Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, bloco que une Estados Unidos, México e Canadá. Outra coisa, bem diferente, conforme acentuou, é a união alfandegária, que impede seus membros de fazerem operações de comércio com terceiros países.
Contrariando a lógica, foi este o caminho trilhado pelo Brasil. “Nós estamos dentro de uma união alfandegária, o que nos impede de fazer acordos bilaterais com outros países, que é o que todo mundo tem feito”. O Brasil está impedido de fazer negociações bilaterais, conforme frisou, porque, para isso, teria que forçosamente levar juntos os seus parceiros do Mercosul – Argentina, Paraguai, Venezuela, Bolívia e Uruguai. “Isso também está minando a nossa capacidade de competir”, finalizou.
Fonte: Diário do Pará
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