MPF entra com ação que pede a anulação da licença do Ibama para a usina de Belo Monte
O Ministério Público Federal (MPF) deu entrada, ontem à tarde, junto à 9ª Vara da Seção Judiciária do Estado, em ação civil pública ambiental com pedido de liminar para derrubar a licença prévia de instalação concedida anteontem pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à Norte Energia S/A, empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. O processo, que também põe como réu o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), pretende ainda anular a autorização para supressão de vegetação da área referente.
“Licença ‘parcelada’ é uma coisa que não existe e o MPF já havia feito recomendações sobre esse assunto no ano passado. Entendemos que um cronograma de obras só pode ser concedido quando o cronograma de atendimento às condicionantes, que é o conjunto de medidas preparatórias relacionadas a saneamento, estrutura, educação e saúde, for estabelecido. A empresa nunca fala quanto vai gastar nisso e não há previsões orçamentárias ligadas a isso em lugar algum”, justificou o procurador da República no Pará, Ubiratan Cazzeta.
“Nossa questão aqui não é ser contra ou a favor da obra, mas discutir as prévias que envolvem um empreendimento de R$ 30 bilhões gerando o tipo de impacto ambiental e social que irá causar. Belo Monte irá gerar 11 mil megawatts (MW) de energia apenas em alguns meses e anos. A média, em uma previsão de geração otimista, é de quatro mil MW, já que o rio Xingu tende a baixar o nível por conta das mudanças climáticas. Não é possível repetir os erros do passado. No início do ano, o secretário de Saúde de Rondônia declarou estado de calamidade pública na capital, Rondônia, que ficou mais populosa com a construção da hidrelétrica do Madeira. Se uma capital não aguentou, imagine Anapu, Altamira e Vitória do Xingu, que estruturas muito mais precárias”, detalhou Cazzeta.
“É questionável a viabilidade do empreendimento. A construção interessa ao grupo que quer construir: a Norte Energia S/A”, declarou Cazzeta. “Com os dados que temos hoje, não há indicações de que Belo Monte venha a gerar energia compatível com seu custo de R$ 30 bilhões, orçado ainda sem alguns elementos necessários ao projeto”, explanou. De acordo com Cazzeta, praticamente nenhuma das condicionantes necessárias à obra foi cumprida.
“Esse conjunto de medidas preparatórias relacionadas à parte social é o que mais nos preocupa, especialmente em termos de educação, saúde e saneamento. Em Altamira, por exemplo, são 90 mil habitantes, e os estudos de impacto ambiental dizem que Belo Monte deverá atrair cerca de 100 mil novos habitantes. O município já tem graves problemas e não poderá dar conta dessa demanda sem o cumprimento das condicionantes”, disse.
OAB – O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB/PA), Jarbas Vasconcelos, enviou, anteontem, um ofício ao ministro das Minas e Energias, Edilson Lobão, pedindo uma audiência para tratar de estudos sobre a implantação de Belo Monte.
Ontem, Vasconcelos enviou também o documento ao presidente do Ibama, Américo Tunes, pedindo posicionamento da entidade sobre a licença prévia expedida para o início das obras e mostrando-se disposto a retirar o apoio da Ordem em relação ao projeto se o encaminhamento do projeto não incluir de maneira realmente participativa o Estado durante seu desenrolar.
Manobra da legislação provoca duras reações
A manobra da legislação ambiental patrocinada pelo governo federal para dar a largada às obras da usina de Belo Monte provocou ontem, além de uma ação na Justiça com pedido de revogação da licença para instalação do canteiro de obra do empreendimento, duras reações de especialistas e ambientalistas. Eles acusam as autoridades de tentar criar, sem amparo legal, um fato consumado para garantir que a maior hidrelétrica em planejamento do Brasil sairá do papel, a despeito dos questionamentos técnicos e jurídicos dos quais Belo Monte é alvo.
O Ministério Público do Pará ajuizou uma ação civil pública ambiental na 9ª Vara da Justiça Federal, em Belém, pedindo a nulidade da licença dada pelo Ibama na última quarta-feira. A queda de braço aprofunda a primeira crise ambiental da administração Dilma Rousseff, que começou com o pedido de demissão do presidente do Ibama Abelardo Bayma há 15 dias.
Os procuradores responsáveis pela ação argumentam que, além da licença concedida, que é de “instalação parcial”, não existir na legislação brasileira, não houve cumprimento das 40 condicionantes impostas pelo próprio Ibama quando da liberação da Licença Prévia, concedida em 2010, antes do leilão de 20 de abril.
Executivo estaria usando influência política
Especialistas ouvidos pelo Globo acreditam que o Executivo estaria usando influência política para agilizar o processo final. “A introdução dos petistas desta novidade no licenciamento brasileiro é sem precedentes”, afirmou ao Globo uma fonte do próprio Ibama. “Esse é um mecanismo inventado, de flexibilização da legislação. Criaram esta figura estranha do fato consumado, que não tem acolhimento para este tipo de empreendimento”, destacou a senadora Marina Silva (PV-AC).
Com a autorização para desmatamento para instalação do canteiro a ser usado como base para a obra, vai-se tornando o empreendimento cada vez mais irreversível, a despeito do fato de boa parte das condicionantes não ter sido atendida pelo consórcio Norte Energia, capitaneado pela Eletrobras.
“Não há informações suficientes para que a licença seja concedida. Muitas condicionantes precisam ser cumpridas antes da instalação, estudos que deveriam ter sido feitos e não foram: impacto sobre os peixes, vazão do rio e qualidade da água. Já há pareceres que dizem que a qualidade da água ficaria muito abaixo do que a legislação permite”, acusa o diretor do programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Vale.
Fonte: Amazônia