Rapper paraense recebe Prêmio de Cultura Hip-Hop
Aos 31 anos, Bruno B.O. é um veterano. Pioneiro do rap no Pará, o MC começou em 1994 com a banda de rapcore Carmina Burana. Dois anos depois, debandou para formar o primeiro grupo de rap do estado, o MBGC. Em 16 anos de carreira, participou de quase uma dezena de bandas e passeou por uma outra penca de ritmos. Agora, depois de tantos anos na estrada, o rapper está experimentando algo totalmente novo: o reconhecimento do seu trabalho.
No último dia 13 de dezembro, Bruno foi contemplado pelo premio Hip-Hop 2010 – Edição Preto Ghóez, promovido pela Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC).
O prêmio é a primeira ação de fomento e reconhecimento nacional realizada pelo Governo Federal, resultante de dois anos de diálogo com o movimento hip-hop. Foram realizadas em torno de 150 oficinas de capacitação para inscrição em todo o território nacional, o que resultou em 1.100 propostas inscritas, 900 delas habilitadas, de todos os estados do país. Foram ao todo 135 premiados, em cinco categorias, oriundos de diversos estados brasileiros.
A seguir, o rapper fala um pouco da premiação e relembra a sua trajetória.
P: O que é exatamente o edital?
R: O edital premia iniciativas de hip-hop que fomentem o protagonismo juvenil e tenham algum efeito positivo na comunidade. Essa é primeira edição, que inclusive homenageia um dos irmãos que mais lutou por um hip-hop militante e ativista, que era o Preto Ghoéz do Clã Nordestino, no Maranhão.
P: No que consiste a premiação?
R: Na verdade o prêmio contemplou a minha carreira. Fui classificado na categoria “Conexões” que premia iniciativas que promovam o diálogo entre o hip hop e outras expressões estéticas e políticas que não componham os quatro elementos básicos do hip-hop (MC, DJ, grafite e break dance), ou seja, exatamente o retrato dos meus 16 anos de carreira: rap, rock, ragga, ativismo e espiritualidade. É um prêmio, não uma verba pra projetos, mas temos certo compromisso, previsto em edital inclusive, que possamos usar o dinheiro na iniciativa premida, para que ele se multiplique, cresça. Eu por exemplo, posso comprar equipamentos ou gravar meu CD, filmar clipe ou montar um estúdio. Enfim, eu ainda nem sei o que fazer, mas com certeza vai por aí o que vou fazer com os meus R$13 mil.
P: Qual a sua opinião a respeito de iniciativas de fomento a cultura como a do Prêmio de Cultura Hip-Hop? Tu achas que o hip-hop precisa de um edital especifico?
R: Diante da nossa realidade, onde o hip-hop de rua verdadeiro ainda não é compreendido pela sociedade, a não ser que seja adequado ao padrão que esteja vigente no momento. Acho que não deveria, mas também não temos como esperar a vida toda. No Brasil, o hip-hop sempre teve uma vocação ativista e educadora e, sem discussão, é uma das culturas que mais chega aos irmãozinhos da periferia, então acho que é importante. A maioria das propostas contempladas não possui auto geração de renda e o dinheiro do prêmio pode iniciar esse processo.
P: Você é um dos pioneiros do rap no Pará. Como foi a aceitação do ritmo naquele tempo?
R: Péssima. Hoje em dia todo mundo quer tirar uma de MC, ter participações de rap nos seus sons, mas, naquela época, achavam que nós queríamos ser paulistas ou éramos americanizados. Estereótipos que revelavam, na verdade, o preconceito. O inicio foi muita batalha, comprando vinis de fora com preço altíssimo, produzindo base em fita cassete, não tinha download naquela época. E por muito tempo nos mantemos afastados dos outros gêneros musicais. Aquela postura de cara fechada, pra impor respeito. Mas com o tempo fomos conquistando nosso respeito, tanto musical, quanto político. Hoje o hip-hop e as festas black pra classe média, onde muitos reais do hip-hop têm espaço, são umas das manifestações mais importantes da cultura de rua paraense.
P: Como você vê o hip-hop no Pará atualmente?
R: Olha, o rap em Belém é muito forte, no geral. Temos vários grupos como o VN, Máfia da Baixada, MC Gaspar, Aliados MCs, Clã Real. Hoje a galera está bem madura nas letras e na escolha das bases, mas ainda falta muito pra uma grande cena como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília.
P: Fale um pouco do seu trabalho com o Clã Real. Qual a diferença entre o Clã e o seu trabalho solo?
R: No Clã, o grupo tem um trabalho mais voltado pra pista de dança, mas não completamente. Em relação as letras, elas são mais rua, sem muito discurso militante, com um pouco de festa e muita sagacidade. O Clã também tá trabalhando duro pra lançar um novo estilo de rap, o batidão da baixada, que consiste na fusão de eletromelody, reggaeton, funk pancadão e rap. Ou seja, é onde posso descontrair mais.
P: A sua apresentação no Festival Se Rasgum desse ano foi muito elogiada. Como foi o show pra você? Você acha que esse tipo de repercussão pode abrir portas pro cenário hip-hop local? O que falta pro rap paraense sair do anonimato?
R: Esse show foi muito significativo por vários motivos. Primeiro: foi um presentão pros meus 16 anos de carreira. Segundo: provou que o que é real chega e tem seu espaço, não adianta criar modinha, inventar banda estilizada, enfim, como falamos no rap, “quem é, é!”, tipo eu não faço hip-hop, sou hip-hop, entende? É minha vida, minha visão de mundo, não apenas um estilo musical. Além disso, considero que ali não era só um show do B.O., mas uma mostra da força do hip-hop paraense, maduro, aberto ao diálogo e compromissado com a periferia. E por fim acredito que tenha sido um ponto chave na minha carreira, meio que definitivamente mostrei meu trabalho pra um grande número de pessoas que nunca tinham ouvido falar de mim, do hip hop paraense, ou nunca tinham parado pra prestar atenção numa banda de rap, isso é muito gratificante. Mas ficou uma impressão negativa, pois muitos pareciam estar preocupados em fomentar essa nova invenção da cena paraense, o “brega cult”. Então, MC de rap local não era bem o que interessava. Mas o prêmio tá ai. Infelizmente a história se repete: primeiro dão valor lá fora, pra só depois perceberem aqui.
Diário do Pará