Sem lei específica, Brasil discute cibercrimes há 20 anos, diz advogado

Os ataques hackers que ocorrem desde a quarta-feira (22) ressuscitaram discussões sobre projetos de lei que criminalizam práticas como os ataques que sobrecarregam sites (negação de serviço), a invasão, pichação de sites ou roubo de dados.

O Brasil não tem uma lei específica sobre o tema. O primeiro projeto relacionado a cibercrimes proposto no Brasil data de 1991 e foi apresentado no Senado. Esse projeto parou na Câmara dos Deputados, onde foi abandonado.

O projeto mais discutido, o PL 84/99, tramita desde 1999 e ainda enfrenta polêmicas e resistência. O deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) planeja colocá-lo de volta à pauta da Câmara nesta quarta-feira (29), depois de dois anos de quase esquecimento.

O G1 conversou com o advogado especializado em tecnologia Omar Kaminski, do site Internet Legal, para identificar a trajetória do PL 84/99, um resumo das propostas e as críticas que ele recebe.

ITEM DA PROPOSTA CRÍTICAS
Defesa Digital: buscava proteger especialistas de segurança que lidavam com pesquisas ou com investigações internas, e que às vezes precisam lidar com código malicioso ou realizar interceptação de dados para análise de ataque. O uso do termo “resposta a ataque” gerou críticas afirmando que a proposta daria brecha para “contra-ataques” virtuais. A proposta caiu.
Cadastro de usuários: o projeto de lei prevê que provedores cadastrem seus usuários. A lei poderia se estender para acessos como cibercafés, trazendo obstáculos à inclusão digital. A proposta caiu.
Registros de conexão: o projeto busca obrigar provedores a manterem os chamados “logs de conexão” por três anos. A crítica julgou o termo vago, dando a entender que os provedores deveriam armazenar o conteúdo da comunicação. Há ainda quem ache excessivo o prazo de 3 anos. Ainda se tem incerteza quanto aos acessos em redes sem fio públicas.
Repasse de denúncias: o provedor seria obrigado a repassar denúncias que recebesse de crimes. O artigo foi chamado de “provedor dedo-duro”. O último parecer do deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) sugere que a Câmara retire a proposta.
Proibir acesso não autorizado: projeto busca criminalizar o acesso não autorizado a um sistema. Houve um entendimento de que a lei poderia ser aplicada para proibir, por exemplo, o desbloqueio de celulares, de videogames e de mecanismos antipirataria, reduzindo a liberdade do proprietário para com seu próprio hardware.
Penas: variam de 1 a 4 anos de reclusão e multa. Em muitos casos, o “hacker” condenado iria incorrer em mais de um ato criminoso (como formação de quadrilha), resultando em penas muito severas e desproporcionais aos crimes.

Tipos penais
O texto do relator Azeredo estabelece 10 tipos penais relacionados a crimes cometidos com o uso da internet. São eles: “Acesso não autorizado a sistema informatizado; obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação; divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais; dano (a dado eletrônico alheio); inserção ou difusão de código malicioso; estelionato eletrônico; atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública; interrupção ou perturbação de serviço telegráfico,telefônico, informático, telemático ou sistema informatizado; falsificação de dado eletrônico ou documento público; e falsificação de dado eletrônico ou documento particular.”

Direitos são debatidos no Marco Civil
Além da discussão sobre a criminalização de práticas irregulares no uso do internet atualmente em debate no Congresso, o governo também procura chegar à redação final de um anteprojeto de lei civil para a internet, que busca definir responsabilidades e direitos básicos dos cidadãos na web.

Batizado de “Marco Civil da Internet” o projeto é uma proposta do Ministério da Justiça que foi aberta para consulta pública e recebeu, em 2010, mais de duas mil contribuições populares para o texto final. A proposta do Marco Civil congelou temporariamente a discussão do PL 84/99, pois parlamentares de diferentes partidos concordaram que ele seria complementar à lei criminal. O texto do Marco ainda será avaliado pelos deputados.

Confira abaixo uma linha do tempo com as principais pontos e polêmicas da trajetória da discussão sobre crimes virtuais no Congresso Nacional.

Linha do tempo da tramitação dos projetos de lei
1991 –
Maurício Correa (PDT/DF) apresenta no Senado Federal o que é considerado o primeiro projeto de cibercrimes. Ele foi aprovado em 1993 e foi enviada para aprovação da Câmara dos Deputados, onde foi abandonado.

1996 – O deputado Cássio Cunha Lima (PMDB-PB) apresenta projeto de lei que busca penalizar a invasão de sistemas.

1999 – Luiz Piauhylino (PSDB-PE) se inspira no projeto de 1996 e apresenta o PL 84/99, embrião do que está em discussão atualmente. O projeto foi aprovado na Câmara em 2003.

2003-2008 – O projeto é discutido no Senado como PLS 89/2003, com Eduardo Azeredo (PSDB-MG) como relator – o que originou seu apelido de “PL Azeredo” e a polêmica, com a circulação de várias versões do projeto. A redação de Azeredo, porém, foi complementada por Aloízio Mercadante (PT-SP). Entre algumas propostas que foram incluídas e retiradas do projeto está a que previa o cadastro de todos os usuários pelos provedores de internet e o conceito de Defesa Digital, que buscava proteger especialistas de segurança, mas que não foi entendido dessa forma pelos críticos.

É o período em que o projeto enfrenta maior resistência, com o surgimento de campanhas como o “Mega Não!”, uma petição on-line com mais de 100 mil assinaturas e tentativas de equiparar o projeto ao Ato Institucional 5, a medida da ditadura que deu total controle do país aos militares. O projeto, segundo os críticos, seria um “AI-5 Digital”. Outras críticas mais brandas pediam que, pelo menos, uma lei civil fosse votada antes de uma lei penal, dando origem ao Marco Civil da Internet.

2008 – Aprovado pelo Senado, o projeto volta para a Câmara dos Deputados, que nesta fase da tramitação deve apenas fazer revisões mínimas ao projeto. O deputado Julio Semeghini (PSDB-SP) apresenta pedido de urgência na tramitação antes mesmo do projeto chegar na Câmara. São realizadas audiências públicas para discutir novamente o projeto. As audiências contaram com apresentações do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), Polícia Federal, dos provedores da internet. As audiências tiveram também manifestações contrárias ao projeto.

2009-2010 – Após o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que o projeto “é censura” e muitas manifestações contrárias, o projeto não voltou a ser colocado na pauta da Câmara. Deputados concordaram que o Marco Civil deveria tramitar na Câmara junto com o projeto de cibercrime e que eles eram complementares. Iniciou-se um período de espera.

2011 – Depois de ataques hackers aos sites do governo e do Senado, o agora deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) coloca o projeto novamente para votação, prevista para esta quarta-feira (29). No entanto, o projeto chegou mais uma vez reduzido. Foi removida a disposição que obrigava provedores a repassarem denúncias, e o projeto ficou menos abrangente com a remoção de termos como “redes de computadores” e “dispositivos de comunicação”, ficando apenas crimes envolvendo “sistemas informatizados”. O projeto precisa passar por quatro comissões antes de ir à plenário (votação final). Depois, ainda precisa ser sancionado pela presidente, que pode vetá-lo de forma integral ou parcial.

Do G1

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