ECA mudou maneira da sociedade lidar com crianças e adolescentes
A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira, avalia que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa hoje (13) 21 anos, mudou a maneira como a sociedade lida com o público infantojuvenil. “[Antes do ECA] eles [crianças e adolescentes] eram considerados sujeitos menores de idade e menores também no acesso a direitos.”
Segundo a secretária, o ECA trouxe diversos avanços para o Brasil. Um dos pontos mais importantes foi a criação dos conselhos tutelares. “O conselho tutelar é uma figura ímpar, pois não existia na história brasileira antes do estatuto. Atualmente, 98% dos municípios têm conselhos tutelares”.
De acordo com ela, o governo pretende aumentar os investimentos nessas unidades. “É um investimento que vai ser feito para qualificar esse atendimento, para que realmente não tenhamos os problemas que temos, como conselho tutelar sem telefone, sem sala apropriada para atendimento, sem carro para fazer uma abordagem na rua ou para buscar uma situação de violação de direitos.”
Confira a seguir a entrevista concedida à Agência Brasil:
Agência Brasil: O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 21 anos nesta quarta-feira. O que mudou nessas mais de duas décadas de vigência do estatuto?
Carmen Oliveira: De um modo geral [houve mudanças] sim, mas com algumas restrições. Temos hoje uma visível mudança do que tínhamos na vigência do antigo Código de Menores. Em primeiro lugar, porque não estava assegurada naquele marco legal a noção de que criança e adolescente têm direitos fundamentais, direitos humanos e iguais aos dos adultos. Eles eram considerados sujeitos menores de idade e menores também no acesso a direitos. Há, atualmente, um respeito maior sobre a opinião de crianças e adolescentes. Eles são chamados a dar suas opiniões, emiti-las, inclusive nos procedimentos judiciais. Isso é assegurado.
ABr: A maneira como a sociedade e as famílias lidam com crianças e adolescentes também mudou?
Carmen: Estamos vivendo um momento peculiar na vida contemporânea. Durante séculos, a infância e a adolescência não estavam na pauta. Não havia essa convivência com a própria família, tampouco com a comunidade. O conceito de infância é muito recente na história da humanidade e do adolescente é mais recente ainda. Temos as instituições e as famílias. Quando falo instituições, não falo só sobre as instituições de atendimento, mas também sobre a escola, que tem uma visão diferente dessa criança e desse adolescente. Não podemos atribuir isso apenas à vigência do estatuto, mas às mudanças culturais que foram acontecendo. Vivemos hoje um momento de implementação do estatuto e de mudanças culturais dentro deste momento da história da humanidade que faz com que a infância e a adolescência não sejam a mesma que tínhamos há 20 anos.
ABr: É difícil falar sobre o ECA e não abordar a questão social. Entre 2002 e 2010, houve um crescimento de 9.555 para 17.703 do número de adolescentes internados. Esse foi justamente o período em que houve o maior movimento de inclusão social e ascensão de classes econômicas. Por que houve esse crescimento? A questão da necessidade de cumprir medidas socioeducativas está atrelada à exclusão social?
Carmen: Podemos agrupar esses números sem distorcê-los. Por exemplo, pegando o corte de 1996 a 2004, tivemos um crescimento na internação de 218%. É praticamente impossível administrar um sistema iniciado com uma gestão com mil adolescentes e concluído com 2 mil. O que acontece é que você tem as mesmas unidades de internação para atender o dobro de meninos, e nessa duplicação você vai ter unidades superlotadas. Isso, para nós, é quase sinônimo de violação dos direitos. De 2004 a 2010, nós tivemos um aumento de 31% [das internações de adolescentes], ou seja, caiu de 218% para 31%. Em 2006, começamos a trabalhar já com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo [Sinase]. O sistema socioeducativo no Brasil tende à estabilização no momento. Nós estamos, assim, oscilando entre um ano sem crescimento, para anos com aumento de 2%, 4%. No ano passado, os 4% de crescimento são resultado do aumento na internação provisória [quando o juiz interna o adolescente provisoriamente até tomar uma decisão a respeito da medida que será aplicada].
ABr: Ainda há pontos que possam ser melhorados no ECA, passados esses 21 anos?
Carmen: Sim. Defendemos o contínuo aperfeiçoamento do estatuto. Não o consideramos um marco legal. Várias mexidas já foram feitas no ECA, tentando melhorar aquilo que se apresentava como lacuna ou até mesmo com uma certa impropriedade. Um exemplo concreto disso foi a Lei de Adoção, aprovada recentemente. Ela melhora o estatuto em vários pontos, tanto nos procedimentos de adoção quanto nos de abrigamento institucional. No que diz respeito ao sistema socioeducativo, temos hoje em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Ele aprimora várias coisas do estatuto, como o cumprimento de medida de internação. O único direito restrito ao adolescente é o de ir e vir. Ele tem que ter acesso à saúde, à educação, à profissionalização. O Sinase vai tornar mais concreto o que deve ser feito nos casos de aplicação de medidas socioeducativas, inclusive as responsabilidades que o gestor tem na oferta desses cuidados.
ABr: Como está a questão dos conselhos tutelares no país?
Carmen: Um ponto a ser destacado são os conselhos tutelares. O conselho tutelar é uma figura ímpar, pois não existia na história brasileira antes do estatuto. Ele é tão pioneiro que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Temos uma implantação muito boa, pois 98% dos municípios brasileiros têm conselho tutelar. Porém, a maioria funciona com grande precariedade. O entendimento da ministra Maria do Rosário [da Secretaria de Direitos Humanos] é que os conselhos tutelares são a nossa ponta de lança em direito da criança e do adolescente nos municípios. Vamos fazer um grande investimento de reordenamento. As instalações físicas serão financiadas, também haverá atendimento com um kit e equipamentos. É um investimento que vai ser feito para qualificar esse atendimento para que realmente não tenhamos os problemas que nós temos, como conselho tutelar sem telefone, sem sala apropriada para atendimento, sem carro para fazer uma abordagem na rua ou para buscar uma situação de violação de direitos.
Por: Daniella Jinkings e Gilberto Costa/Agência Brasil