Arquediocese acusa diplomata português desviar R$ 2,5 milhões
O nome é imponente: Adelino d’Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto.
“Ele é muito bem falante, muito bem relacionado”, define Dom Dadeu Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre.
“É um homem sedutor”, acrescenta o delegado Paulo César Jardim.
Era vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre, mas foi indiciado por estelionato pela polícia do Rio Grande do Sul. Ele estaria por trás do sumiço de R$ 2,5 milhões da arquidiocese da capital.
Segundo a polícia, no fim de 2010, o vice-cônsul informou a um grupo de padres que ajudaria a restaurar igrejas de origem portuguesa no estado. Para as obras, prometeu um total de R$ 12 milhões, que seriam doados pelo governo português através de uma ONG da Bélgica.
“Sempre falando em governo de Portugal, não só para os padres, como nas inúmeras entrevistas que ele deu nos rádios, nos jornais. Ele chegou a noticiar no próprio blog da embaixada de Portugal que o governo do país iria ajudar no restauro destas igrejas”, explica o delegado Paulo César.
Em dezembro, três religiosos embarcaram para Lisboa, junto com Adelino, para uma reunião com a diretora da tal ONG, apresentada como Teresa Falcão e Cunha. O encontro foi na basílica da estrela.
“Mas não tinha escritório, não tinha ONG, não tinha uma sala, não tinha nada”, aponta o delegado.
Os projetos de restauração, que incluíam a reforma da igreja em Porto Alegre, foram aprovados pela misteriosa mulher, mas havia uma condição: a arquidiocese teria que fazer um depósito de R$ 2,5 milhões, uma garantia de que tinha mesmo a intenção de fazer as obras. O valor seria devolvido quando chegasse a doação do governo português.
Teresa Falcão e Cunha pediu, então, que o dinheiro fosse depositado em um banco europeu, mas os padres se recusaram a fazer uma transferência internacional. Foi quando o vice-cônsul, Adelino Pinto, ofereceu uma conta pessoal para que a quantia fosse depositada.
Os padres só aceitaram a ideia quando Adelino concordou em registrar em cartório o compromisso de devolver o dinheiro. Os documentos foram assinados por ele e por um padre da arquidiocese, Luis Inácio Ledur.
Segundo as investigações policiais, os padres fizeram três depósitos na conta de Adelino em uma agencio, no bairro de São João, em Porto Alegre.
“Para nós, era a conta do consulado. Então nós depositamos lá. Tinha prazo com escritura pública para a devolução”, conta Dom Dadeu.
Os R$ 12 milhões que a ONG deveria repassar no início do ano nunca apareceram. A arquidiocese pediu o dinheiro da caução de volta. O vice-cônsul começou a passar cheques de mais de R$ 500 mil, R$ 600 mil e de quase R$ 1,5 milhão. Mas todos acabaram devolvidos porque a assinatura não batia com a que ele tinha registrado no banco.
Pouco antes de ter a prisão preventiva decretada em agosto, o vice-cônsul voltou a Portugal. É considerado foragido pela Justiça brasileira.
Mas o repórter Pedro Bassan o localizou em Lisboa. Adelino Pinto encontrou a equipe do Fantástico no escritório do advogado dele.
Pedro Bassan: Doutor Adelino, onde é que está o dinheiro da igreja?
Adelino: Temos que ver bem. Duas coisas. O dinheiro que o padre Luís Inácio Ledur depositou e transferiu, nós fomos a uma agência a 20 quilômetros de Porto Alegre, em Bom Princípio, onde o gerente era muito amigo e conhecidos do Padre Luis Inácio. Verbalmente, passou para a minha conta, e da minha conta foi imediatamente para uma conta numérica em Bruxelas. Estou desconfiado se essa conta não seria do próprio padre Ledur a fazer desvio.
Pedro Bassan: Como é que o senhor aceitou ser intermediário de uma transação como essa sem assinar nenhum documento?
Adelino: É a tal coisa: a pessoa está diante de pessoas de fé, pessoas credíveis, não vamos desconfiar.
“Esta versão é inverídica do princípio ao fim. Bom Princípio é tão somente a cidade natal do padre Ledur. Os documentos do processo provam isso”, afirma Luciano Feldens, advogado dos padres.
A quebra de sigilo bancário de Adelino revela que no mesmo dia em que os padres fizeram o primeiro depósito, o vice-cônsul transferiu R$ 1,3 milhão para outra conta pessoal dele, em Portugal.
“Este dinheiro jamais poderia ter sido movimentado”, ressalta o advogado.
Adelino afirma que o dinheiro foi repassado para Teresa Falcão e Cunha, a misteriosa diretora da ONG.
“Eu não consigo mais falar com a doutora Teresa Falcão e Cunha, ela desligou o telemóvel, desligou o celular, e não responde a emails”, diz Adelino.
Os padres brasileiros, que nunca procuram saber se a ONG existia mesmo, também não têm notícias dela.
“Na realidade, a Igreja sempre negociou com o cônsul, e, ao fazê-lo, estava negociando com o governo português”, comenta o advogado dos padres.
Em Portugal, quem cuida do caso é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas nenhum representante do governo quis gravar entrevista sobre o assunto antes do fim das investigações. Além de um inquérito disciplinar no ministério, Adelino Pinto também é alvo de um inquérito criminal na Procuradoria-Geral da República. Por enquanto, ele está suspenso e foi exonerado do posto de vice-cônsul em Porto Alegre.
“Quem não deve, não teme. Estou aqui, dou a cara, apareço onde for preciso”, assegura Adelino.
“Adelino fez inúmeras declarações, fez inúmeras promessas, disse inúmeras coisas. Eu não sei qual delas ele conseguiu cumprir”, conclui o delegado Paulo César Jardim.
Do G1/Fantástico