‘Não sou mais um monstro’, diz soldado que fez transplante completo de rosto
Ele era visto com repulsa por estranhos e as crianças fugiam dele chamando-o de “monstro”. Mas um transplante completo de rosto – apenas o terceiro nos EUA – promete transformar de vez a vida de Mitch Hunter.
Quando bati à porta da sua casa, em um subúrbio de Indianápolis, não sabia o que esperar. Eu tinha visto fotos de Mitch antes e depois de dez anos de cirurgia plástica, mas não depois do transplante completo, feito há apenas quatro meses.
Ele abriu a porta segurando seu filho Clayton, de 18 meses, nos braços. O que vi me deixou impressionado.
Mitch não é mais o jovem bonito que era, mas a transformação em comparação ao rosto de seis meses atrás é surpreendente. Olhando para pai e filho, é possível até ver os traços familiares.
Ele tinha 20 anos quando o carro em que ele estava bateu em poste contendo cabos de eletricidade de 10 mil volts.
Enquanto tentava resgatar uma passageira que também estava no carro, recebeu uma descarga elétrica que lhe deixou sem uma perna e com o rosto totalmente queimado.
Nos dez anos seguintes, passou por inúmeras cirurgias para reconstruir o rosto – mas os resultados não passavam de remendos.
“Monstro”
Foi o nascimento do filho Clayton que levou Mitch a optar pelo transplante completo de rosto – apenas o terceiro feito nos EUA.
“Vi muitas crianças correrem para se esconder atrás das mães porque ficavam muito assustadas quando me viam”, contou.
“Isso estava ficando difícil, porque meus amigos começaram a ter filhos, depois meu irmão teve um filho. Quando tive Clayton, não quis mais que as crianças tivessem medo de mim.”
A operação, realizada em abril, foi financiada por uma iniciativa entre o hospital Brigham and Women’s, em Boston, e as Forças Armas americanas.
O número de soldados que regressam do conflito no Afeganistão com o rosto e membros mutilados levou os militares a financiar pesquisas na área de reparação plástica, incluindo transplantes de mão e rosto.
Sob a coordenação do cirurgião Bohdan Pomahac, o hospital já realizou três transplantes completos de rosto e já tem outros cinco em vista.
Para ser elegível para uma cirurgia completa, o paciente precisa ter pelo menos 25% do seu rosto danificado. Pomahac acredita que pelo menos 200 a 300 veteranos de guerra preenchem o critério.
Surpreendentemente, encontrar um doador não é tão difícil. O médico explica que prefere doadores jovens e do mesmo sexo, embora reconstruções computadorizadas sugiram que transplantar o rosto de uma mulher em um homem possa funcionar. Isto ainda não foi tentado.
O rosto é transplantado em toda sua espessura, mas o que realmente determina o visual final do rosto é a estrutura óssea da face do paciente.
No caso de Mitch, a operação correu bem. A equipe removeu a face antiga de Mitch antes de sobrepor a nova.
Pomahac conectou artérias a três nervos do corpo de Mitch no novo rosto. A nova cara do paciente, com nariz, lábios e músculos, foi então costurada no seu lugar.
A operação – a segunda do cirurgião – durou 14 horas, um pouco menos que a sua primeira.
“Quisemos simplificar a operação para torná-la mais fácil de repetir, e acho que conseguimos isso”, disse o médico. “Mas a cada operação aprendemos uma enormidade de coisas.”
Recuperando os sentidos
Mitch conta que, no início, o rosto estava muito inchado. “Parecia o rosto de um sujeito de cem quilos”, afirmou.
À medida que o inchaço diminuía, os traços ficavam mais definidos.
Entretanto, o irmão de Mitch, Mark, diz que era capaz de ver o rosto do antigo Mitch desde o primeiro dia.
“Não sabia como eu ia reagir, mas quando atravessei a porta do hospital, vi que era ele, meu irmão”, disse.
A mulher de Mitch, Katerina, é uma ex-colega de escola que ele começou a namorar muitos anos atrás, antes do transplante.
Katerina disse que já havia aceitado o fato de que seu companheiro tinha um rosto deformado, embora percebesse que ele era infeliz e evitava sair de casa.
Questionada sobre o fato de beijar os lábios de um morto – o dono original do rosto -, ela diz: “Nunca o beijei nos lábios antes.”
“É simplesmente louco quão longe a ciência chegou e o que eles conseguem fazer. É simplesmente incrível”, afirma Katerina.
Mitch diz que as sensações estão voltando e que ele consegue, por exemplo, elevar as sobrancelhas, fazer bico e sorrir.
“Ainda tem um pouco de pele de sobra em alguns lugares”, afirma. “Mas me disseram que no fim vou ficar parecido com o que era.”
O médico, Pomahac, diz que o quadro deve melhorar aos poucos, em especial no que tange às sensações.
“A primeira sensação se desenvolve no primeiro ou segundo mês. Ainda é muito pequena, mas continua a melhorar”, diz.
Fonte: BBC