O IPTU é um imposto mal administrado pelos municípios
Em todos os municípios do Brasil é nos meses de janeiro e fevereiro que os contribuintes recebem o lançamento do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, o IPTU, cujo fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, que se localize em área urbana do município (CTN, artigo 32).
Tratando-se de um imposto direto, o lançamento identifica o sujeito passivo, o que faz com que não haja dúvida sobre quem o deva pagar. Cuida-se, pois, de imposto perfeitamente identificável para quem o deve suportar, ao contrário dos chamados impostos indiretos (ICMS, por exemplo). Com isso, o contribuinte pode reclamar com mais facilidade de eventuais inconsistências do lançamento, o que não ocorre no imposto que incide nas mercadorias que consome. Além de tudo, por ser um tributo municipal, o contribuinte costuma identificar o chefe do poder executivo (prefeito) como responsável pela cobrança.
Claro que se houver um aumento expressivo do IPTU de um ano para outro o prefeito vai ser criticado pelos cidadãos e sofrer o desgaste político que daí possa resultar. Assim sendo, é muito comum que nos pequenos municípios a cobrança é negligenciada, seja com a fixação de alíquotas muito baixas, seja com o uso de um valor venal abaixo da realidade.
Apesar disso tudo, o IPTU pode e deve ser utilizado como instrumento da JUSTIÇA TRIBUTÁRIA. Essa utilização pode se realizar através da aplicação de alíquotas variáveis, como prevê o artigo 156 artigo 1º ou mesmo pela aplicação das normas do artigo 182 da Constituição, estas combinadas com a Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades).
No que se refere à base de cálculo, isto é, ao valor venal, o lançamento deve estar o mais próximo possível da realidade. Cabe ao contribuinte impugnar o valor exagerado, o que se prevê no artigo 148 do CTN , mediante processo regular. Todavia, a eventual discussão não suspende o pagamento, a menos que o contribuinte deposite judicialmente o valor questionado.
Ao longo do tempo temos constatado que o valor venal na maioria dos casos é fixado abaixo da realidade. Assim, não são comuns as discussões em torno desse aspecto do lançamento.
Mas uma eventual atualização do valor venal de um ano para outro não pode ultrapassar a correção monetária sem que haja lei autorizando. Essa é a determinação do artigo 97 do CTN e o que já se definiu na Súmula 160 do STJ: “É defeso ao município atualizar o IPTU mediante decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”
Ocorre muitas vezes divergência entre o valor venal lançado pelo município e o valor que o contribuinte imagina possuir seu imóvel. Quando o lançamento atribui valor menor o contribuinte nada tem a reclamar, por motivos óbvios. Ademais, o IPTU não é o único tributo de que dispõe o município para arrecadar. O contribuinte pode ser contribuinte do ISS, além de pagar IPVA (o município recebe metade) e sem dúvida adquire mercadorias sujeitas ao ICMS e ao IPI, impostos de cujas receitas o município também participa. Por último, é muito raro que os moradores de uma cidade qualquer estejam felizes com a administração pública.
Haverá reclamação quando o valor venal estiver acima daquele que o contribuinte acredita ser o correto. Isso pode ser objeto de um pedido de retificação na própria administração ou então na justiça. Todavia, há ocasiões em que a queixa não tem sustentação. Por exemplo: determinado imóvel foi avaliado neste ano em cem mil reais, mas há cerca de um ano o proprietário tenta vendê-lo por oitenta e não consegue.
Tal situação muitas vezes nada tem a ver com o lançamento, podendo ser resultado da especulação imobiliária ou da crise no mercado, geralmente setorial, localizada, como há hipótese de anúncios de obras públicas, temor de desapropriações, falta de liquidez ou financiamento, ou mesmo questões específicas relacionadas com o imóvel e que prejudicam negócios: inventários, problemas fiscais, falta de certidões, etc.
Assim, qualquer discussão sobre o valor venal deve ser estudada com atenção e se necessário, baseada em avaliação extrajudicial, por perito (engenheiro ou arquiteto), registrando-se que em juízo as avaliações feitas por corretores de imóveis podem ser questionadas. Deve o contribuinte afastar-se de ofertas de soluções ilícitas de supostos despachantes ou intermediários. Essas ações são criminosas e o contribuinte não pode se tornar cúmplice de bandidos.
No que respeita à alíquota, ela deve ser fixada por lei municipal e não pode ser progressiva. Não existe uma alíquota uniforme no IPTU, com o que ela pode variar de um local para outro, como determinar a lei do respectivo município. Em Iguape/SP, cobra-se 5% do valor venal, enquanto em São Paulo, Capital, varia de 1,5 a 2%. Ao que parece um imposto de 5% ao ano implica em confisco da propriedade num espaço de 20 anos o que, em se tratando de imóvel, significa espaço de tempo relativamente curto.
Ora, o artigo 150, IV da Constituição proíbe o uso de imposto com efeito de confisco. No caso do IPTU essa possibilidade não pode ser aceita, ante o que assegura o artigo 6º da mesma CF, que considera a moradia um dos direitos sociais de qualquer cidadão. Quer nos parecer, portanto, que é necessária a fixação de uma alíquota máxima a ser definida em lei complementar, como já existe para o ISS. Sem isso existe a possibilidade de confisco.
O Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) disponibiliza mecanismos adequados para o uso do IPTU no combate ao uso não social da propriedade, que o inciso XXIII do artigo 5º da CF subordina à sua função social.
Dentre as armas colocadas à disposição do município (especialmente grandes cidades) a cobrança progressiva do IPTU é uma das principais, podendo chegar à desapropriação especial do imóvel. Isso pode e deve ser feito nos casos de imóveis abandonados que podem ser utilizados para minorar o problema da habitação nos grandes centros.
Assim, um exame atento da legislação do IPTU, em conexão com os instrumentos legais que o Congresso colocou à disposição dos municípios, pode melhorar a arrecadação fixando o valor venal na realidade, e quem sabe reduzir o interesse dos proprietários em manter imóveis sem uso. Isso é Justiça Tributária. Sem isso o IPTU continuará sendo um imposto mal administrado.
Por: Raul Haidar, advogado tributarista, jornalista e membro do Conselho Editorial da revista Consultor Jurídico.