Brasileiro vai às compras e gasta mais do que pode
Os bancos anunciaram uma histórica redução dos juros. O governo baixou impostos sobre eletrodomésticos e móveis. Os salários estão melhores. O desemprego, em um patamar baixo. À população, só resta atender aos apelos de um mundo que incentiva o consumo voraz. Brasileiros compram como nunca, um movimento explicado pelas facilidades e o desejo reprimido de anos. Mas o que está por trás das nossas escolhas, que muitas vezes nos levam a perder o controle dos gastos e colocar o ato desenfreado de comprar acima de valores consagrados?
Mais do que riqueza e status, o consumo seria uma tentativa de indicar superioridade biológica. A tese é defendida no livro Darwin vai às compras – Sexo, evolução e consumo (Ed. Bestbusiness), do professor de psicologia evolutiva Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, e recém-lançado no País.
“A ciência mostra que compramos o que nos ajuda a exibir características pessoais que já temos – ou gostaríamos de ter. A segunda opção é mais comum em quem desfruta da prosperidade pela primeira vez. Parecer inteligente, interessante ou confiável impressiona”, disse o especialista em entrevista exclusiva ao JT.
As milhares de pessoas que tiveram uma expressiva ascensão social nos últimos tempos transferem para os objetos de desejo o que elas aspiram ser. “Esse comportamento é compreensível, mas não justificável”, diz a psicóloga Valéria Meirelles, autora da tese de doutorado “Atitudes, crenças e comportamentos de homens e mulheres diante do dinheiro ao longo da vida adulta”, a ser defendida em agosto na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Valéria diz que a nova classe média está vivendo no ‘agora’, se endividando e comprometendo o que seria uma qualidade de vida de verdade. “Ninguém gosta de decidir no presente algo que é incerto no futuro. Por isso, não poupam. Mas o atual e furioso fluxo de gastos causa angústia.”
Essa sensação ruim acompanhou a gerente de reservas de hotelaria Mayra Vieira, de 33 anos. Disposta a dar uma guinada na carreira, ela optou por uma pós-graduação cara. “Sabia que seria difícil pagar, mas precisava do curso para crescer”, diz. O problema foi assumir um gasto elevado e não resistir às vitrines. “Continuei comprando muita roupa e maquiagem. E nem usava tudo.”
Pagando uma pós cara e sem resistir ao shopping, Mayra se endividou. Mas quitou tudo e aprendeu a poupar (Foto: JF Diorio/AE)
O consumo tenta preencher uma necessidade de pertencimento, que é natural do ser humano. “Nossas emoções são mais frágeis do que imaginamos”, diz Valéria. A ostentação de itens como celular, roupa e carro, que são imediatamente visíveis, dão à pessoa a ilusão de que é alguém melhor numa sociedade competitiva e de comparação com o outro.
“O desenvolvimento pessoal de verdade é trabalhoso, exige estudo e adiar desejos momentâneos em nome de algo maior”, diz a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, especialista em psicologia econômica e professora na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). “Nossos ancestrais só se preocupavam em sobreviver, não em melhorar. Daí a dificuldade de pensar a longo prazo.”
Seria a educação a balizar esse desejo de reconhecimento. Mas como o tema finanças nas escolas só começa a aparecer agora, são gerações inteiras sem muita ideia do que fazer com o dinheiro. “A recente expansão de crédito chega a ser preocupante. As pessoas não sabem administrar o que ganham e estão derrapando na inadimplência e no endividamento”, diz Vera Rita.
O perfil de quem resiste às tentações mercadológicas é de alguém centrado, organizado, que não liga para o que os demais dizem e lida bem com a realidade. Não é impossível chegar lá. O primeiro passo é entender que dinheiro é bom, traz tranquilidade, conforto e satisfação. Mas não cura tristeza nem leva à felicidade.
Fonte: Jornal da Tarde