Paulinho da Viola: 70 anos repassados em seis horas

Paulinho com Hermínio Bello de Carvalho e Elton Medeiros ao fundo: depoimento para a posteridade cercado de amigos

Esperada há alguns anos, a participação do músico Paulinho da Viola no projeto Depoimentos para a Posteridade, feito pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), finalmente ocorreu na tarde desta sexta-feira dentro de um auditório lotado por fãs, familiares e amigos como Monarco e Teresa Cristina. A mesa foi comandada por Rosa Maria Araújo e teve como entrevistadores o compositor Elton Medeiros, o produtor musical e compositor Hermínio Bello de Carvalho, e os jornalistas Sérgio Cabral e Ruy Fabiano.

Durante seis horas, Paulinho falou de sua infância no bairro de Botafogo; dos tempos do colégio Joaquim Nabuco; da influência das reuniões musicais que seu pai organizava em casa; do seu ingresso nas rodas de samba na casa da Tia Trindade, em Jacarepaguá. Frustrou expectativas de quem esperava que ele falasse do incidente do show do ano novo de 1995 para 96 (em que se indispôs com Caetano, Gil e Chico por causa do cachê). Mas, pela primeira vez, comentou o rompimento com a Portela, em 1977.

— Eu nunca comentei essa história, mas agora acho importante deixar registrado o que realmente aconteceu — disse Paulinho, que nesta época era um dos principais compositores da escola de samba de Madureira. — Naquele momento, se começou a discutir muito o que era samba. Tinha gente que começou a dizer que o samba tinha que ser mais rápido, que o andamento tinha que acelerar, que tinha que acabar com esse samba mais arrastado, longo… Candeia era contra isso. Aí, em 1977, a Portela veio com o enredo “Mulher à brasileira”.

Paulinho contou que todos foram chamados para ouvir as composições daquele carnaval em uma casa no Joá, e não na quadra da Portela, o que ele achou estranho. De acordo com o músico, ao término da audição, o carnavalesco daquele ano disse não ter gostado de nenhum samba. Paulinho disse que Candeia e ele teriam proposto que então todos refizessem os sambas sob nova orientação. Mas a diretoria da escola disse que não havia tempo para isso.

Ele e Candeia votaram no samba de Jair do Cavaquinho, porque “era o que tinha mais cara de Portela”. Mas a composição vencedora foi a de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, dois nomes novos na ala de compositores da escola. Detalhe: ela foi apresentada em forma de canção, e não de samba.

— Acho que já estava tudo combinado, mas acho que o Jair e o Evaldo nem sabiam disso. Aí dissemos que desse jeito iríamos sair, eu e Candeia. Foi parar no jornal e tudo, eles disseram que a gente não ia fazer falta… Mas aí depois de um tempo eu voltei – recordou Paulinho, que logo depois do rompimento participou da escola de samba Quilombo, de Candeia, que se propunha a ser um instrumento de resistência à comercialização do carnaval.

O inventor da velha guarda

A relação de Paulinho com a Portela foi recordada em diversos momentos do depoimento, como quando Sérgio Cabral lembrou que o LP “Portela, passado de glória” (1970), produzido por Paulinho, foi o marco da criação das velhas guardas da escolas de samba:

— Você inventou a velha guarda! Depois disso, todo mundo criou a sua – lembrou o jornalista.

Paulinho falou de política, dizendo que, apesar de sempre ter se considerado de esquerda, nunca se sentiu “à vontade de fazer samba como panfleto”; lembrou casos prosaicos, como o dia em que ganhou na loteria esportiva junto com João Bosco; e comentou discos históricos, como “Conjunto A Voz do Morro – Os Sambistas” (1966), “Foi um rio que passou em minha vida” (1970), “Dança da solidão” (1972), “Zumbido” (1979), “Eu canto samba” (1989) e “Bebadosamba” (1996), álbum que lhe rendeu disco de ouro pela primeira vez.

Apesar do sucesso como grande compositor, Paulinho confessou, modesto, a dificuldade que sempre sentiu na hora de criar músicas:

— Compositor é meu lado mais terrível. Não tenho disciplina, é a coisa mais difícil para mim. Adoro cantar, acompanhar os amigos tocando, mas compor é um processo difícil.

A mesma dificuldade ele disse ter ao colocar letra em melodias já compostas:

— Acho isso muito difícil! Admiro quem tem essa capacidade, porque tem gente que faz com muita facilidade. Até para escrever um bilhete para uma pessoa é uma dificuldade…

Neste momento, Elton Medeiros o interrompeu:

— Paulinho, eu devo ter feito uma 15 músicas nas quais você colocou a letra depois. Você sempre fez isso muito bem!

A respeito das comemorações dos 70 anos de idade – que ele completa no dia 12 de novembro -, Paulinho disse não ter grandes planos:

— Eu sempre comemorei meu aniversário em família, uma coisa pequena.

Discos inéditos

Mas contou ter dois discos gravados que nunca foram lançados (um de 2006 e outro de 2010), e que prepara um novo — sem data para gravar. Dele, o músico disse já ter cerca de quatro músicas prontas. Além disso, disse que uma biografia sua deve ser feita pelo jornalista Ruy Fabiano em parceria com uma editora de São Paulo. A publicação também não tem previsão de lançamento.

Em relação à sua rotina hoje, Paulinho disse que não se obriga a compor, cantar ou tocar todos os dias, e que tem se preocupado mais em descansar, encontrar os amigos, conversar e desacelerar o ritmo das coisas. Como exercício físico, contou que a sinuca, “esporte” que o acompanha desde a adolescência, é seu favorito (apesar das recomendações médicas para ele fazer “musculação para a terceira idade”).

Ao final do depoimento, declarou:

— Falamos muito, mas é sempre insuficiente. Eu sou um contador de histórias. Não falamos nem um décimo de coisas que eu poderia me lembrar. Podemos, inclusive, marcar um outro encontro aqui — brincou. — Mas espero que esse material possa ajudar na compreensão de algumas coisas e na feitura de sambas e choros. Espero que seja útil. A nossa música é a nossa cultura.

Fonte: O Globo

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