João Roberto Marinho: ‘A melhor mídia ainda é o papel’

João Roberto Marinho com Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, e Ascânio Seleme (à direita)

João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, conversa com Ascânio Seleme, diretor de Redação, e Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, editor executivo de primeira página, sobre o novo projeto gráfico. João Roberto conta que seu pai, o jornalista Roberto Marinho, resistiu à primeira grande mudança gráfica, em 1995, porque não queria surpreender o leitor de um dia para o outro. A conversa:

ASCÂNIO: O novo projeto gráfico, João, está aí. O que ele representa para O GLOBO depois de quase 17 anos do último redesenho?

JOÃO ROBERTO: Para entender o novo, vale a pena falar sobre como chegamos a ele. O GLOBO nasceu em 1925, fundado por Irineu Marinho, após deixar “A Noite”, um jornal já de muito sucesso no Rio de Janeiro. Ele era sócio e levou boa parte da equipe para fundar O GLOBO. E sempre com a filosofia que vinha da “Noite”: um vespertino que tinha muita informação e agilidade, com ampla cobertura da cidade. Com esse DNA, O GLOBO foi evoluindo e se adaptando aos tempos. Diante do trabalho jornalístico das rádios e da televisão, principalmente nas décadas de 50 e 60, meu pai começou a entender que o vespertino ia perder espaço para o telejornal da noite.

ASCÂNIO: Que também vinha com muita agilidade.

MINEIRO: É uma discussão muito parecida com a que fazemos hoje, diante da internet.

JOÃO ROBERTO: Exatamente. E ele (Roberto Marinho) foi puxando O GLOBO para se tornar matutino, o que é até hoje, sem perder as características de vespertino.

ASCÂNIO: Muita notícia na página.

MINEIRO: Ali (aponta para um quadro na parede com primeiras páginas do GLOBO de 1925 a 1995) você tem a prova gráfica do que está falando. Veja a quantidade de informação, de texto, de títulos e de fotinhas pulando nas páginas. O jornal vai se tornando mais seletivo aos poucos, lentamente.

JOÃO ROBERTO: Meu pai teve essa genialidade de conseguir trazer O GLOBO para ser um matutino, sem perder as características de vespertino e sem o leitor perceber…

ASCÂNIO: Enfrentando nova concorrência…

JOÃO ROBERTO: Enfrentando a concorrência da televisão. E foi aí que, na década de 1990, com a maior qualidade do jornalismo na televisão, a gente concebeu esse projeto de 1995, que devia manter sua característica informativa, mas precisava diferenciar o que era mais relevante. Teria que deixar claro para o leitor quais eram as notícias mais importantes e criar uma diferença maior com as que não tinham tanto peso.

ASCÂNIO: Hierarquizou mais a notícia e reduziu a quantidade de informação. Antes o jornal chegava a ter 10, 15 matérias por página. Teve caso de página 3 ou 4 na editoria nacional que era uma salada.

JOÃO ROBERTO: Como você disse. As edições antigas do GLOBO, na própria primeira página, tinham um número de chamadas muito grande.

MINEIRO: É aquela ideia de querer publicar tudo, dilema de todo editor e, naturalmente, de toda reforma gráfica. O problema é que, a cada modernização, a gente vai tendo que publicar menos, e, portanto, escolher mais. É o maior drama do jornalista: jogar notícia fora é terrível! De 1925 a 1985, aparentemente, a primeira mudança importante na primeira do jornal foi no logotipo, que fica fixo…

JOÃO ROBERTO: Vai para cima.

MINEIRO: Foram 70 anos até a primeira grande reforma gráfica, em 1995. De lá para cá, são apenas 17 anos e já vamos fazer outra mudança. Será que daqui a pouquíssimo tempo teremos outra? Estaríamos nós, neste momento, fazendo a última reforma do papel?

JOÃO ROBERTO: Não. Não acredito de forma nenhuma. Vamos fazer várias. Vamos fazer muitas ainda e, talvez, em prazos mais curtos. É verdade: a primeira reforma gráfica do GLOBO foi a de 95 e isso era uma característica do meu pai. Ele achava que o jornal não devia surpreender o leitor. O jornal devia evoluir sutilmente na sua apresentação gráfica, com o leitor sempre habituado a ela, em vez de fazer uma reforma em que, num dia, sairia diferente do que era antes.

ASCÂNIO: Foi o que aconteceu em 95. Mas não é o que acontece agora.

JOÃO ROBERTO: Não, não é o que acontece agora. Em 95, estávamos com uma proposta de mudar o projeto do jornal mesmo, não era só uma questão gráfica. Era de estrutura do jornal, e nosso projeto foi muito feliz. Enquanto a maioria das reformas ia na direção de matérias mais curtas para concorrer com a televisão e ser breve porque não se pode ter texto longo e não sei o quê, O GLOBO foi na direção oposta. Fez uma reforma que, ao contrário, destacou o que o Chico Amaral (diretor de Arte da Cases e responsável pelo novo projeto gráfico) chama de consolidação dos assuntos, privilegiando textos longos nas matérias que realmente são importantes para o leitor ter visões diferentes de um mesmo assunto.

ASCÂNIO: Houve jornais que recomendavam a seus repórteres parágrafos curtos, textos menores.

JOÃO ROBERTO: É. Só terminando essa história, que é engraçada: foi muito difícil para nós, da estrutura do jornal, convencer o meu pai a fazer uma reforma de um dia para o outro. Foi muito difícil. Ele não queria de jeito nenhum. Ele entendeu o que era o projeto, apostava nele, achava que sua concepção estava certa, no sentido de mudar a estrutura, de ter textos mais longos e privilegiar as matérias principais. Mas a ideia de surpreender o leitor com um jornal diferente de um dia para o outro, para ele, era uma coisa inaceitável. Fomos demonstrando para ele que não íamos surpreender o leitor, que íamos fazer todo um trabalho de preparação antes…

ASCÂNIO: Durante um mês inteiro, o jornal teve matérias para apresentar ao leitor seu novo projeto gráfico.

JOÃO ROBERTO: Passamos um mês preparando o leitor para a mudança e criando um grande clima para a mudança acontecer, até que fizemos aquela festa e tal…

ASCÂNIO: Na reforma que fazemos agora, a essência do projeto de 95 continua: matérias grandes, fotos dominantes e aberturas consolidadas. Mas o jornal vai respirar mais. Você sentiu isso, que é um projeto que traz mais leveza, facilidade de leitura, conforto para o nosso leitor?

JOÃO ROBERTO: Sem dúvida. O projeto novo é uma evolução do atual. Não muda a estrutura como mudamos em 95. Ele continua com essa aposta do GLOBO, que é muito bem-sucedida. Mas torna o jornal mais agradável para o leitor. Ele tem, tanto na tipografia quanto na própria arrumação, o uso dos espaços brancos. Melhora muito a legibilidade e é mais organizado na forma de apresentar as matérias. Verticaliza mais os textos mais longos. Tem uma forma de apresentar o conjunto das matérias mais agradável e mais organizada. Fica mais claro ali o sentido da leitura. O GLOBO vai ficar mais agradável.

MINEIRO: O projeto que vinha desde 95 é maravilhoso, mas já há algum tempo enfrentávamos camisas de força, coisas muito rígidas e enquadradas no desenho. Quando o projeto novo foi apresentado, houve uma coisa incrível: era bater o olho e saber que iríamos, finalmente, fazer coisas que o antigo já não permitia.

ASCÂNIO: Deu um pouco de susto no começo, né? Opa, como é que vai ser? A manchete, por exemplo, tem quatro momentos antes do texto: antetítulo, a própria manchete, uma linha fina e um olho. Quer dizer, a gente tem que fazer a chamada com outra abordagem. No começo, você mesmo ficou um pouco assustado (referindo-se a Mineiro, que fecha a primeira página).

MINEIRO: Sim, porque aprofunda o dilema de fazer jornal hoje, que é o de conversar com pessoas que, pela internet e as outras mídias, já tiveram, em tese, a oportunidade de saber dos grandes fatos do dia. Por isso, temos de fazer algo diferente: ou a matéria exclusiva ou o enfoque exclusivo, mais aprofundado. A partir do instante em que o novo projeto nos dá um antetítulo, uma manchete e duas linhas finas, o que sobra para o texto longo, o texto propriamente dito, o que vamos escrever ali? Talvez aí resida o pulo do gato, porque o texto longo vai exigir que a gente vá além, pois praticamente já contou tudo. Neste além está a dificuldade, mas também a diferença. É um desafio.

ASCÂNIO: É um desafio enorme.

JOÃO ROBERTO: É um desafio bem forte para a edição. Mas falando de título, linha fina, antetítulo, do olho… Isso já foi uma característica do projeto de 95 e é radicalizado nesse nosso novo projeto, que é a ideia de você ter tempos de leitura diferentes para o leitor. Se ele está sem tempo naquele momento, ele dá uma passada rápida pelo jornal, até nas matérias principais, que têm texto longo. Ele lê título, antetítulo, olho, linha fina… Ele fica com uma noção do que aconteceu. Ele pode dar uma passada rápida no jornal e guardar para ler mais tarde, se for o caso. Essa ideia de tempos de leitura diferentes é muito feliz. Já existia e agora está mais bem executada. E espero que ela seja mais bem executada no dia a dia, já que no de 95 tem sido muito bem executada. O GLOBO tem feito um trabalho, com as matérias que buscam um pouco mais de profundidade, diferenciado em relação aos outros jornais. Eu me sinto muito feliz, muito gratificado, com as opções que fizemos. A gente tem conseguido executar isso muito bem, e acho que esse projeto novo tem um desafio maior na edição mesmo. Ele vai dar trabalho.

ASCÂNIO: E ele valoriza muito os suplementos. Dá até uma certa leveza de revista à primeira página. E lá dentro também. A diagramação é completamente nova. E isso é uma coisa que vai nos forçar também a dar mais espaço para os suplementos na primeira página.

JOÃO ROBERTO: Acho isso muito bom porque o suplemento é uma coisa do maior interesse do leitor. Nós, jornalistas, temos uma tendência, na primeira página, de querer valorizar o quente. Mas o leitor quer o suplemento. Ele quer saber o que está no suplemento logo.

MINEIRO: Agora, uma outra coisa: o humor, o que você acha do humor no jornal? Algo que é quase uma marca registrada do jornal, o único, aliás, que tem um chargista na primeira página (Chico Caruso, desde 1985).

JOÃO ROBERTO: Fico muito satisfeito de o novo projeto valorizar o humor. O noticiário, de maneira geral, é pesado. É aquela história: se tudo está correndo bem, se você chegou no trabalho sem nenhum problema, então não tem notícia. Notícia é o que está fora da rotina. Na maior parte das vezes, o noticiário é pesado, é negativo, é crítico, incomoda. Então, a presença do humor para quebrar esse peso do noticiário é um valor que O GLOBO tem, sensacional, que dá um momento de descontração diário, com o Chico na primeira. Foi uma inovação do GLOBO publicar charge diariamente na primeira página. Foi uma decisão de meu pai, na década de 80. Mas é maravilhoso também, além do Chico, quando o assunto se presta, usar o humor no próprio texto da chamada, no antetítulo. Espero ter sempre nas nossas equipes talentos que sejam capazes de fazer isso, com parcimônia, evidentemente, com cuidado, porque, é claro, quando você põe humor em alguma coisa, há uma certa editorialização…

MINEIRO: Há algo no projeto que é sua marca, a sua colaboração pessoal?

JOÃO ROBERTO: Não. Uma das boas características do GLOBO é essa sensação de time. As coisas acontecem a partir de um time talentoso, desde o acionista até o repórter. Cada um com suas características, com seus papéis, mas em time. Não consigo ver uma marca do João, do Ascânio, do Mineiro, do fulano… Sai um produto que vem de uma forma de ver o jornalismo, de ver o papel do jornal e vem do time. O que posso dizer é que, do projeto novo, o que eu mais gosto em relação ao atual é o uso do branco. É a forma como o projeto usa os espaços claros para criar um arejamento e um sentido de organização da verticalização.

ASCÂNIO: O que mais se discute hoje é o futuro do jornal impresso. Como você enxerga esse futuro?

JOÃO ROBERTO: Estamos investindo em rotativa, acho que essa é a melhor resposta. Estamos colocando dinheiro em rotativa, mas penso assim: o surgimento da internet, com sua velocidade e imediatismo, ajuda o jornal. Não acho que ela concorra. Ela ajuda porque acaba atraindo leitura para o jornal também e faz a gente ficar mais próximo do leitor, que participa mais, tem a sensação de que está influindo mais (e está influindo mais mesmo) no nosso trabalho. E o jornal, que já é multiplataforma, vai ser cada vez mais. Vai estar no papel, no iPad, no computador. Enfim, em variadas formas. Isso é da natureza da empresa que produz informação. Mas o papel ainda é a melhor mídia, a melhor plataforma de suporte para você ter um conjunto de informação organizada e estruturada. Numa página como essa (mostra uma página 3 do jornal), você aprofunda a questão, você tem tudo aqui para entender o assunto. O jornal oferece o texto longo e, junto, a ilustração visual, o gráfico e a boa foto, de uma forma que dificilmente outra plataforma te dá. Essas características, a facilidade de visualizar tudo e ter tudo na sua mão, de levar para ali, acolá, de ser portátil, são muito agradáveis.

ASCÂNIO: Mas o papel dele é esse mesmo…

JOÃO ROBERTO: Então, o desafio para o jornal é fazer bem essa coisa de ser multiplataforma e usar todos os recursos que a internet permite para enriquecer a experiência do leitor. Tanto na sua relação com o jornal quanto, por exemplo, com os links para os vídeos. Mas desafio mais forte, onde está a maior competição na internet, é no comercial. É nos anúncios. O papel não tem problema, não terá problema. O difícil para o jornal vai ser atuar com inteligência com relação aos anúncios e ser eficiente para os anunciantes.

ASCÂNIO: Hoje, 70% da nossa receita, como jornal, vêm do comercial. E 30%, da circulação. É uma distância…

JOÃO ROBERTO: Isso vai mudar. A contribuição do leitor em relação ao volume da publicidade terá mais peso. O modelo de negócios do jornal, ao longo do tempo, vai mudar, mas isso é outra discussão. O papel, como apresentação do noticiário do dia, do que você precisa estar informado, quando você sai de manhã para o seu dia de trabalho ou de estudo, ainda é uma plataforma sensacional.

MINEIRO: Aquela sensação que muita gente teve de que o papel estava repetindo demais a internet parece que está desaparecendo. Não tenho ouvido mais esta reclamação com a mesma intensidade. Pensei que fosse ouvir alguma sua…

JOÃO ROBERTO: Não. Há notícias que, obrigatoriamente, têm que estar na primeira página, porque também tem gente que não viu na TV e precisa saber. Muitas outras a gente repete, procura dar um ângulo novo, já olhando para a frente…

MINEIRO: Passamos um tempo com muita dúvida, se estávamos conseguindo fazer bem ou não. O impacto do noticiário da internet era muito grande sobre nós. Havia a sensação de que estávamos contando de novo o que todo mundo já sabia porque tinha lido na web.

ASCÂNIO: Estamos cada vez mais convencidos de que o breaking news é realmente a internet. A gente não pode sonegar isso do leitor da internet. Se não, ele vai embora, vai procurar em outro lugar. Ou seja: quando temos a notícia, é preciso dá-la rapidamente, a menos que ela seja absolutamente exclusiva, uma bomba…

JOÃO ROBERTO: Ou uma matéria especial…

ASCÂNIO: Mesmo assim, em alguns casos, a gente publica antes porque também isso valoriza o site, valoriza a internet. No iPad, tudo é exclusivo. Mas tudo isso que estamos fazendo só vale mesmo porque o nosso conteúdo tem qualidade e credibilidade. Essa questão é fundamental para nós, jornalistas. A gente tem o velho dilema da notícia importante com a notícia interessante. De que é que o leitor precisa? A gente acredita, lógico, que o leitor precisa das duas. Mas, em qualquer dos casos, sempre com qualidade, com conteúdo, sem resvalar no sensacionalismo, embora seja um produto cada vez mais leve, de fácil leitura…

JOÃO ROBERTO: Não cair na tentação do atrativo fácil…

ASCÂNIO: Da notícia fácil, que venda…

JOÃO ROBERTO: Mas a gente tem conseguido equilibrar muito bem o que é importante e muito relevante, com as coisas mais leves, mas também sempre feitas com qualidade.

Fonte: O Globo

Um comentário em “João Roberto Marinho: ‘A melhor mídia ainda é o papel’

  • 30 de julho de 2012 em 10:32
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    Com certeza o jornal Impresso é bem mais interessante! Nunca irá acabar. Os jornais on line são bons, mas nem todos têm acesso como o Impresso.

    Resposta

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