Compra de carro pode levar a financiamentos longos e perigosos
A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos novos — prorrogada até o fim de outubro — e a crescente oferta de crédito têm levado consumidores a realizar o sonho do primeiro carro: “zero” ou usado. Mas quem opta por um financiamento longo sem planejar o orçamento corre o risco de perder o bem e ter de continuar pagando a dívida. De modo geral, basta atrasar três prestações para ser obrigado a devolver o veículo ao banco ou à financeira.
A costureira Maria Cristina da Silva trabalha como autônoma e tem renda mensal de R$ 3 mil. Há três anos, financiou um Palio Weekend 2002 em 60 prestações de R$ 428 pelo banco Santander. Hoje ela está prestes a perder o carro que utiliza para visitar clientes e transportar material da pequena confecção que mantém em casa.
— No dia 1º de setembro consegui pagar duas das três prestações em atraso. Mas não tenho como manter essa situação por muito tempo — diz Maria Cristina, que recorreu ao Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio na esperança de conseguir renegociar a dívida com o banco.
Entretanto, os defensores públicos pouco podem fazer em relação aos contratos de financiamento de veículos. Segundo a coordenadora do Nudecon, Larissa Davidovich, a falta de conhecimento a respeito das cláusulas faz com que muitos consumidores fechem o negócio considerando apenas o valor das parcelas.
— Eles não param para pensar que durante um financiamento tão longo, de três, quatro, cinco anos muita coisa pode acontecer. E que o carro perderá muito do valor. Além disso, não levam em conta outros gastos com o veículo, como o pagamento do IPVA, a vistoria, a manutenção e o combustível. Juridicamente, não há muito o que fazer. A Defensoria Pública fica de mãos atadas, já que bancos e financeiras não são obrigados a renegociar essas dívidas. O aumento desses casos nos preocupa — afirma a defensora.
Nos últimos dois anos, a Defensoria Pública do Rio tem recebido um número maior de pessoas com histórias semelhantes à de Maria Cristina. Em 2010, apenas cinco consumidores procuraram o Nudecon tentando solucionar dívidas decorrentes do financiamento de veículos. Em todo o ano de 2011, foram 17 casos, a mesma quantidade registrada apenas nos cinco primeiros meses deste ano. Os atendimentos revelam uma mudança no perfil do consumidor que recorre à Defensoria Pública. Normalmente, o órgão atende a pessoas de baixa renda que se endividaram durante o parcelamento de compras ou no cartão e buscam acordo com seus credores.
Para quem ainda está pensando em comprar um automóvel financiado, a orientação é para que, antes da assinatura do contrato, o consumidor faça os cálculos e planeje muito bem o orçamento. Comparar as taxas de juros das instituições financeiras também é muito importante. E refletir a respeito das demais necessidades que terá no prazo em que estará financiando o carro.
Marta Aur, diretora técnica do Procon-SP, diz que o financiamento longo, acima de 12 meses, só vale a pena para quem não tem muitas mensalidades a pagar nem pode comprar à vista.
— No período de quatro, cinco anos muita coisa pode acontecer. É preciso perguntar: terei condições de arcar com esse compromisso caso aconteça alguma emergência, como doença em família, ou mudança de emprego? Terei fôlego para quitar essa dívida? E, às vezes, o consumidor revende o veículo que ainda não foi quitado, o que pode criar problemas ainda maiores — diz.
O carro vai, mas a dívida fica
Maria Cristina foi vítima da falta de planejamento. Em 2009, quando decidiu financiar o carro, contava com a ajuda de uma parente que pagava as prestações. Quando a sobrinha voltou para a cidade natal, a costureira foi obrigada a assumir a dívida.
— Não pensei que isso fosse acontecer. Quero pagar e ficar com o carro, porque preciso dele para trabalhar. Mas está difícil renegociar essa dívida. O valor da prestação é quase o que pago de aluguel. Preciso que o valor das parcelas seja reduzido — diz a costureira que não sabia do risco de ter de devolver o veículo e continuar devedora.
De acordo com o Procon-SP, as financeiras e os bancos têm interesse em renegociar as dívidas, mesmo antes da execução do mandado de busca e apreensão do veículo. Normalmente, analisam caso a caso. No entanto, o consumidor deve procurar o credor assim que atrasar uma ou duas prestações, evitando que a dívida torne-se impagável.
— Quando o carro é apreendido pela Justiça, é vendido pelo credor em leilão. O valor obtido pode servir para quitar a dívida ou abater parte do saldo devedor. Neste caso, o consumidor deve exigir o desconto dos juros que incidiriam sobre as prestações futuras. Porém, há situações em que o dinheiro obtido não é suficiente. Então, a pessoa fica sem o carro e ainda terá de pagar o restante das prestações — afirma Marta Aur.
O Santander informou que entrará em contato com a cliente Maria Cristina Silva, para entender melhor o caso. O banco ressaltou que “analisa caso a caso os financiamentos de veículos e busca identificar a solução mais adequada ao cliente.”
Fonte: O Globo