Leite gaúcho é fraudado desde 2009, afirma Ministério Público
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP) admitiu ontem que a adulteração de leite com adição de ureia — que contém formol, uma substância cancerígena — está ocorrendo há pelo menos quatro anos no estado. As evidências da fraude apareceram num pedido de informação feito à Receita Estadual sobre a compra de ureia por transportadores do produto. Segundo o levantamento, as aquisições se intensificaram a partir de 2009.
O promotor Alcindo Bastos Filho, da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Consumidor, não quis determinar a quantidade de leite fraudado e nem as empresas para as quais foi destinado. Mas confirmou que o produto químico foi adquirido por transportadores para ser adicionado ao leite, mascarando efeito da diluição com água, que aumentava o lucro dos empresários em 10%.
Setor leiteiro vai a Brasília
O MP não revelou a quantidade de ureia adquirida pelos transportadores entre 2009 e 2012, alegando que muitos empresários ainda estão sob investigação. O promotor disse, entretanto, que a quantidade informada pelo órgão estadual é “um pouco inferior” às cem toneladas rastreadas pela Operação Leite Compen$ado, que flagrou a fraude cometida pelos transportadores na última quarta-feira. Cada quilo de ureia industrial era suficiente, pela fórmula descoberta pelo MP, para fraudar mil litros de leite.
— Trata-se de um indicativo concreto de que a fraude vinha sendo praticada há bastante tempo, pelo menos desde 2009. A fórmula da adulteração circulou muito por esse meio e tem muita gente que ainda a tem — afirmou Bastos Filho.
O promotor citou como agravante o fato de que os transportadores sabiam que nem as indústrias e nem os entrepostos, que armazenam o leite e o repassam para beneficiamento, vinham realizando testes para detectar a presença de ureia. Além disso, o fato de o Ministério da Agricultura não estabelecer padrões técnicos para a presença do componente no leite cru ou na versão UHT, o que estimularia a fraude. A ureia faz parte da composição natural do leite, mas não há resolução oficial sobre os níveis recomendáveis, explicou Bastos Filho:
— Se não fosse pela presença do formol, nem teríamos como determinar que houve fraude porque a legislação é omissa em relação à presença de ureia.
Na próxima semana, autoridades do Ministério da Agricultura vão se reunir com representantes da cadeia produtiva do leite, em Brasília, para discutir mudanças na relação das indústrias de laticínios com as transportadoras e a possibilidade da criação de um parâmetro para a quantidade de ureia no produto.
Segundo Bastos, só será possível determinar com exatidão a extensão da fraude depois de perícias em computadores e documentos apreendidos.
O promotor anunciou que vai pedir uma reconsideração sobre o pedido de prisão do vereador Larri Jappe, negado pela Justiça. Uma das amostras de leite que continham adulteração confirmada por perícia era de caminhão transportador que pertence a Jappe. Além disso, 59 sacos de ureia apreendidos na operação estavam em galpões da empresa do vereador, em Horizontina.
Em nota, a empresa transportadora reafirmou que não está envolvida na fraude e pediu aos 300 produtores de leite de quem faz a coleta atenção com boatos inverídicos e para “um possível uso desleal da ação investigatória sendo explorado por terceiros com interesses comerciais”.
Ouvido ontem pelo promotor Mauro Rockembach, que investiga a fraude, Leandro Vicenzi, preso por suspeita de fraude, negou as acusações. Vicenzi justificou a compra de ureia para uso numa propriedade rural da família, administrada pelo pai. Os laudos, entretanto, apresentaram evidências de formol no leite in natura transportado e armazenado por Vicenzi.
Outros investigados também terão pedido de prisão preventiva solicitada pelo MP, que espera concluir parte da denúncia até a próxima quinta-feira
Fonte: O Globo