Câmara quer criação de mais 51 municípios no Pará
Passados 17 anos que uma emenda constitucional retirou dos Estados o poder de decidir sobre emancipações, a Câmara dos Deputados deve colocar em votação na próxima terça-feira (4) o projeto de lei complementar (PLC 416/08) que pode devolver às Assembleias Legislativas a autonomia de criar novos municípios. Estimativas iniciais indicam que se a porteira for aberta, pelo menos, 410 novos municípios poderão ser imediatamente criados, elevando o número de cidades brasileiras a 5.980. Os números são com base nos projetos que já estão tramitando nas 26 Assembleias legislativas do País. No Pará está uma das maiores listas: 51 novos municípios a serem criados.
Considerando que os municípios com até oito mil habitantes criados entre 2001 e 2010 — em processos que ficaram sub judice no Supremo Tribunal Federal (STF) — têm orçamento anual em torno de R$ 20 milhões, cada, a despesa desses 51 municípios poderia chegar a R$ 1 bilhão por ano, uma vez que haveria uma redistribuição das verbas da principal fonte de financiamento dessas cidades, que é o Fundo de Participação nos Municípios (FPM). Em todo o Brasil, o custo dos 410 novos municípios deve chegar a R$ 8,2 bilhões.
Segundo o presidente da Comissão de Criação de Novos Municípios no Pará, Miguel Costa, a expectativa é de que a aprovação do PLC possa abrir a possibilidade de se criar até cinco vezes mais municípios no Estado do que já está proposto na Assembleia Legislativa. ‘Eu acredito que vamos criar muito mais do que 400 municípios no Brasil. No Pará, temos 51 projetos pautados na Assembleia Legislativa, mas nós temos dados registrados, catalogados, de mais de 300 comunidades que sonham em se emancipar, sendo 200 delas com reais condições. Agora eu garanto, tão logo essa Lei seja votada, aprovada e sancionada pela presidenta Dilma, nós vamos ter aqui mais alguns municípios, algumas vilas, comunidades, distritos que vão pedir as suas emancipações. E nós vamos, com certeza, levar essas comunidades a Assembleia Legislativa’, indica.
Apesar do número elevado de novos municípios, Miguel Costa rechaça que vá haver nova farra nos moldes da que ocorreu antes da Emenda Constitucional 1996/15, que passou a subordinar ao Congresso o surgimento de novos municípios. ‘O projeto volta a autonomia ao Estado, como diz a Constituição, mas estabelece critérios para se criar os novos municípios. Antigamente, nós não tínhamos um critério de população, hoje nós já temos. A Lei vai dizer que o Estado só vai criar municípios se ele tiver uma população ‘x’, que deve ser de, no mínimo, 8 mil habitantes, sendo, provavelmente, na nossa região Norte, na casa dos 5 mil habitantes. Outro critério é o número de eleitores, que não tinha no passado. Também tem a questão da viabilidade econômica. Só esses três itens já são suficientes para que a gente não use a expressão ‘farra”, defende.
O presidente da comissão pró-emancipação dos municípios paraenses também rebate que a defesa dos novos municípios visam, exclusivamente, interesses econômicos, sobretudo, políticos, já que os líderes emancipacionistas são nomes certos para administrarem as novas cidades. ‘É notório que quando se usa as expressões ‘interesse político’ e ‘ interesse financeiro’, eu até poderia dizer que tem, tem todos os interesses. Agora, nós que somos emancipacionistas, somos pautados pelo povo que é da região e não por nenhum político. Vamos transformar algum dos nossos representantes em político? vamos. É claro que vamos. Vai dividir o bolo financeiro? É claro que vai. Agora, o maior interesse nosso, o interesse número um, é que se perceba que há a necessidade da presença de governo nessas comunidades. Não estou aqui dizendo que o governador Jatene e outros governos que passaram aqui não tiveram presença, mas a presença efetiva da sociedade poder discutir a sua vida, de buscar melhorias para a sua própria comunidade’, destaca.
‘Nós precisamos que essas comunidades sejam emancipadas, porque aí vamos ter transferências condicionais para começar a dar a sua sustentação. Depois vamos reorganizar essas comunidades para que elas possam ter arrecadação própria’, completa Miguel Costa, enfatizando que matéria deve ser aprovada na Câmara dos Deputados, com algumas emendas, sem risco de posterior rejeição pela presidente Dilma Rousseff. ‘Eu não acredito que teremos problema na Casa Civil, porque ao longo desses últimos cinco anos, nós discutimos bastante com a Casa Civil e, só agora no governo Dilma, foi que nós conseguimos realmente criar uma mesa para as discussões e encaminhar para a Câmara o projeto. Além disso, não vai aumentar o gasto da União, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal já determina isso. Então, a União não tem gasto. Quem prega isso é a turma do contra.’
Prejuízos – Pelo projeto, após a aprovação caberá a cada localidade convocar a população para que vote no plebiscito e decida se deseja a criação do novo município. Lançado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), composto por informações dos ministérios do Trabalho, da Educação e da Saúde, demonstrou que em 58 prefeituras brasileiras criadas entre 2001 e 2010 foram abertos novos 31 mil cargos públicos, e movimentados recursos federais que somaram, nos últimos cinco anos, R$ 1,3 bilhão, em repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Todo esse investimento, entretanto, não se reverteu em melhoria dos indicadores sociais para a maioria dessas cidades. Segundo o IFDM, 45% dos 58 municípios emancipados registraram piora de desempenho ao longo da última década.
No Pará, a pesquisa identificou que 90% dos municípios estão falidos e que uma das principais razões para esse cenário foi a criação desmedida de municípios. Segundo os dados divulgados pelo O Liberal, em abril do ano passado, 21 cidades paraenses figuravam no rol das quinhentas piores gestões fiscais do País, sendo todas elas emancipadas há mais ou menos 20 anos. ‘Esse é o problema desses municípios. Não deveriam ter sido criados, não têm as mínimas condições de se sustentarem, com receita perto de zero. Estão em situação crítica em gestão fiscal em relação à receita própria, ou seja, não geram nem 20% de sua receita’, sustenta o gerente de estudos econômicos da Firjan, Guilherme Mercês. ‘A criação de novas cidades implica em custos sim. Gerar novos municípios não implica necessariamente obter nova arrecadação. Ele vai é subtrair dos recursos já existentes, e distribuídos entre essas administrações. Ou seja, a divisão vai ser maior. Para solucionar isso, a União tem que aumentar os repasses, e, para isso, terá que haver aumento de impostos. Sou a favor de que haja um melhor critério técnico na criação desses municípios, e não o processo que nós vimos no passado’, conclui o economista.
O presidente da Confederação dos Municípios, Paulo Ziulkoski, elogia a ideia, mas também demonstra receio. ‘A aprovação da lei é importante. Os melhores indicadores do Brasil estão nos pequenos municípios. A criação de novas cidades nos últimos anos contribuiu para isso. O Brasil tem espaço para a criação dessas novas unidades, principalmente no extremo Norte. O problema é que esses novos municípios não podem ser criados com estrutura de Estado, ou seja, com centenas de secretarias, e com gasto elevado’, analisa.
Fonte: Thiago Vilarins (sucursal em Brasília)