MP investiga denúncias de fraude na Sema

Secretário Alberto Colares
Secretário Alberto Colares

Um cipoal de irregularidades afeta a aprovação de planos de manejo na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) de Marabá, onde projetos indeferidos pelo órgão em Belém passam por nova análise e são aprovados a toque de caixa. Apenas em 14 projetos foram liberados 303 mil metros cúbicos de madeira. Para transportar tanta madeira, seriam necessários 15.177 caminhões que, enfileirados um ao lado do outro, alcançariam a extensão de 455 quilômetros, algo equivalente à distância, em linha reta, entre Belém e a própria cidade de Marabá, no sudeste do Estado. Em dinheiro, a farra de ilegalidades alcançaria R$ 100 milhões com a venda da madeira liberada.

As autorizações apontadas como fraudulentas, segundo denúncia encaminhada ao Ministério Público, envolvem, em alguns casos, a retirada de madeira de reservas indígenas, áreas protegidas e florestas estaduais. Tudo sob o manto protetor de vistorias irresponsáveis, análises técnicas incompletas, além do afrouxamento das exigências técnicas e documentais. Projetos que normalmente levariam mais de um ano para ser aprovados, na Sema de Marabá correm em ritmo veloz e são liberados em até 38 dias. No governo de Simão Jatene, é o primeiro caso envolvendo tantas irregularidades na Sema.

O esquema pesado foi denunciado ao promotor Júlio César Sousa Costa, da 11ª Promotoria de Justiça Cível de Marabá. Ouvido pelo DIÁRIO, Costa afirmou que a documentação que chegou às mãos dele é “muito grave” e exige uma investigação mais abrangente, provavelmente com a entrada em cena da Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF). Embora ainda não tenha concluído a análise da papelada e outras provas anexadas, Costa adiantou que pretende remeter toda a documentação recebida para o Ministério Público de Belém.

“A abrangência dessa denúncia não envolve somente Marabá, mas também Novo Repartimento, Tucuruí, Goianésia etc”, disse o promotor, salientando que há questões técnicas, apontadas como irregularidades, que necessitam de investigação aprofundada. O promotor explicou que inicialmente analisava um problema mais antigo, que envolve outra denúncia contra Rubens Sampaio e o próprio denunciante, que agora apresentou-se para revelar outros fatos que nada tinham com a investigação original. “Eu estou surpreso em saber que o que recebi agora chegou a essa dimensão tão grave”, resumiu.

O repórter teve acesso a documentos, fotos e vídeos em que vários personagens aparecem relaxados na costura das maracutaias. Até academia de ginástica e uma papelaria, assim como a garagem do órgão na cidade, servem de locais para contatos bem sucedidos entre os interessados. Rubens Sampaio seria afilhado político do ex-prefeito de Marabá, Sebastião Miranda.

FACILIDADES

Um autêntico cheque em branco, que mudou a sistemática de aprovação de projetos, foi a portaria 1743/2010, de 12 de agosto de 2011, publicada no Diário Oficial do Estado, quando Rubens Sampaio era secretário-adjunto do órgão em Belém. Essa portaria torna legal a assinatura dos gerentes das unidades de Marabá, Altamira, Santarém e Paragominas para a emissão de licenças e autorizações.

Depois que essa portaria entrou em vigor, Sampaio passou a atuar em Marabá. A partir daí, processos indeferidos em Belém foram “resgatados” para Marabá, diz a denúncia ao MP. Sampaio, que atua como assessor, seria espécie de eminência parda do gerente da unidade, Jorge Nery.

Há planos de manejo indeferidos em Belém, mas aprovados em Marabá, que foram identificados com sobreposição em áreas especiais, como floresta pública do tipo B, projetos de desenvolvimento sustentável (PDS), terras indígenas e nas chamadas zonas de amortecimento, todas sob competência específica de órgãos federais como Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

JEITO

Em Marabá, as notificações foram desconsideradas, sobreposições esquecidas e exigências documentais condicionadas de apresentação para após a emissão das licenças. Quer dizer, os processos são aprovados com pendências técnicas e documentais graves. Um deles foi aprovado em terra indígena sem qualquer anuência da Funai. O responsável técnico desse projeto, em 2010, era Sampaio. O tempo de aprovação ganhou disparado o campeonato de celeridade na Sema: 38 dias.

Outro caso foi a aprovação de licença de plano que descumpriu termo de ajustamento de conduta do MPF. O fiscal da lei determinou vistoria técnica para aprovação do 2° plano operacional anual para extração de madeira. A ordem do MPF não teria sido seguida. Quem analisou e recomendou a aprovação da licença foi o mesmo técnico que assinou como corresponsável, juntamente com Sampaio. No dia 16 de maio passado o 3° plano operacional anual do mesmo processo voltou a ser aprovado, embora toda a suposta irregularidade tenha sido registrada em parecer técnico oficial da própria Sema.

De acordo com a denúncia, as recorrentes irregularidades não teriam o empenho do gerente de Marabá Jorge Nery em apurá-las ou punir responsáveis. O próprio Nery, quando cobrado, teria dito que “aqui é do meu jeito”. Sampaio, ainda diz a denúncia, teria repassado projetos que eram da responsabilidade técnica dele para outro engenheiro florestal, mas obedecendo ao critério de aprovação rápida e emissão das licenças. Amigos e apaniguados teriam prioridade.

Sema classifica denúncia como “esdrúxula e intempestiva” 

Em entrevista ao DIÁRIO, o secretário estadual de Meio Ambiente, Alberto Colares, chamou de “esdrúxula e intempestiva” a denúncia encaminhada ao Ministério Público de Marabá. Ele disse que as acusações podem fazer parte de um “processo de retaliação” de alguém, que Colares não identificou, prejudicado em seus interesses pessoais: “Temos uma inteligência dentro da Sema e um rigor imenso, revisando cada coisa aprovada. É impossível uma área ser aprovada com sobreposição em área indígena ou assentamento. Isso é filtrado pelo serviço de georreferenciamento”.

Ele contou que havia suspeita de envolvimento de um técnico da Sema em Marabá, por isso foi determinada uma investigação. “A corregedoria está em cima disso”, acrescentou, sendo depois informado pelo repórter de que a própria corregedoria da Sema é acusada de omissão e de nada apurar sobre as denúncias.

Colares defendeu o coordenador de Marabá, Rubens Sampaio, garantindo que ele é pessoa séria e honrada e que está acompanhando as investigações. Segundo Colares, o suspeito investigado não é Sampaio, mas um técnico, cujo nome não quis revelar. “É possível que isso [denúncia] seja um revide”.

No caso de Sampaio, ele disse não haver nada na Sema que desabone a conduta dele, inclusive quando atuou em Belém como secretário-adjunto. Quando informado de que o conteúdo da denúncia em poder do promotor Júlio César Costa aponta o envolvimento de Sampaio, o secretário respondeu que na Sema “não há nada a esconder”, prometendo apurar qualquer denúncia que chegar até ele.

Por conta da “filtragem” dos processos de plano de manejo, ele salienta que o setor madeireiro passou a reclamar o tempo todo da demora na tramitação e liberação dos planos de manejo. “Temos mais de 100 projetos que estão paralisados há anos por falta de Certificado de Cadastro de Imóvel Rural”, resumiu, citando cancelamento recente de projeto de 1,2 milhão de hectares que incidia sobre áreas de conservação.

O gerente da unidade da Sema em Marabá, Jorge Nery, negou qualquer irregularidade na liberação dos projetos. “Não procede dizer que há projeto aprovado em área indígena, porque teria de ter autorização da Funai e não tem como fazer isso”, afirmou, esclarecendo que o Ibama aprovou em uma área cinco projetos, quando ele ainda atuava em Belém, mas não era em terra indígena. Esse projeto, segundo Nery, ainda nem foi liberado pela Sema.

Nery disse não saber de onde estaria partindo a denúncia, mas que isso deve ser investigado pela corregedoria do órgão. Sobre a liberação de 303 mil metros cúbicos de madeira pela unidade que dirige, explicou que na região não existe área com esse volume liberada, assinalando que só é permitida a liberação de plano para no máximo até 30 metros cúbicos por hectare.

CALADO

Informado pelo repórter de que a denúncia ao MP continha documentos, fotos e vídeos de negociações em academia de ginástica, papelaria da cidade e na garagem da própria Sema, Nery reagiu: “Foi mesmo?”. Em seguida, contou que esteve dias atrás no MP, mas o promotor Júlio César Costa não comentou nada com ele sobre a denúncia.

Ao citar o nome de Rubens Sampaio como envolvido na denúncia em poder do MP, o gerente pediu o número do telefone do repórter para que Sampaio ligasse e pudesse apresentar sua versão dos fatos.

Até o fechamento da edição, contudo, Sampaio, embora procurado insistentemente, não retornou as ligações, inclusive as feitas para o celular dele ou para seu gabinete na sede de Marabá. O próprio secretário da Sema, Alberto Colares, foi quem forneceu o celular do subordinado.

NOVO ESCÂNDALO

No auge da campanha eleitoral de 2010, estourou na Sema um milionário esquema para liberar licenças ambientais e planos de manejo em troca de dinheiro de empresas madeireiras. O processo corre em segredo de justiça. Gravações levaram a Polícia Federal a efetuar várias prisões e 15 pessoas foram investigadas, entre servidores, despachantes, madeireiros e políticos. Cinco então candidatos a deputado tiveram seus nomes envolvidos por telefonemas – alguns pedindo aprovação de projetos de madeireiras, entre eles Cláudio Puty (PT), Giovanni Queiroz (PDT), Cássio Andrade (PSB), Bernadette ten Caten (PT) e Gabriel Guerreiro (PV).

Processos criminais e eleitorais estão em andamento. O TRE condenou o deputado federal Cláudio Puty por conduta vedada a agente público, abuso de poder econômico e compra de votos. Puty recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral , que na última sexta anulou a decisão em caráter liminar.

Fonte: Diário do Pará

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