Reforma do modelo de declaração do IR é urgente
Dentre tantos pleitos de reforma, nenhuma é mais urgente do que o conservador e ultrapassado modelo do imposto de renda, pessoas jurídica e física.
A cada ano que passa, o contribuinte é obrigado a selecionar uma montanha de papelada, corrigir dados e ter ainda a noção que a fonte de despesa lançada irá proceder de forma recíproca para não ser apanhado pelas garras do leão.
E em relação à pessoa jurídica, o fato é tanto pior, haja vista que grandes empresas se ressentem de uma leitura pormenorizada, o que acarreta dúvidas e a transposição dos problemas para as Cortes superiores.
O regime que deveria prevalecer no imposto de renda de confiança foi transformado em desconfiança, assim se barram milhões de contribuintes na malha fina, a pretexto de maiores esclarecimentos, muitas vezes os recibos apresentados são considerados imprestáveis e o fisco pretende, com isso, a quebra do sigilo bancário para que sejam trazidos os cheques.
No entanto, a maioria usa cartão, ou pode até mesmo estar recolhendo o valor em espécie, o que acontece é, sem dúvida, excesso de exação, uma vez que o contribuinte somente tem deveres e prazos e a Receita, ao contrário, só direitos e exigências, boa parte delas descabida.
E, diante do registro em banco de dados das operações realizadas, não haveria mais necessidade de se proceder anualmente à declaração, somente quando houvesse variação patrimonial, ou ganho que não fosse tributado na fonte, numa espécie de conferência pelo fisco, que apresentaria aos contribuintes como ficou sua declaração e ele teria direito de aprovar ou fazer modificações.
A classe assalariada, a que sofre exclusivamente essa legislação antiquada e sem atualização de valores há anos, evidente que já tem seus rendimentos, mensalmente, descontados na fonte, e daí então não se teria mais a obrigação de fazer a declaração, somente se experimentasse qualquer outro ganho que não estivesse ao alcance da Receita.
A escravidão do contribuinte é deveras tenaz pelo fisco, que assaca contra a classe média toda a responsabilidade pelo pagamento de valores, aqueles que ganham acima da média da faixa de renda já são tributados na fonte em 27,5% ao mês, e ainda há outros encargos.
Agora se indaga se o cidadão é obrigado a pagar todo o seu tratamento de saúde, não coberto pelo plano, e assistência odontológica, ambos que o Estado moderno arcaria, qual a razão de ser de ter ainda a obrigação acessória de comprovar, perante a auditoria, que mantém recibos, ou precisará microfilmar cheques?
O tratamento dispensado pelo fisco é incomum e absolutamente sem razão de ser, a ele compete a prova de fraude, sonegação, ato ilícito, inclusive na esfera penal, mas assacar contra o contribuinte uma presunção de má-fé é absolutamente inadequado e pode inserir-se na regra do prejuízo extrapatrimonial.
Demais a mais, qual é a moral que o fisco deposita diante de tantas falcatruas praticadas nas esferas da república, por diversos setores e simplesmente queda-se inerte.
A conclusão a qual se chega é que o cidadão de bem, pagador dos seus impostos, acaba pagando a conta daqueles que sonegam.
A simplificação do procedimento do imposto de renda, com atualização dos valores, e dispensas em casos mais específicos, tudo isso poderia mudar o retrato da visão sobre a Receita Federal, a fim de que seus técnicos e auditores compusessem um quadro mais voltado para os delitos e anotações sobre grandes contribuintes, fatores distantes do assalariado.
Enquanto não houver uma reviravolta no modelo do imposto de renda, o contribuinte continuará sendo penalizado pelo sistema de malha fina que é, irretorquivelmente, um critério subjetivo de apenas postergar o justo pagamento para aquele que comprovou perante o fisco a normalidade de sua situação.
E diga-se mais, um código de defesa do contribuinte abriria espaço para nivelar direitos e deveres no relacionamento entre ambos.
Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico