Milton Corrêa
Lei Maria da Penha: E por que mulheres continuam sendo mortas diz Ipea
Por que a maioria das leis parecem não ser eficazes? Onde estão falhando? O que está faltando para serem solidas e não vulneráveis? Questionamentos estes deve ser objeto de reflexão, para que as leis ao serem criados, tenham a garantia de serem cumpridas e não dê espaço à impunidade.
Situações como essas parecem estar ocorrendo com a Lei Maria da Penha, que de acordo com recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e amplamente divulgada pela imprensa nacional, inclusive a Agência Brasil, não teve impacto sobre a quantidade de mulheres mortas em decorrência de violência doméstica.
De acordo com os dados do instituto, entre 2001 e 2006, período anterior à lei, foram mortas, em média, 5,28 mulheres a cada 100 mil. No período posterior, entre 2007 e 2011, foram vítimas de em média, 5,22 mulheres a cada 100 mil.
Entre 2001 e 2011, estima-se que, no total, cerca de 50 mil crimes desse tipo ocorreram no Brasil, dos quais 50% foram cometidos com o uso de armas de fogo. O IPEA também constatou que 29% dessas mortes, ocorreram na casa da vítima – o que reforça o perfil das mortes como casos de violência doméstica.
Para o Ipea, o decréscimo em dez anos é “sutil” e demonstra a necessidade da adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher, à proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero.
Em relação ao perfil das principais vítimas de feminicídio¹, o Ipea constatou que elas são mulheres jovens e negras. Do total, 31% das vítimas têm entre 20 e 29 anos e 61% são negras. No Nordeste, o percentual de mulheres negras mortas chega a 87%; no Norte, a 83%.
Entre os estados brasileiros, o Espírito Santo é o que mais registrou assassinatos de mulheres entre 2009 e 2011, 11,24 a cada 100 mil – muito superior à média brasileira no mesmo período. Em seguida, outros estados com alta incidência de homicídios de mulheres foram a Bahia (9,08), Alagoas (8,84) e Roraima (8,51).
Em contrapartida, os estados com a incidência mais baixa foram Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28), São Paulo (3,74) e Maranhão (4,63). No caso do Piauí e do Maranhão, o IPEA estima que a baixa incidência seja decorrente da deficiência de registro.
De acordo com o IPEA, 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. Em relação ao homem isso não ocorre. Apenas 6% dos assassinatos de homens são cometidos por uma parceira.
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¹Feminicídio é o homicídio de mulheres em decorrência de conflitos de gênero, geralmente cometidos por um homem, parceiro ou ex-parceiro da vítima. Esse tipo de crime costuma implicar situações de abuso, ameaças, intimidação e violência sexual.
Dez mitos sobre a violência doméstica
Esse texto foi retirado da Cartilha Enfrentando a Violência Doméstica Contra a Mulher, autora Bárbara M. Soares.
1. “A violência doméstica ocorre muito esporadicamente”
Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo (2001)*, uma em cada cinco brasileiras (19%) sofreu algum tipo de violência por parte de algum homem: 16% relatam casos de violência física, 2% de violência psíquica e 1% de assédio sexual. Quando os (as) entrevistadores (as) descrevem as diferentes formas de agressão, 43% das entrevistadas reconhecem ter sofrido algum tipo de violência, 33% experimentaram alguma violência física, 27% violências psíquicas, 11% assédio sexual e 11% também teriam sido espancadas. Na população isso significa algo em torno de 6,8 milhões de mulheres. Considerando a proporção das que sofreram espancamento no ano anterior à pesquisa, calcula-se que a cada 15 segundos uma mulher é espancada em nosso país.
2. A violência doméstica é um problema exclusivamente familiar: Roupa suja se lava em casa.
Enquanto os poderes públicos e as comunidades continuarem a achar que não podem interferir na violência que acontece dentro de casa, as mulheres continuarão a ser mortas, feridas e ameaçadas. Seus filhos poderão delinquir apresentar severas sequelas psicológicas, desenvolver comportamento violento ou fugir de casa para viver nas ruas. A produtividade no trabalho das mulheres vitimadas tenderá a declinar drasticamente e os cofres públicos serão onerados com aposentadorias precoces, licenças, consultas médicas e internações. Esse é um problema de todos nós? Pesquisa da Organização Mundial da Saúde, aplicada em São Paulo e Pernambuco, mostrou que os filhos de 5 a 12 anos das mulheres agredidas apresentavam diversas sequelas, como: pesadelos, chupar dedo, urinar na cama, timidez e agress ividade. Em São Paulo, essas mães apontaram maior repetência escolar de seus filhos e na Zona da Mata Pernambucana, maiores índices de abandono da escola. [Violência contra a Mulher e Saúde no Brasil (2001). OMS/FMUSP/CFSS/SOS Corpo/FSPUSP/UFPE.]
3. A violência só acontece entre as famílias de baixa renda e pouca instrução.
Basta abrir os jornais para ver a quantidade de mulheres mortas por maridos, ou ex-maridos: médicos, dentistas, jornalistas, empresários etc. Em grande parte desses casos elas vinham sendo frequentemente espancadas, mas a situação só chega ao conhecimento público quando a violência cresce a ponto de culminar no assassinato da vítima.
4. As mulheres provocam ou gostam da violência.
Quem vive em situação de violência passa a maior parte do seu tempo tentando evitá-la, protegendo-se e protegendo seus filhos. As mulheres ficam ao lado de seus agressores para preservar a relação, não a violência.
5. A violência só acontece em famílias problemáticas.
As famílias marcadas pela violência aparentam ser “funcionais”. Até hoje os pesquisadores não puderam estabelecer um perfil característico do homem que comete violência. Nenhum fator, isoladamente, mostrou-se capaz de explicar a violência conjugal que parece resultar da integração de fatores culturais e sociais. Muitos agressores são pessoas bem sucedidas e bem articuladas socialmente. Mostram-se afáveis e cordatos com amigos e colegas, não fazem uso de álcool e de outras drogas e têm a ficha limpa na polícia. Apenas não são denunciados e sua violência passa despercebida.
6. Os agressores não sabem controlar suas emoções.
A violência doméstica não é apenas uma questão de administração da raiva. Os agressores sabem como se controlar, tanto que não batem no patrão e sim na mulher e nos filhos. Eles fazem isso porque não há nenhum custo a pagar. A sociedade é indiferente. Faltam recursos para uma efetiva das polícias, a justiça é conivente e as tradições religiosas e culturais não impõem nenhum freio eficaz a esse comportamento.
7. Se a situação fosse realmente tão grave, as vítimas abandonariam logo seus agressores.
Como vimos, há vários motivos pelos quais as mulheres permanecem ao lado de seus agressores. Um é o risco que correm quando tentam se separar. Nos Estados Unidos da América cerca de 50% das mulheres assassinadas pelo parceiro morrem exatamente quando tentam a separação. O outro motivo são as seqüelas psicológicas da violência doméstica: algumas mulheres desenvolvem a “síndrome do estresse pós-traumático” e se tornam incapazes de reagir para escapar da situação.
8. É fácil identificar o tipo de mulher que apanha.
Qualquer mulher pode se encontrar, em algum momento de sua vida, em situação de violência doméstica. Seja ela branca ou negra, pobre ou rica, heterossexual ou homossexual, jovem ou idosa. O problema não está na mulher que apanha, mas na pessoa que bate e no ambiente gerador de violência. Criar estereótipos sobre as mulheres espancadas é mais uma forma sorrateira de jogar a culpa sobre a vítima e não ajuda em nada a entender e prevenir a violência.
9. A violência doméstica vem de problemas com o álcool, drogas ou doenças mentais.
Há casos em que a violência doméstica está associada ao abuso de álcool e drogas ou problemas psíquicos. Mas isso não significa que ela seja causada pela dependência química, por neuroses e psicoses específicas, nem que estes fatores estejam sempre presentes. Muitos homens agridem suas mulheres sem apresentar quaisquer desses problemas. A violência doméstica é um fenômeno tão generalizado que não basta procurar suas origens nas perturbações individuais. É preciso que nos perguntemos por que esse fenômeno encontra um terreno tão favorável para se manifestar e por que encontra tão pouca resistência para continuar a se reproduzir.
10. Para acabar com a violência basta proteger as vítimas e punir os agressores.
O primordial é oferecer proteção para as mulheres em situação de violência. Porém, para superar o problema é necessário também transformar o comportamento dos autores, pois a mera punição os tornará ainda mais violentos. A não ser que acreditemos que os autores de violência são todos criminosos irrecuperáveis, vale a pena investir em seu potencial de transformação e apostar na sua capacidade de mudança. Se não encararmos o desafio de transformar os comportamentos violentos e, com isso, buscar a construção da paz, estaremos aprisionando nossos discursos e nossas práticas na órbita da violência.